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31/05/2022

A aplicação da engenharia mecânica nas tecnologias emergentes

Desde a biomecatrônica até a nanotecnologia, modalidade passa por notáveis avanços em áreas como a de mecânica de fluidos.

Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia

 

Em 2023, completará 40 anos formado em Engenharia Mecânica, pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e há 21 anos é professor associado no Departamento de Engenharia Mecatrônica da mesma instituição. Oswaldo Horikawa é o nosso entrevistado para celebrar o Dia da Engenharia Mecânica, em 5 de junho.

 

Com cerca de 103 mil engenheiros mecânicos em todo o País, conforme estatística dos conselhos federal e regionais da categoria (Sistema Confea-Creas), a profissão é considerada um dos ramos mais populares da engenharia. A atividade cuida do projeto, da construção, da análise, da operação e da manutenção de sistemas mecânicos.

 

O ofício é bastante abrangente, por isso, há boas oportunidades para o engenheiro mecânico em diversos segmentos da economia, como nas indústrias – de montadoras de automóveis, fábricas têxteis e de eletroeletrônica. Além das oportunidades tradicionais de trabalho, podemos citar também as indústrias petroquímicas, de celulose, de açúcar, de álcool e de gás.

 

Oswaldo 1 600Engenheiro e professor Oswaldo Horikawa destaca a engenharia mecânica na concepção e construção das tecnologias emergentes. Crédito: Acervo pessoal.

 

Horikawa, que, entre 1985 e 1991, fez mestrado e doutorado em Sistemas Mecânicos de Precisão, no Tokyo Institute of Technology (Tokyo, Japão), fala como a modalidade se insere no mundo digital das tecnologias emergentes de informação e como está “nos bastidores” de grandes dispositivos e sistemas tecnológicos, como a inteligência artificial (IA) e a internet das coisas (IoT).

 

Recentemente, o docente concluiu sua participação em dois grandes projetos envolvendo o desenvolvimento de coração artificial, ambos coordenados pelo professor titular José Roberto Cardoso, da Poli-USP, que mobilizou pesquisadores da instituição e diversas outras entidades de pesquisa, entre elas, o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e o Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP.

 

No momento, Horikawa participa de uma iniciativa junto ao Hospital Universitário da USP (HU-USP), onde pesquisadores e alunos da Poli, em parceria com profissionais de saúde do mesmo hospital, desenvolvem tecnologias de assistência à saúde humana. “Estão em desenvolvimento um robô hospitalar que transita de forma autônoma para o transporte de insumos e medicamentos, um armário robotizado que busca automaticamente os medicamentos conforme prescrição médica e um cicloergômetro robotizado para a movimentação de pacientes acamados”, explica.

 

Cicloergômetro
No setor de Terapia Ocupacional, o cicloergômetro ativo é um recurso terapêutico para membros superiores, destinado a favorecer ganho e/ou manutenção da movimentação ativa, força muscular, flexibilidade e coordenação motora. Pode ser utilizado de maneira ativa e/ou ativa-assistida, com um ou com os dois braços.

Por isso, ele ensina que, hoje, os engenheiros mecânicos precisam agregar conhecimentos de eletrônica e principalmente do uso de computador tanto para controle da máquina quanto para realização de cálculos de engenharia. Confira, a seguir, como o professor faz a conjunção mecânica e digital.

 

Como a engenharia mecânica se insere nesse mundo das tecnologias emergentes? Como a profissão se reinventa ou se moderniza nesse cenário?
Difícil, senão impossível, cogitar um futuro da humanidade sem a existência de dispositivos mecânicos e, por conseguinte, sem a Engenharia Mecânica.

 

É fato que, ao longo da história, cada vez mais a eletrônica passou a ocupar o espaço da mecânica, mas há funcionalidades que a eletrônica jamais exercerá. O balanço entre a eletrônica e a mecânica dependerá do dispositivo. No caso de relógios, cuja função é somente a de marcar o tempo, não há a necessidade alguma de partes mecânicas. Mas é fácil compreender que é nonsense [sem sentido] se falar em bicicleta sem a presença da mecânica.

