Marcia Castro*
Não, celebridades não furam a fila da lista de espera por um órgão.
O 27 de setembro celebrará o Dia Nacional da Doação de Órgãos. A campanha Setembro Verde promove a conscientização e o estímulo à doação. Esse tema ganhou atenção no mês passado quando o apresentador Fausto Silva, Faustão, entrou na lista de transplante de coração.
Ou por má-fé ou por falta de conhecimento, muita bobagem foi dita. Não, celebridades não furam a fila da lista de espera por um órgão, tampouco compram um órgão. A doação, a fila de espera e o transplante de órgãos são regulados pelo Sistema Nacional de Transplantes, ou seja, são uma das atribuições do SUS.
São mais de 23 mil transplantes por ano, só ficando atrás dos Estados Unidos em número de procedimentos. A diferença, entretanto, é que quase 90% dos transplantes no País são feitos pelo SUS, o que torna o Brasil o país com o maior programa público de transplantes do mundo.
A abrangência do SUS e a sua importância no dia a dia de toda a população são desconhecidas por muitos. Em 2021, a vacinação contra a Covid-19 fez com que uma parcela da população descobrisse o SUS e seu valor. Porém o SUS é muito mais do que vacinação, consultas, exames, internações e transplantes.
Por meio da vigilância sanitária, o SUS fiscaliza a qualidade de alimentos em supermercados, bares, lanchonetes e restaurantes, a qualidade de cosméticos, produtos de limpeza e medicamentos, inspeciona portos, aeroportos e rodoviárias, regula a propaganda e comercialização de cigarros e controla a importação e exportação de algumas mercadorias. Já a vigilância em saúde ambiental monitora a qualidade da água utilizada para consumo humano.
Como parte da atenção primária, o Brasil é referência internacional em bancos de leite humano e tem a maior rede de bancos de leite humano do mundo. Só em 2022, foram 196.758 doadoras e 222.693 receptores de leite humano.
As unidades de saúde disponibilizam nove métodos contraceptivos: anticoncepcional injetável mensal e trimestral, minipílula, pílula combinada, diafragma, pílula anticoncepcional de emergência, dispositivo intrauterino (DIU) e preservativos feminino e masculino.
O atendimento móvel de urgência (Samu) é feito pelo SUS. Portanto, qualquer pessoa que sofre um acidente na rua precisa do SUS. Além disso, quem tem plano de saúde também depende do SUS para a regulamentação, habilitação e fiscalização dos planos e das unidades de saúde privadas.
E o SUS também mantém um canal aberto com a população, por meio do Disque Saúde (número 136), para esclarecer dúvidas e receber denúncias, elogios, solicitações e sugestões.
O SUS faz tudo isso ainda que subfinanciado. Portanto, há gargalos, como as filas para o atendimento especializado e a contínua expansão das arboviroses. Mas há dedicação e resiliência.
Na Amazônia, o SUS se adapta ao contexto local. Como proposto por pesquisadores da Fiocruz-Amazônia, o território é líquido, ou seja, os rios fazem a conexão entre a população e os serviços de saúde. Unidades básicas fluviais são embarcações que atendem populações ribeirinhas ao longo da região. A equipe da unidade (do timoneiro ao médico) fica embarcada de 20 a 22 dias por mês. Dedicação e resiliência.
O SUS é de todos e todos usam o SUS. Sua presença diária na vida da população pode passar despercebida exatamente porque o serviço prestado funciona. O paradoxo do sucesso.
Lembre-se do SUS da próxima vez que for ao mercado, que sair pra jantar, que for viajar ou tomar um copo de água.
Acima de tudo, lute pelo SUS! Você depende dele, ainda que não tenha se dado conta disso.
*Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard. Texto originalmente publicado pela Agência Sindical, em 11/9/2023.