por Dra. Maria Madalena Telesca, Juíza do Trabalho do TRT-RS
O jurista e professor uruguaio Mario Garmendia surpreendeu a assistência em recente seminário na Escola Judicial do TRT-RS ao mencionar as Leyes de Indias, uma compilação da legislação promulgada pelos monarcas espanhóis para regular suas possessões na América, sancionada pelo rei Carlos II em 1680. Esse arcabouço de leis estava distribuído em nove livros, sendo que um deles tratava dos indígenas. Num dos capítulos deste livro já eram fixadas condições de trabalho extremamente avançadas para a época, como jornada de trabalho de 8 horas diárias para o trabalho em minas de subsolo, proibição do trabalho pesado para as gestantes a partir do sexto mês de gestação, proibição de desconto da moradia e alimentação do valor do salário, etc. Desnecessário dizer que estas normas jamais foram cumpridas ou respeitadas.
A América Latina, até hoje, mantém, em parte, a cultura de descumprimento da legislação trabalhista e esse é o desafio que a Justiça do Trabalho enfrenta na quase totalidade dos países do continente. A Justiça do Trabalho se faz presente na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
Para enfrentar o desafio, os países da região contam com estruturas semelhantes. O ingresso na carreira judicial em alguns países como Argentina, Brasil, Paraguai e Venezuela é através do concurso público. Noutros como o Uruguai e o Chile o fazem através das Escolas Judiciais. Na Argentina, no Brasil e no Paraguai, a Justiça do Trabalho é especializada (na Argentina existem diferenças de estrutura nas diversas províncias – na capital é uma Justiça especializada) e noutros como Uruguai, Chile e Peru são Varas especializadas em Direito do Trabalho e Previdenciário e turmas especializadas na segunda instância. Uma organização judiciária trabalhista especializada em todos os graus de jurisdição como a brasileira é única em toda a América Latina. A Justiça do Trabalho brasileira é igualmente pioneira no exame não só dos conflitos decorrentes da relação de trabalho subordinado como das demais relações de trabalho a partir da promulgação da Emenda Constitucional 45/2004 que ampliou a sua competência.
Os direitos trabalhistas são semelhantes em todos os países da região e os juízes enfrentam um grande volume de demandas envolvendo as mais diversas alegações de descumprimento da legislação trabalhista em geral. No entanto, em quase todos os países, se verifica que a terceirização desenfreada, o trabalho informal e os acidentes do trabalho são os fatores geradores de maior conflito.
Finalmente verifica-se uma preocupação geral com a agilidade e a efetividade do processo do trabalho e em consequência a adoção de novas ferramentas como o processo eletrônico.
Os Juízes do Trabalho latino-americanos, além de se dedicarem à solução dos conflitos, não só através de suas sentenças, mas também aproximando-se da sociedade com programas implementados por suas associações, como por exemplo a distribuição de cartilhas que informam os direitos básicos do cidadão, ou ainda atuação junto à comunidade escolar (Brasil e Argentina), sonham com dias mais felizes de uma nova cultura de cumprimento e respeito da legislação trabalhista.
Imprensa – SEESP
* Do Tribunal Regional do Trabalho do RS