 

No passado, a boa formação de um engenheiro mecânico se restringia ao domínio de conhecimentos relativos a mecanismos, estruturas, termodinâmica, mecânica de fluidos, transmissão de calor entre outros assuntos. Hoje, além desses conhecimentos, esse profissional deve ter conhecimentos de eletrônica e principalmente do uso de computador tanto para controle da máquina quanto para realização de cálculos de engenharia. 

 

Como a engenharia mecânica “transita” em campos emergentes e promissores, como a inteligência artificial, biomecatrônica e nanotecnologia?
A engenharia mecânica passa por avanços notáveis com a evolução dos conhecimentos em áreas emergentes como a inteligência artificial (IA).

 

No dia a dia, é possível constatar este avanço em dispositivos simples como uma máquina de lavar que, por meio de algoritmos de inteligência artificial, controla a quantidade de detergente e a água a ser usada na lavagem das roupas. Trens são controlados por algoritmos que incorporam a IA minimizando o consumo de energia elétrica pelo trem ou assegurando uma frenagem e aceleração extremamente suave.

 

Por outro lado, a engenharia mecânica tem atuação cada vez mais importante com a biomecatrônica, onde bombas hidráulicas acionadas por motor elétrico e controladas por computador atuam como coração artificial no interior do corpo humano.

 

Biomecatrônica
É o ramo de convergência entre a mecatrônica e a biomecânica, sendo que a sua aplicação mais comum é o uso de próteses com movimentos automatizados, como em robôs.

Com a impressão 3D, tecidos vivos já são manufaturados em laboratórios de pesquisa. As chamadas cirurgias denominadas minimamente invasivas, já são realizadas através de robôs que sem a engenharia mecânica não teriam sido desenvolvidos.

 

Sem a engenharia mecânica e um ramo desta chamada de engenharia de precisão, hoje não teríamos os circuitos integrados na forma de microprocessadores e memórias de computador. As tecnologias aqui empregadas deram origem a um ramo de estudo conhecido como micro machines e nanotecnologia. 

 

Você poderia nos relacionar quais são as tecnologias mais recentes em engenharia mecânica?
Além das que citei na pergunta anterior, desde a biomecatrônica, passando por micro machines e a nanotecnologia, a engenharia mecânica passa por notáveis avanços em áreas como a de mecânica de fluidos. O comportamento de líquidos e gases em movimento podem ser reproduzidas por meio de computador com uma precisão cada vez mais elevada.

 

Os aviões podem ser projetados em boa parte em ambiente computacional e somente em estágios avançados de desenvolvimento se fazem estudos com túnel de vento. Da mesma forma, boa parte do dimensionamento de uma embarcação – cargueiros, petroleiros e transatlânticos – pode ser projetada em computador necessitando de poucos testes experimentais. O mesmo ocorre com as tubulações que conduzem o petróleo e o gás das profundezas do oceano até à superfície e são submetidas a mais variada sorte de esforços de correnteza.

 

As pressões crescentes para aumentar a eficiência da produção e minimizar os custos operacionais aumentaram a demanda por tecnologias novas e inovadoras. A automação e a robótica continuam sendo essenciais para ajudar as indústrias de manufatura a acompanhar a demanda do consumidor e maximizar o lucro. Em todo esse cenário tem engenharia mecânica? Como?
A manufatura é essencialmente objeto da engenharia mecânica. Novas tecnologias, principalmente aquelas que envolvem o uso da internet, promovem uma grande modificação na maneira das máquinas operarem, incluindo os robôs.

