O grande número de incêndios em favelas de São Paulo deixa à mostra a situação de vulnerabilidade social de mais de 450 mil paulistanos que moram em favelas e cortiços da capital, de acordo com o PMH (Plano Municipal de Habitação). Só este ano, foram 33 ocorrências de grandes proporções. Especialistas apontam que, para a redução do déficit habitacional, são necessárias ações articuladas aos instrumentos da política urbana.
Na Favela do Moinho, onde houve dois incêndios em menos de nove meses, por exemplo, as soluções adotadas para o atendimento das famílias têm se mostrado insuficientes, na opinião dos moradores. A cozinheira Denize Agnes da Silva, de 33 anos, é uma das pessoas que perderam a casa no incêndio da última segunda-feira (17). “Já passei por isso no ano passado e, para mim, nada mudou desde então. Mesmo quem está recebendo o auxílio-aluguel, não consegue se manter, porque o valor não dá pra pagar nada”, avalia.
Alguns moradores da comunidade, que não quiseram se identificar, disseram que as famílias estão voltando a morar no local. A prefeitura de São Paulo informou que, das 400 famílias removidas no início do ano, 37 retornaram. A operadora de caixa Tatiana Gomes, de 34 anos, mora há sete anos na Favela do Moinho e, embora não tenha sido afetada pelo incêndio, tem receio do local onde vive. “Não é opção morar aqui, é necessidade. No mundo de hoje, só consegue viver bem quem tem dinheiro.”
De acordo com a relatora especial da ONU (Organização das Nações Unidas) para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, não há um modelo único para a política habitacional e devem ser consideradas as diferentes demandas existentes. “Em São Paulo, temos situações como essas das favelas, em que é necessário um processo de urbanização, regularização, integração à cidade, como também é fundamental o aumento de ofertas de novas moradias para evitar a formação de novos assentamentos informais”, propõe.
Raquel Rolnik avalia que diferentes demandas por habitação pedem soluções específicas. É o caso dos cerca de 80 mil paulistanos que moram em cortiços. “Parte da população de São Paulo hoje vive de aluguel em cortiços, normalmente em áreas bem localizadas da cidade, mas pagando somas exorbitantes por uma qualidade bastante sofrível. Isso indica que há claramente uma demanda de um programa de habitação social de aluguel.”
É o que demonstra a história da diarista Maria de Araújo da Silva, de 46 anos, que vive há oito anos em um cortiço no bairro Belém, na zona leste da capital. Em apenas dois cômodos, pelos quais paga R$ 350 por mês, ela mora com a irmã e dois sobrinhos. No prédio, vivem mais 12 famílias. “Estamos com ameaça de despejo. Já estou procurando um lugar para ir. A vida aqui não é fácil, mas é o que a gente tem”, relatou. Ela informou que está cadastrada em programas habitacionais há cerca de onze anos, e ainda aguarda ser contemplada.
Assim como Maria de Araújo, a cozinheira Aparecida Martins Camargo, de 59 anos, aguarda, há pelo menos 19 anos, a chance de ter uma moradia digna. “Ainda tenho esperança. É o jeito que a gente tem para melhorar de vida”, disse. Ela divide os dois cômodos no cortiço do Belém com três netos e um amigo. Aparecida informou que recebeu auxílio-aluguel, entre 2004 e 2009, mas que o benefício acabou mesmo antes de receber a moradia definitiva.
Como meio de diminuir o déficit habitacional em São Paulo, o arquiteto e urbanista do Instituto Pólis, Kazuo Nakano, aposta em mudança da concepção da política habitacional, em que o tema da habitação seja tratado como um serviço e não como oferta de propriedade privada e individualizada por parte do Estado.
“Nosso grande desafio é desmercantilizar parte das terras urbanas das nossas cidades”, aponta Nakano. Ele explica que a maioria das políticas habitacionais esbarra no desafio de ofertar terra urbanizada, integrada à cidade, para construção de empreendimentos habitacionais em larga escala.
O arquiteto João Meyer, professor da Faculdade de Urbanismo e Arquitetura da USP (Universidade de São Paulo), por sua vez, avalia que é preciso interferir na política urbana para promover mudanças na política habitacional. “As pessoas acabam indo para bairros muito longe do centro, o que causa sérios problemas para a cidade. Impacta todo o sistema viário, [além disso tem o problema da] falta de infraestrutura, como escolas, postos de saúde, dentre outros. Enquanto você tem uma ociosidade desses equipamentos nas áreas centrais.”
Meyer acredita que os instrumentos da política urbana podem induzir, por exemplo, a ocupação de áreas ao longo das marginais Tietê e Pinheiros. “Os terrenos nessas áreas estão sendo aproveitadas com adensamento bem mais baixo do que essas áreas permitiriam”, avalia. Ele explica que, por meio de operações urbanas, que permitem a flexibilização de alguns limites de construção, com objetivo de induzir determinada ocupação, é possível habilitar essas áreas para fins de moradia.
Imprensa – SEESP
Informação da Agência Brasil