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29/04/2022

Os talentos ofuscados pelo racismo

Patrícia Santos, do time de especialistas do programa "Encontro com Fátima Bernardes", da TV Globo, e CEO da EmpregueAfro, fala como o mercado brasileiro trabalha, ou não, com ações antirracistas.

 

Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia

 

Para ajudar no debate sobre inclusão e diversidade, a área Oportunidades na Engenharia, do SEESP, entrevistou Patrícia Santos, CEO e fundadora da EmpregueAfro, a primeira consultoria de RH do País focada em diversidade étnico-racial. Como ela mesmo ressalta, a inclusão na sociedade brasileira só vai acontecer por meio da equidade e das ações que visam reduzir as desigualdades. “Hoje somos 56% da população no Brasil. Precisamos ter essa representatividade em todos os cargos de forma proporcional, principalmente nas 500 maiores empresas do País que hoje têm apenas 4,6% de executivos negros”, aponta.

 

Patricia Santos 2 600Patrícia Santos se define como "vendedora de talentos ofuscados pelo raciscmo". Crédito: Divulgação | EmpregueAfro.

 

Profissional de Recursos Humanos desde julho de 2000, formada em Pedagogia e pós-graduada em Gestão de Pessoas e MBA em Administração, Santos também já atuou como professora, durante seis anos, no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), em São Paulo. Foi TEDSpeaker duas vezes, e, desde 2017, faz parte do time de especialistas do programa “Encontro com Fátima Bernardes”, da TV Globo. É mãe de quatro filhos e se diz “vendedora de talentos ofuscados pelo racismo”.

 

TEDSpeaker
O acrônimo TED vem de Technology, Entertainment and Design.
Ou seja, ele personifica o que há de mais relevante nessas áreas. Na prática, trata-se de um ciclo de palestras e encontros em que nomes de referência em diversos campos do conhecimento são convidados a expor suas ideias.

Para além de ações que se preocupam mais em criar um marketing positivo, diz Santos, o mercado de trabalho precisa atuar em diversas etapas, não apenas criando vagas específicas para as pessoas negras, mas desenvolvendo políticas pós-contratação, com suporte psicológico e mentoria para os profissionais negros, principalmente. O Brasil, observa a CEO da EmpregueAfro, ainda precisa conectar muitas intervenções sociais, políticas e econômicas – isso inclui, como ressalta, envolver todos os atores da sociedade, dos governos ao setor privado, nas dimensões do trabalho, da educação e da cultura.

 

Como você avalia as políticas afirmativas de empresas para a inclusão de profissionais negros, atualmente, no País?
Entendo que ainda falta muito para a gente avançar. Nem todas as grandes empresas têm políticas afirmativas, de fato, focadas em profissionais negros, muitas delas são políticas amplas. Falta muito ainda para resolver a desigualdade em nosso País.

 

Como deve ser, na opinião da EmpregueAfro, um programa realmente que inclua quem está fora do mercado de trabalho, ou que sempre foi alijado da estrutura laboral mais regulamentada?
Acredito que um programa realmente inclusivo leva em conta um planejamento estratégico vindo da alta liderança. A empresa precisa antes de tudo planejar e responder à pergunta como a diversidade agrega valor ao meu negócio. Entender a importância da diversidade. Pensar que a empresa tem responsabilidade social de retratar os grupos representados na sociedade e, no caso, como profissionais negros, por causa do racismo estrutural estamos bem longe de sermos representados em todos os cargos e níveis. Aí sim, a partir desse planejamento, dessas reflexões criar engajamento interno, por meio de ações de treinamento e de compensação, recrutamento e seleção especializados e específicos com reservas de vagas e um programa de acompanhamento pós-contratação que tenha desenvolvimento de pessoas, suporte psicológico e mentoria para os profissionais negros, principalmente.

 

Mesmo com as ações afirmativas, quais os marcadores racistas que ainda criam situações de exclusão no mercado de trabalho do País?
Todos os marcadores sociais têm alguma intersecção com a questão racial. Os marcadores de classe, por exemplo, já que somos a maioria das pessoas pobres no Brasil, representa um fator de exclusão. Os marcadores de gênero, uma vez que nós mulheres negras sofremos o machismo e o racismo no mercado de trabalho.  E essa exclusão só piora quanto mais marcadores de diversidade essa mulher tem. Para as mulheres gordas, lésbicas, de origem periféricas trazendo a intersecção do marcador de classe. As mulheres trans, com deficiência vai aumentando as dificuldades e a exclusão. Religião, porque quem é negro e praticante de religião de matriz africana sofre racismo religioso; de orientação sexual, pois a homofobia é estrutural na sociedade e pessoas negras, gays, lésbicas, transexuais e travestis sofrem duplamente. As questões geracionais também são marcadores sociais que precisam ser considerados.