 

O processo é otimizado, a eficiência cresce e outras vantagens surgem, mas sempre haverá a presença de uma máquina produzindo um bem. Com a notável evolução das técnicas de manufatura aditiva, como a impressão 3D, o aspecto de uma fábrica irá mudar, mas essas impressoras são resultado da engenharia mecânica e o processo em si de manufatura aditiva é objeto de estudo da engenharia mecânica. 

 

Para acompanhar e ser demandado por esse mercado, como o engenheiro mecânico moderno deve entender a profissão e como deve se preparar para além da graduação?
Não somente na engenharia mecânica, o volume de conhecimentos envolvidos nos diversos ramos da indústria são extremamente amplos. Muito mais do que o exigido dos engenheiros em épocas passadas. Assim, o ensino de engenharia mecânica tem procurado se adaptar a esse cenário, com a introdução, por exemplo, de conhecimentos de eletrônica e de uso de computador no currículo tradicional de engenharia mecânica, mesmo que isso implique em reduzir a carda didática de assuntos tradicionais.

 

Mas este esforço por parte das escolas de engenharia tem limites. Não é possível ensinar tudo no tempo limitado. O ensino de engenharia jamais pode se omitir da função de ensinar os assuntos fundamentais de um engenheiro a começar da matemática e da física. Determinados assuntos profissionalizantes inevitavelmente ficarão de fora do currículo.

Em outras épocas, as empresas assumiam a tarefa de complementar esses conhecimentos profissionalizantes de acordo com o seu ramo de atuação. Esta realidade está mudando e as empresas já não aceitam realizar esta tarefa. É cada vez mais forte o questionamento: quem irá cobrir esta formação?

 

Onde tem tecnologia da informação tem engenharia mecânica?
Em basicamente duas frentes. A primeira é na realização de cálculos de engenharia. Conforme citado, cálculos computacionais extremamente complexos e volumosos são realizados para prever, por exemplo, como a água escoa ao redor do casco de um navio, ou como o ar aplica esforços nas pás de uma turbina eólica. São cálculos de dinâmica de fluídos feitos por computador (CFD).

 

Além da área de fluídos, a técnica de elementos finitos é empregada em outros tipos de cálculos, como o de esforços, deformações, propagação de calor, acústica, vibração e vários outros.

 

A informática é empregada numa segunda frente, no controle de máquinas. Um exemplo bem interessante são os caças modernos que simplesmente não conseguem voar sem o computador. A construção da aeronave é tal que um piloto humano não consegue reagir ao comportamento instável do avião. O computador realiza um conjunto complexo e volumoso de cálculos matemáticos em frações de segundo para decidir a quantidade exata que um flap deve ser defletido.

 

Outro exemplo: um navio que recebe petróleo em um poço é mantido parado em alto-mar graças a um computador controlando vários propulsores ao redor de um navio-tanque. O navio se mantém parado mesmo que o mar esteja revolto com correntezas tentando arrastar o navio para fora da posição. A informática ainda é empregada em outras frentes na forma de big data [conjunto de dados extremamente amplos], IoT [na sigla em inglês Internet of Things; em português, Internet das Coisas] e a indústria 4.0.

 

Flap
Os flaps (ou flapes) são dispositivos hipersustentadores que consistem de abas, ou superfícies articuladas, existentes nos bordos de fuga (parte posterior) das asas de um avião, os quais, quando abaixados e/ou estendidos, aumentam a sustentação e o arrasto ou resistência ao avanço de uma asa pela mudança na curvatura.

Ainda vale a pena se formar em engenharia mecânica?
É uma opinião pessoal, mas, com toda certeza, a minha resposta é afirmativa.

 

O engenheiro mecânico é versátil e, quando bem formado, é capaz de assimilar as tecnologias emergentes com rapidez. Os nossos alunos não têm tido dificuldades em encontrar emprego e mesmo que partam para áreas diferentes da mecânica demonstram boa atuação. A visão sistêmica do engenheiro mecânico auxilia na análise de diferentes tipos de problemas e, na mesma medida, na solução.

 

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