A queda de juros, a partir da taxa Selic em patamar mais baixo que o de décadas passadas, indica os esforços do governo de “coalizão produtivista”, como denomina André Singer. A equação dessa política econômica é: valorização salário mínimo, transferência de renda, aquecimento do mercado interno, queda do desemprego, redução da taxa de juros e – como se tornou óbvio após a crise mundial de 2008 – o aumento da participação do Estado na economia para estimular seu desenvolvimento, juntamente com o aumento do poder aquisitivo propiciado pelas medidas anteriormente citadas.
Quem se oporia a medidas tão sensatas, também chamadas de “anticíclicas” por prevenirem as crises econômicas? Elas são aparentemente consensuais, desde que em 2008 se constatou que a desorganização das finanças mundiais deixou ao setor público de cada país o encargo de impedir o ciclo de depressão econômica. Quem seria o antagonista então? Pois o antagonista desse modelo é o que o mesmo autor denomina de “coalizão rentista”, que se alimenta de taxas de juros altas para atrair o capital financeiro especulativo internacional, fazendo o dólar cair e barateando as importações, o que afeta a indústria nacional.
A política “produtivista” trata de manter o consumo em alta, com medidas tais como desonerações fiscais, alongamento do crediário, estimulando o consumo da produção local, enquanto o modelo rival resulta em favorecer produtos do exterior. A dita “classe média tradicional” estaria seduzida por esse segundo cenário, em contraste com a nova classe “emergente” que passou a ser incorporada ao mercado formal de trabalho (mais de 10 milhões de novas vagas na última década). O cenário socioeconômico do país tem agora 29 milhões de pessoas emergentes, que ingressaram na Classe C (de 2003 a 2009), sendo que as classes A e B representam 16% da população, a classe C representa 49% e as classes D e E, 35% do total dos brasileiros.
Há um tema vital para as próximas décadas, inclusive para a economia, que “passa batido” nessa análise entre os modelos produtivista e rentista. É a chamada “transição para uma economia de baixo carbono”, necessidade descrita em “Mundo em Transe”, de José Eli da Veiga, professor de Economia da USP. Se é óbvio que a especulação é predatória, o modelo produtivista não é menos predatório no que diz respeito aos cuidados com a sustentabilidade. Fora muitos (geralmente vazios) jargãos de marketing verde, o consumismo capaz de aquecer a economia de imediato tem um custo ambiental também imediato. E um custo futuro para o próprio desenvolvimento econômico, pela exaustão dos meios necessários para a continuidade da produção. A propósito, não foram os ambientalistas que criaram o conceito de sustentabilidade, ele nasceu na ONU, nos anos 70, vendo a Europa com sinais de exaustão desses recursos.
* por Montserrat Martins, colunista do Portal EcoDebate, é psiquiatra
Imprensa – SEESP
Artigo publicado no site EcoDebate