Soraya Misleh – Comunicação SEESP
Em palestra no dia 28 de setembro último durante o 50º. Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia (Cobenge), o presidente da organização do evento, professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP, José Roberto Cardoso, abordou tema fundamental: como preparar os alunos de engenharia para serem protagonistas na questão da sustentabilidade.
Realizado pela Associação Brasileira de Educação em Engenharia (Abenge), juntamente com Instituto Mauá de Tecnologia, Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana (FEI), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além da própria Poli-USP, o evento online ocorreu entre 26 e 29 do mesmo mês.
Cardoso participou da plenária “Engenharia para a paz: como a engenharia pode resolver os problemas sociais”, ao lado dos professores Ramiro Jordan (Universidade Novo México) e Roberto de Aguiar Peixoto (Instituto Mauá de Tecnologia), sob coordenação de Gilmar Barreto (Unicamp) e Luiz Paulo Mendonça Brandão (Abenge).
Destacando que Jordan foi o idealizador em 2008 do movimento “Engenharia para a paz”, do qual participa, o professor da Poli-USP pontuou: “Temos escolas de engenharia de qualidade pensando em passar para os alunos a consciência em buscar um mundo melhor, mas há outras que nem se preocupam com isso. Tem alunos que nem sabem o que vêm a ser os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS] .”
Como ensinou ele, dos 17 ODS da Organização das Nações Unidas, 13 têm seu cumprimento vinculado à presença da engenharia. “Todo estudante ou formador [da área] precisa conhecê-los na sua integridade. As escolas devem realizar atividades voltadas à aprendizagem sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O Brasil tem algumas particularidades que podem levá-lo a ser protagonista nessa questão”, destacou.
Entre os exemplos, Cardoso citou a produção sustentável de etanol a partir do Proálcool, em 1974, como saída à crise internacional do petróleo à época: “Se a última gota de gasolina desaparecer no mundo, somos um país que vai andar de carro amanhã. Um terço da nossa matriz é etanol e biodiesel.”
Na sua ótica, o Brasil tem condições de liderar a transição energética necessária em função das mudanças climáticas, mas não tem aproveitado essa oportunidade. Para o professor da Poli-USP, isso requer política adequada, que abrange inclusive o investimento em veículo elétrico, mas em especial leve em conta as vantagens nacionais, como o próprio etanol, além da produção de energias solar, eólica e nuclear.
“A fotovoltaica teve crescimento de 2019 para 2021 de 71%, o que gerou 560 mil empregos”, ilustrou o potencial brasileiro, lembrando que a dificuldade está no armazenamento, ao que são necessárias fortes inversões.
Na eólica, como ressaltou Cardoso, igualmente o País tem participação importante. “Houve crescimento estrondoso, porém sem planejamento, como criação espontânea. Temos um projeto na Poli de produzi-la em navio flutuante. Essa é uma contribuição na matriz energética fundamental.”
Conforme os dados que apresentou, a Usina de Itaipu tem potencial instalado de 15 gigawatts (GW), enquanto a eólica tem 1,5 vez a mais e a fotovoltaica alcançou 19GW.
“A engenharia nacional tem competência, no entanto há problema grave de desemprego por erros políticos que levaram o País a um crescimento tão pequeno, não suficiente para absorver os engenheiros que formamos todos os anos. Falta capacidade de gestão”, vaticinou. E lamentou: “Lobbies atuam e levam governantes a tomar decisões sem amparo algum na ciência.”
Na ótica da sustentabilidade, Cardoso defende um ensino de engenharia que pense na resolução das desigualdades e atento a problemas sociais. “O lítio para fazer baterias, por exemplo, é um minério extraído em condições inadequadas na Bolívia, sem EPIs [equipamentos de proteção individual]. No Congo, inclusive, crianças são utilizadas para a extração. Tudo para fazer o que nos deixa felizes, celular, veículo elétrico.” Na contramão disso, ele propugna a conexão desde o ensino da profissão com o movimento engenharia para a paz, em que se atente para questões como de onde vêm os materiais, em que condições são retirados e qual o impacto disso.
Na mesma direção, lembrou que o Brasil produz alimentos para o mundo, enquanto mais de 30 milhões passam fome aqui e mais de 100 milhões encontram-se em insegurança alimentar. “Deve haver alternativa para isso.”
O professor da Poli-USP chamou à reflexão sobre como desenvolver projetos sob esse olhar. Assim, mencionou algumas inovações tecnológicas como impressão 3D para auxiliar na área da saúde e gêmeos digitais – em que se recria virtualmente um produto e são feitas simulações antes de sua efetiva fabricação – “que podem ajudar a melhorar a situação de muita gente vulnerável, sobretudo na parte de medicina”. Além disso, chamou a atenção para questões que, se bem trabalhadas, podem ter impactos positivos para um mundo melhor, como robótica avançada, Inteligência Artificial e machine learning.