A cartografia é uma das primeiras formas de comunicação e acompanha a evolução da civilização humana desde os tempos do homem da caça.
Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
Ele é engenheiro cartógrafo formado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Presidente Prudente, e técnico em Geomática pelo colégio técnico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Dionatas Henrique Mendes Martin, 31 anos, está na área de geotecnologias desde 2009 e é o entrevistado da área Oportunidades na Engenharia, do SEESP, para celebrar o Dia da Engenharia Cartográfica, neste 6 de maio. O Brasil, segundo estatísticas dos conselhos federal e regionais da engenharia (Sistema Confea-Creas), tem 1.627 profissionais com registro ativo na área.
Martin também possui pós-graduação em drones pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e foi bolsista na University of New Brunswick, no Canadá, para estudar no Department of Geodesy and Geomatics Engineering. Atualmente trabalha em projetos focados na geração de conteúdos de inteligência geográfica, no cargo de Customer Success Manager.
Nesta entrevista especial, o jovem engenheiro discorre sobre os primórdios da profissão que, para ele, tem um tom poético, “pois a atividade é praticamente a primeira forma de uma comunicação entre os humanos, antes mesmo da escrita. Da caça, passando pela demarcação das terras às grandes navegações, a cartografia se fez presente”.
Ele rechaça qualquer insinuação que coloca o ofício como uma “profissão que parou no tempo, ou que está no passado”. Martin não tem dúvida que é uma das atividades que mais vem se beneficiando e se reformulando com o progresso tecnológico, hoje marcadamente digital e mutável. “Estamos presentes nos dispositivos móveis que levamos nas nossas mãos”, assevera.
Dionatas, obrigada por aceitar participar desta matéria em celebração ao Dia da Engenharia Cartográfica, neste 6 de maio. Nada mais natural, portanto, falar sobre a profissão a partir de uma breve linha histórica? Dos mapas feitos a mão aos tempos atuais?
Primeiramente é um prazer poder falar com vocês e celebrar essa data tão significativa para nós, engenheiros cartógrafos.
A cartografia, assim como as demais profissões, evoluiu e vem evoluindo a cada dia, principalmente devido ao avanço da ciência e da tecnologia; e também pela garra de profissionais dedicados em fazer acontecer. Todavia, ela teve um início que considero um tanto quanto poético.
Como assim?
Então, ela nasce antes da língua escrita, era o principal meio de comunicação ao representar os caminhos dos locais onde havia caça. Já os egípcios fazem uso da cartografia para demarcação de terras. Os gregos elevam o nível de precisão com a trigonometria e coordenadas até chegarmos às grandes navegações, cruzando oceanos com o auxílio da cartografia.
A evolução dos mapas também nos mostra uma nova percepção da realidade. Os mapas estáticos, que antes eram vistos como uma “fotografia” de certa região, hoje, com os recursos digitais, conseguimos contar histórias, informar e conscientizar as pessoas – que, antigamente, não tinham total acesso a informações geográficas, e quando tinham ou eram pobres ou muito difíceis de se ler.
Nos dias atuais, qualquer pessoa pode acessar mapas interativos, localizações geográficas em tempo real e usar como bem entender. A tecnologia proporciona a possibilidade de criar informações geográficas mais democráticas.
É interessante como os mapas desenhados a mão vinculam a profissão a um tempo analógico, e não digital. Como desmistificar isso, engenheiro?
De fato, a cartografia, ainda que lide hoje com a mais alta tecnologia de sensoriamento remoto, processamento digital de imagens, posicionamento geodésico de alta acurácia e sistemas de inteligência geográfica, parece não ter seu devido reconhecimento, sendo lembrada pelas produções de “mapinhas”.
Acredito que a desmistificação é um processo e deve começar pela forte divulgação da nossa atuação fora do convívio profissional, até porque é fácil falar de cartografia para cartógrafos. Usar as redes sociais e falar do nosso espaço é um excelente caminho para nos fazer conhecer e cativar jovens e adolescentes a iniciar uma carreira na cartografia.
Como você nos mostra, o ofício está presente no dia a dia da sociedade e vem se modernizando junto com os novos paradigmas tecnológicos.
Tudo ao nosso redor tem sua componente geográfica. Ao nos locomovermos do ponto A para o ponto B, teremos nossa rota calculada pelas ruas que também estão inseridas num sistema de coordenadas. Mas resumir a cartografia ao uso de rotas, por exemplo, é muito simplista.
Hoje, dispositivos móveis usam a inteligência geográfica para definir padrões de consumo e mostrar lojas mais próximas de onde você está. Ferramentas de geoprocessamento que indicam melhores preços em uma determinada região. Mapas temáticos e séries temporais sobre o clima nos dão a informação em tempo quase real.
O poder dos mapas é gigantesco e, combinado aos dispositivos móveis de hoje, tem-se uma das maiores disrupções do mundo tecnológico, informações geográficas precisas para qualquer pessoa que tenha um smartphone, por exemplo. Viver sem a cartografia é simplesmente desperdiçar a maior fonte de conhecimento e informação, a Terra.
