A aquisição, tratamento e pesquisa sobre documentos produzidos por sindicatos, organizações sociais, e mesmo de órgãos ligados ao judiciário e aos sistemas de saúde municipal, estadual e federal, permitem a elaboração de um desenho do quadro atual das condições de trabalho da região do Pontal do Paranapanema (SP), ou mesmo de todo o país. Essa afirmação foi tema de evento organizado pelo Centro de Memória, Documentação e Hemeroteca Sindical "Florestan Fernandes" (Cemosi), da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT), câmpus de Presidente Prudente da Unesp (Universidade Estadual Paulista), realizado no dia 4 último.
Segundo o geógrafo Antonio Thomaz Júnior, coordenador do centro, o objetivo do encontro foi aproximar pesquisadores, estudantes, sindicalistas, membros de organizações sociais, trabalhadores em torno da qualidade de vida e condição do trabalho. "Queremos sensibilizar diferentes grupos sobre a necessidade de preservar acervos documentais especializados ou dedicados ao mundo do trabalho, como forma de construir uma história do movimento de trabalhadores, suas reivindicações", explicou o professor da FCT. "E também, por meio de estudos, colaborar com propostas para a melhoria da qualidade de vida da classe trabalhadora."
Saúde precária
Com o tema proposto para o evento "Condições de vida e situação de trabalho no Pontal do Paranapanema: a importância dos acervos documentais para as lutas em defesa dos trabalhadores e dos movimentos sociais", a saúde do trabalhador e a falta de informações confiáveis sobre o número de doenças e acidentes causados por condições do trabalho foram destaque na primeira mesa redonda.
Dela, participaram Ana Lúcia de Mattos Flores, presidente do Sindicato dos trabalhadores no Serviço Público Municipal de Presidente Prudente e Região, Luiz Antonio Queiroz, da CUT (Central Única dos trabalhadores), Maria Aparecida Rodrigues, do Cerest (Centro de Referência da Saúde do Trabalhador) de Presidente Prudente, órgão ligado ao Ministério da Saúde, e Tiago Fonseca, da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), e com coordenação do professor Marcelo Dornelis Carvalhal, do câmpus de Ourinhos.
As péssimas condições do ambiente de trabalho, somados a um aumento de tarefas e diferentes formas de assédio moral, foram apontadas como as principais causas do adoecimento e afastamento de trabalhadores dos setores públicos e privados, de acordo com Ana Lúcia.
Segundo dados da Prudenprev (Sistema de Previdência dos Servidores Públicos Municipais de Presidente Prudente), das 994 perícias médicas para afastamento do trabalhador, a maior causa foi a da classificação de transtornos mentais, com 21%, seguida de problemas na coluna vertebral, com 19% dos casos. "Esses índices nos mostram que a precarização no serviço público, decorrente da falta de servidores ns diversas funções, tem tido um efeito perverso sobre a qualidade de vida do trabalhador", disse a presidente do Sindicato.
E esses números podem ainda ser muito piores, se somados aos da iniciativa privada; contudo, não há uma base de informações seguras, segundo Maria Aparecida. Doenças e acidentes causados pelo trabalho são mascarados no registro ou mesmo não informados, ou registrados no sistema de saúde. Por exemplo, um trabalhador rural contaminado por agrotóxico pode ter procurado o hospital ou posto de saúde fora da época de colheita da cana-de-açúcar, e o seu caso não é classificado como doença ocasionada pelas condições no trabalho.
"O tema da saúde do trabalhador precisa ser divulgado, massificado. Necessita ser uma bandeira dos sindicatos", destacou Queiroz. "Estamos criando uma sociedade de lesionados."
Justiça necessária
Não é só a precarização das condições materiais de trabalho, mas também sua intensificação e quase ininterrupção trazida pelos avanços tecnológicos recentes, como a telefonia celular e internet, são motivos de transtornos dos trabalhadores, segundo o sociólogo Sadi Dal Rosso, da UNB (Universidade Federal de Brasília). Ele apresentou um estudo da OIT (Organização Internacional do Trabalho), publicado em 2008, que mostra que mais de 614 milhões de trabalhadores em todo o mundo trabalham acima das 48 horas semanais, mesmo com as reduções na maioria dos países para as 40 horas por semana.
"Com o avanço da tecnologia, perdemos a percepção de quais são as horas de trabalho e quais são as horas de descanso. Tudo se confunde", descreveu Dal Rosso. "E não me espanta que a maior causa de afastamento seja os distúrbios mentais."
Junto ao sociólogo, participaram da mesa redonda "A Necessária Intervenção no Debate Público em Defesa do Trabalhador no Pontal do Paranapanema", o procurador do Ministério Público do Trabalho da cidade, Cristiano Lourenço Rodrigues, e Clédson Mendes da Silva, da coordenação regional do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra).
Da Silva e o procurador falaram sobre as condições dos trabalhadores rurais que atuam nas empresas sucroalcooleiras da região. As más condições, horário excessivo, baixos salários, são motivos de processos na Justiça do Trabalho contra esses empreendimentos.
"O trabalhador precisa defender seus direitos e sua saúde contra essas formas de exploração", disse o coordenador do movimento social, que também é professor de Geografia na escola pública da cidade de Rosana. Ele se formou no curso Especial de Graduação em Geografia (CEGeo), dado em parceria pela FCT, Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e a Escola Nacional Florestan Fernandes.
Extensão e arquivologia
A luta pelos direitos da classe trabalhadora é histórica, e deve ser contada por meio dos documentos produzidos pelos movimentos sociais, conforme fala do arquivista Antonio José Marques, coordenador do Cedoc\ CUT (Centro de Documentação e Memória Sindical). "A documentação em um arquivo permite que possamos ver o desenvolvimento de questões, como a própria criação do sindicato, ao longo do tempo. E isso permite ao pesquisador ou mesmo ao trabalhador entender a evolução das reivindicações", destacou.
A pró-reitora de Extensão Universitária, Mariângela Spotti Lopes Fujita, e a assessora da vice-reitoria Tania Regina de Luca, debaterem com Marques na mesa redonda "Arquivo Morto ou Documentos Vivos", sobre a importância das pesquisas e criação desses centros de memória nas Universidades, como forma de acesso a essa memória para a comunidade, sobretudo para alunos da Educação Básica.
O arquivo, segundo a pró-reitora, proporciona ao usuário uma comprovação da legitimidade daqueles documentos analisados. "Ele é um conjunto de documentos originais, com sua autenticidade e valores assegurados", salientou.
"Com esse encontro, fortalecemos a crença na relevância de nosso trabalho. O Ensino, a Pesquisa e a Extensão não se desassociam para a criação do Centro de Memória dos movimentos sociais", concluiu Thomas Júnior.
Imprensa – SEESP
Fonte: Imprensa da Unesp