Com as atenções do mundo voltadas para o setor de óleo e gás do Brasil, a questão do “conteúdo local” traz à tona uma discussão global que ainda vai gerar muita polêmica. A obrigatoriedade de um percentual de até 65% de conteúdo nacional aplicado a esta indústria é um dos assuntos mais discutidos e contestados pelo segmento e chama a atenção dos investidores estrangeiros interessados em adquirir fatias desse mercado.
A recente reivindicação do governo norte-americano para que o Brasil reduza a exigência de conteúdo nacional na exploração de petróleo e gás esquentou ainda mais essa discussão. A insatisfação das empresas dos EUA com as regras do pré-sal se deve ao fato de que eles consideram muito alta a parcela de exigência da legislação brasileira e alegam que isso será uma barreira a sua entrada na exploração da nova fronteira petrolífera brasileira e, por isso, querem ter mais chances de participar do processo com tecnologia e know-how. Um dos argumentos levantados é que as exigências de conteúdo local possam tornar as empresas brasileiras menos competitivas em relação aos concorrentes internacionais, inflacionando o mercado.
Sob outra ótica, esta nova fronteira que se abre para o país não surgiu por acaso, e a discussão acontece num momento extremamente positivo. Atualmente, no limiar de se tornar um ator importante no setor de óleo e gás mundial, o governo não vai abrir mão de um instrumento que poderá impulsionar a cadeia produtiva deste segmento. Nesse contexto, o conteúdo local será uma contribuição da indústria para o país que terá a economia interna fortalecida e que trará inúmeros benefícios para a sociedade. Esse movimento está sendo considerado como elemento estruturante da atual política industrial, já que dará condições para que os produtores consigam se desenvolver, protegendo a indústria local e, consequentemente, os empregos que ela gera.
No âmbito internacional, a posição mais dura do governo brasileiro para proteger a sua indústria foi tomada especialmente depois da crise econômica internacional. Além disso, o país não é o único a adotar iniciativas que privilegiam o aumento do índice de nacionalização visando ao fortalecimento da cadeia produtiva do país e o estímulo do desenvolvimento tecnológico do setor. Nações como Noruega e Inglaterra já usaram o petróleo para fortalecer a indústria local.
Diante de tantas perspectivas positivas, ainda temos um desafio pela frente, que está na aferição dos índices percentuais mínimos que devem ser aplicados em cada fase do ciclo de exploração e desenvolvimento dos respectivos blocos na indústria de petróleo e gás. A certificação de conteúdo local, uma espécie de auditoria dos custos e investimentos nacionais e estrangeiros, é um instrumento que precisa ser seguido à risca nos contratos firmados entre a ANP (Agência Nacional de Petróleo) e as empresas concessionárias vencedoras das rodadas de licitação de blocos de exploração. Vale lembrar que se os valores declarados pelas empresas como investimentos locais não forem certificados até o final da fase de exploração dos campos licitados, as operadoras estarão sujeitas a multas aplicadas pela ANP. Não se trata, no entanto, de algo que possa interferir no objetivo inicial, que é aumentar a participação da indústria nacional formando poderosas cadeias produtivas.
Chegou o momento para uma discussão franca na sociedade brasileira sobre o papel que o Brasil quer ocupar no cenário mundial da indústria de Petróleo e Gás Natural. Ao final, o objetivo de todos os agentes é incentivar a criação de uma indústria nacional competitiva, forte e sustentável.
* Manuel Fernandes é sócio-líder da área de Óleo e Gás da KPMG no Brasil
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