 

Entender o Brasil é interrelacionar diversas questões (etnia, gênero, classe social etc.), mas vamos focar no elemento racial. Por isso, trazemos um outro dado: de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2020, também do IBGE, dos 10% mais pobres, 21,9% são brancos e 77,0% são negros; já nos 10% mais ricos, a proporção se inverte: 70,6% são brancos e 27,2% são negros. Por ser uma questão estrutural, de formação econômica, política e social da sociedade brasileira, o que precisa ser feito, por parte de todos os atores da sociedade – da área privada à pública – para que essa situação, de fato e de direito, mude?
Precisamos primeiro de políticas públicas de combate ao racismo, com base na conscientização, mais programas de comunicação e conscientização sobre o Dia da Consciência Negra, por exemplo, sobre as leis de combate ao racismo, de política de cotas e de inclusão -  elas fazem de um pacote público de redução das desigualdades entre brancos e negros em nosso País. O engajamento da iniciativa privada também pensando em treinamento, contratação e reserva de vagas específicas e programas de mentoria.

 

Só acredito que essa roda da diversidade e inclusão gire se as empresas investirem nesses três pilares, se a sociedade civil, tanto a esfera pública quanto as ONGs [organizações não governamentais] se organizarem para investir nisso associado à educação.

 

A gente precisa, como sociedade, traçar sempre o paralelo de raça, pensando na saúde. Por exemplo, por que as mulheres negras são as que mais morrem no parto e mais sofrem violência obstétrica? Como fazer para combater isso na saúde?

 

Na educação, por que os jovens negros tiveram a maior taxa de evasão escolar na pandemia? Criar programas e ações para trazer o jovem negro para a escola. E as empresas mapeando e entendo seus gaps, suas dificuldades e indo adiante com o plano de ação. Acredito nessa união que faz a força para de fato isso mudar.

 

Patrícia, o que é apenas marketing positivo sobre a questão da inclusão racial e o que é a vontade de corrigir uma “história” de racismo?
Marketing positivo é de fato a inclusão, a contratação de pessoas negras de forma proporcional. Se eu tenho 10 vagas, seis deveriam ser reservadas para as pessoas negras. Não preciso divulgar isso nas redes sociais nem fazer disso um marketing, mas a própria responsabilidade de reservar essas vagas e contratar essas pessoas vai transmitir para os clientes uma imagem que, sim, a empresa entende a importância de investir em diversidade e inclusão e representa a sociedade brasileira. Isso pode contribuir para a reputação positiva dessa marca e fazer com que o atendimento e a relação como cliente possa melhorar.

 

A vantagem de corrigir uma história de racismo? Não sei se isso existe. A gente fala muito de reparação histórica, a importância das ações afirmativas como reparação histórica. Acredito que temos que reduzir as desigualdades.

 

Existem ações necessárias e importantes de reparação histórica, mas para as empresas, hoje, olhando o quadro de profissionais, por exemplo, quanto você representa dessa sociedade na qual está inserida? Vale muito trazer a reflexão da importância de reduzir as desigualdades do que o contexto histórico que a maioria não entende. É importante entender, mas não vejo essa vontade.

 

Por fim, o que é diversidade e inclusão levando em conta a sociedade brasileira?
Diversidade é reconhecer a importância de pessoas diferentes no ambiente de trabalho. É levar em conta o retrato da sociedade em que estamos e que queremos dentro das nossas empresas. A inclusão faz isso acontecer por meio das contratações.

 

A inclusão se dá quando a empresa pratica aquilo que ela fala em diversidade.

 

A inclusão na sociedade brasileira só vai acontecer por meio da equidade, das ações que visam reduzir as desigualdade e, enfim, registrar e retratar a proporcionalidade que somos. Hoje somos 56% da população no Brasil. Precisamos ter essa representatividade em todos os cargos de forma proporcional, principalmente nas 500 maiores empresas do País que hoje têm apenas 4,6% de executivos negros.

 

É muito triste o que é desigualdade em nosso país. Diversidade e inclusão no Brasil é retratar de fato a sociedade em que vivemos, com 56% de negros; 24% de pessoas com deficiência; 25% LGBTQIA+; 53% de mulheres, enfim é essa força que queremos ver representadas nas empresas.

 

 

 

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