A disponibilidade de terra arável e para pecuária deverá diminuir globalmente nas próximas décadas, ao mesmo tempo em que será preciso aumentar a produção de alimentos para atender ao crescimento da demanda mundial e melhorar a conservação e a sustentabilidade dos recursos não renováveis, que são essenciais para atingir esse objetivo.
Um grupo de pesquisadores de diferentes países, incluindo do Brasil, iniciará uma série de estudos colaborativos com o objetivo de aumentar a compreensão e gerar conhecimento científico para enfrentar esses três desafios concomitantes e inter-relacionados em escala mundial. Nos dias 17 a 19 de dezembro passado, eles se reuniram em São Paulo, na Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), para participar do “Belmont Forum International: Call Scoping Workshop on Food security and land use change”.
Organizado pela Fundação em parceria com o Cena )Centro de Energia Nuclear na Agricultura) da USP (Universidade de São Paulo) e o Belmont Forum, o objetivo do evento foi definir áreas prioritárias de pesquisa, relacionadas à segurança alimentar e mudanças no uso da terra, que poderão integrar a segunda chamada de propostas do Belmont Forum.
O objetivo do fórum, coordenado pelo International Group of Funding Agencies for Global Change Research (IGFA), é tentar influenciar os rumos da colaboração internacional em estudos sobre mudanças globais por meio de chamadas conjuntas de pesquisas.
Como membro do Belmont Forum, a FAPESP foi convidada a formatar uma proposta de chamada de projetos de pesquisa sobre segurança alimentar e mudanças no uso da terra que irá submeter para aprovação da entidade em uma reunião em fevereiro de 2013, na Índia.
Para balizar a proposta, a Fapesp convidou para participar do encontro em São Paulo pesquisadores que integram alguns dos principais projetos internacionais sobre segurança alimentar e mudanças no uso da terra para relatar as ações realizadas nos últimos anos. “O objetivo foi conhecer as ações realizadas por essas iniciativas internacionais para que a proposta que submeteremos ao Belmont Forum não seja repetitiva ou represente uma duplicação de esforços de pesquisa já existentes no mundo”, disse Reynaldo Luiz Victoria, coordenador do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e representante da Fundação no Belmont Forum.
Durante o encontro, cientistas de países signatários do Belmont Forum apresentaram iniciativas e prioridades de pesquisa relacionadas à segurança alimentar e mudanças no uso da terra implementadas em seus respectivos países. Do lado do Brasil, André Nassar, do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), Carlos Joly, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e Gilberto Câmara, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), apresentaram resultados de pesquisas sobre, respectivamente, biocombustíveis, biodiversidade e monitoramento de mudanças no uso da terra.
Câmara falou sobre os desafios para as políticas de uso da terra no Brasil que, segundo ele, representam o maior experimento de mudanças no uso da terra e seus efeitos realizado no mundo nas últimas décadas.
“Desde 1980, foram desmatados 720 mil km² da Amazônia e 400 mil km² do Cerrado. Isso representa uma transição de uso da terra que não aconteceu nessa magnitude, nesse intervalo de tempo e nessa época em nenhum outro país do mundo e é um marco significativo do que acontece hoje no planeta”, avaliou.
Segundo Câmara, parte da transição do uso da terra na Amazônia e no Cerrado para cultivo de soja e pastagem de gado está relacionada ao aumento da demanda interna por alimento. Mas outra parte significativa – principalmente no Cerrado – foi devida ao aumento das exportações de carne e grãos para atender ao crescimento da demanda mundial por alimentos.
Lições do Brasil
Nos anos de 1980, de acordo com Câmara, a mudança de uso da terra no Brasil ocorreu de forma desordenada e sem nenhuma espécie de controle. Mais recentemente, com o amplo acesso às informações sobre desmatamento disponibilizadas na internet por instituições de pesquisa como o Inpe e pressões internacionais e da sociedade brasileira, foi possível implementar uma política de desmatamento da Amazônia que obteve muito êxito ao ser baseada na tríade composta por transparência, governança e instituições de pesquisa com boa reputação.
“Alguns aprendizados que o Brasil teve com a criação de instituições de pesquisa capazes de produzir informações sobre desmatamento – disponibilizadas de forma transparente e acessível na internet, que resultaram em mecanismo de governança que tem funcionado muito bem – podem servir de lição para outros países que também pretendem conseguir implementar uma política de uso da terra ampla. O Brasil precisa liderar o mundo nessa capacidade de ter um sistema de informação de uso da terra”, afirmou.
De acordo com o pesquisador, um dos gargalos no sistema de monitoramento do desmatamento na Amazônia é produzir informação com maior nível de detalhe.
Atualmente, os sensores dos satélites utilizados no Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter) no Inpe têm resolução espacial moderada, de 250 metros, o que impossibilita detectar desmatamentos e mudanças no uso da terra em áreas menores do que 25 hectares. “Precisamos de informação com maior detalhe”, afirmou Câmara.
Mas, segundo ele, as maiores lacunas no sistema de monitoramento de mudanças de uso da terra no Brasil se referem a biomas como o Cerrado, a Caatinga, a Mata Atlântica, o Pampa e o Pantanal, os quais ainda não dispõem de um sistema de informação sobre desmatamento similar ao existente para a Amazônia.
“O Brasil precisa ter em todo o seu território o mesmo nível de informação diária sobre mudanças no uso da terra que possui hoje para a Amazônia. Isso é essencial para um país que tem esse tamanho de área, que quer balancear a produção agrícola e de biocombustíveis com o equilíbrio ambiental”, destacou Câmara.
Imprensa – SEESP
Informação da Agência Fapesp