Conversa! Pirófagos, piróforos etc. não existem, não comem nem cospem fogo, é tudo ilusão, sem mistério. A não ser que o ardente artista performático provoque um incêndio, como o que, de fato, ocorreu numa boate anos atrás. O fogo legítimo não deve ser desrespeitado, mesmo o da fantasia, pois originado num foco diminuto, pode trazer destruição, perdas irreparáveis, sofrimento humano. Muitas vezes, condições de saúde e segurança também são desprezadas, quando, por exemplo, carrinhos de supermercado invertidos ou empilhados junto a caixas fechados obstruem perigosamente a saída de pessoas em caso de emergência.
Há milhares de anos, num mundo desértico, a sobrevivência do homem primitivo dependia da posse do fogo, concebido pela magia da natureza. Para esse homem, “o fogo era um animal”, tão perigoso como os tigres dente de sabre, mamutes etc., devendo ser mantido preso e alimentado com galhos secos, protegido das intempéries e, principalmente, das tribos rivais. Novas chamas eram geradas, como filhotes, viviam e morriam ao se apagar. Quem possuísse o fogo, possuía a vida; então, uma vez extinto, obrigou a busca de uma nova chama pelos membros de uma tribo, que afortunadamente encontrou outro grupo, mais evoluído, que “fazia” fogo, como no filme “A Guerra do Fogo” (1981), de Jean-Jacques Annaud.
Já numa das versões da mitologia grega, o fogo representa a inteligência humana, negada aos mortais por Zeus, por vingança. Prometeu, um dos titãs que habitou o mundo antes dos homens, previdente, roubou o fogo para eles que, com esse dom, recobraram sua inteligência, asseguraram sua superioridade sobre os animais, construíram armas e ferramentas, cunharam moedas etc., mas depois foi severamente castigado por Zeus.
Esses três eixos, mesmo o do cotidiano, revelam pontos comuns no estado da arte, em conhecer, aprender, praticar as melhores técnicas sobre o comportamento humano e dos materiais, arquitetura e urbanismo, instalações, sistemas de proteção, engenharia, gerenciamento dos riscos, entre outros aspectos.
Nos Estados Unidos, onde incêndios matam mais pessoas do que todos os desastres naturais juntos, estatísticas oficiais registram em 2005 cerca de 1,6 milhão de ocorrências, mais de 3.500 mortes de civis, cinco vezes esse número de feridos, mais de cem bombeiros mortos em serviço, cujo custo estimado das perdas chega a 10,7 bilhões de dólares. Quem se lembra de alguns dos incêndios que tivemos no Brasil, como o do Gran Circo Norte-Americano (Niterói, RJ, 1961), na Volkswagen de São Bernardo (1970), no Edifício Andraus (São Paulo, 1972) e dois anos depois, no Joelma (São Paulo, 1974), com 185 mortos? A vida tem preço? Assombram até hoje, mesmo depois de 35 anos passados desse último, especialmente por resultados tanto técnicos quanto administrativos aquém do esperado em nosso País.
A segurança contra incêndio no Brasil não foge de um modelo de desenvolvimento mal planejado, muitas vezes relegado a plano secundário, perante a evolução da produção e dos serviços, das sub-habitações etc., diretamente proporcional ao crescimento dos riscos na maioria dos municípios, onde nem sempre há Corpo de Bombeiros.
Mas como o estado da arte é incessante, em face da tendente uniformização das legislações estaduais, do surgimento de cursos de pós-graduação na área e da elaboração de normas técnicas aprimoradas, pesquisadores da USP e oficiais do Corpo de Bombeiros de São Paulo constroem um trabalho desafiador há cerca de dois anos. Já resultou no livro, a diversas mãos profissionais, “A Segurança contra Incêndio no Brasil” (Projeto Editora, 2008), este sim, o próprio engolidor de fogo — de livre acesso no site www.ccb.polmil.sp.gov.br — um dos caminhos abertos à educação, por isso, merece ser lido, divulgado e praticado!
* por Paulo Roberto Lavorini é engenheiro de segurança do trabalho
Imprensa – SEESP
Artigo publicado no jornal Correio Popular, em 2009