Você pode falar um pouco sobre o processo de criação, atuação e produção de profissional da área?
Interessante esse questionamento, pois existem diversas áreas em que o engenheiro cartógrafo pode atuar. É forte, por exemplo, a atuação na área de topografia. O conhecimento adquirido na faculdade nos dá uma vantagem competitiva, sobretudo às técnicas de levantamento topográfico, uso de equipamentos de alta tecnologia e o pós-processamento desses dados coletados no campo.
A “visão tridimensional” que temos ajuda e muito na produção cartográfica. Mas nem só de campo sobrevive um engenheiro cartógrafo. Saber técnicas de processamento digital de imagens, composição de bandas e índices espectrais e softwares de sistemas de informação geográfica te colocam como um profissional mais preparado para o mercado.
A engenharia cartográfica hoje faz parte de uma evolução tecnológica sem precedentes. Técnicas analógicas deram espaço ao digital e para fazer cartografia hoje, o conhecimento da nova tecnologia é fundamental. Ignorar isso é não aceitar o novo e ficar no saudosismo cruel que não perdoa ninguém.
Você e o engenheiro Alex Boava Meza criaram o podcast “Um papo sobre geotecnologia”.
Este projeto é especial e tenho um enorme carinho ao falar dele. Alex e eu tivemos a ideia de criar um espaço para que cartógrafos e profissionais de outras áreas que interagem com a cartografia pudessem ser ouvidos. E nada melhor do que dar voz a esses profissionais do que uma conversa agradável, falando daquilo que mais gostamos. É exatamente essa a ideia do nosso programa, se você gosta de cartografia e geotecnologias, você será bem-vindo!
O foco é exatamente esse, levar informação de uma maneira divertida, consciente, é uma comunicação que não veste terno e gravata, se é que você me entende. O que tentamos é desmistificar a cartografia, dando o espaço e reconhecimento que ela merece.
Nosso podcast já trouxe engenheiros cartógrafos, ambientais, agronômicos, arquitetos, geógrafos para falar dos mais diferentes assuntos que envolvem cartografia. Falamos sobre o programa espacial brasileiro, modelagem ambiental, georreferenciamento, SAR [sigla em inglês para Synthetic Aperture Radar; em português Radar de Abertura Sintética], geomarketing e muitas outras coisas legais. Estamos nas plataformas de podcast como Spotify, Deezer e Apple Podcasts e estamos no YouTube! É só procurar pelo nome “Um Papo Sobre Geotecnologia”.
SAR
Os radares de abertura sintética são uma forma de radar utilizada para a obtenção de dados via sensoriamento remoto e possibilitam a obtenção de dados com uma resolução espacial mais fina do que é possível com radares de feixe de varredura convencionais.
Qual a melhor definição da Engenharia Cartográfica para você? Ela é uma engenharia jovem, não no sentido de tempo, quero dizer?
Defino a engenharia cartográfica como uma área necessária para o desenvolvimento econômico e sustentável. Não dá para não pensar em crescimento e expansão sem mapeamento e monitoramento.
A engenharia cartográfica é responsável por realizar o levantamento topográfico de áreas, realização de cadastro multifinalitário e sensoriamento remoto de florestas e áreas cultiváveis.
Multifinalitário
Refere-se às múltiplas aplicações do cadastro, principalmente ao planejamento urbano e regional. Serve de base à tomada de decisões. Este tipo de cadastro é também denominado Sistema de Informação Territorial, a ser discutido mais adiante.
É de cunho da cartografia o estudo e uso de técnicas avançadas de gestão de estados e municípios através dos sistemas de informação geográfica. O engenheiro cartógrafo também domina tecnologias emergentes como mapeamento com drones e LiDAR. Diante disso é impensável um futuro sem a engenharia cartográfica.
Não digo jovem, mas as técnicas utilizadas atualmente, com novos recursos podem parecer com uma engenharia recente, mas a metodologia, equações e bases teóricas são as mesmas de anos atrás.
LiDAR
Sigla para Light Detection And Ranging - equipamentos também são conhecidos como 3D Laser Scanners ou simplesmente Laser Scanners.
Por que a engenharia cartográfica não é passado?
Porque ela caminha com a tecnologia. A engenharia cartográfica se aproveita dos avanços tecnológicos para trazer melhores resultados, seja no campo acadêmico ou profissional. A tecnologia de amanhã será diferente de hoje que é diferente de ontem e pegamos carona exatamente nesta transformação.
A cada dia vemos um maior consumo pela inteligência geográfica, por processamentos mais rápidos e por respostas mais precisas. O engenheiro cartógrafo que entender essa dinâmica estará sempre no topo e disputado por empresas do setor, ou até mesmo iniciando seu próprio negócio. O que não podemos fazer é ficarmos parados no tempo e espaço, espaço este que o engenheiro cartógrafo conhece e conhece muito.