As autoridades brasileiras poderão ter controle efetivo das trocas da água de lastro dos navios, impedindo, conforme legislação, que a operação seja feita a menos de 200 milhas, evitando uma possível disseminação de espécies aquáticas nocivas às espécies nativas brasileiras. Isso será possível graças a um sistema desenvolvido por uma equipe coordenada pelo professor Hernani Luiz Brinati e pelo pesquisador Newton Narciso Pereira, do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Escola Politécnica (Poli) da USP, que permite monitorar, de forma remota e automática, a operação de troca da água de lastro dos navios. As informações, a seguir, são da Agência USP de Notícias.
A água de lastro dá estabilidade às embarcações quando estão navegando sem carga, ela é captada do mar ou do rio e armazenada em tanques de lastro dos navios. Por ser uma operação que envolve riscos e eleva o custo da viagem, muitos comandantes burlam a lei e acabam não fazendo a troca, ou a realiza pouco antes de atracar o navio no porto dentro das 200 milhas. Estima-se que mais de 100 milhões de toneladas de água de lastro sejam lançadas anualmente no litoral brasileiro. O problema é que nesta troca de água pode ocorrer a bioinvasão de espécies exóticas.
O mexilhão dourado (Limnoperna fortunei), espécie originária da Ásia, é um exemplo. Trazido pela água de lastro, infestou o continente sul-americano e se reproduziu livremente por não ter predadores naturais. Por causa dele, as hidrelétricas de Itaipu e Cemig têm que interromper periodicamente suas operações para fazer a limpeza das turbinas infestadas pelo mexilhão. A presença desse organismo também destroi a vegetação aquática, disputa espaço e alimentos com os moluscos nativos, entope canos e dutos de água, de esgoto e de irrigação, e compromete equipamentos dos navios.
Para fazer o monitoramento da água de lastro, o sistema desenvolvido pela Poli usa sensores de qualidade de água, GPS e aparelhos de telemetria. Nos tanques de lastro e nos pianos de válvulas os sensores medem várias propriedades físico-químicas da água, como pH, oxigenação, turbidez, salinidade, temperatura e oxigênio dissolvido. Concomitantemente, o sistema oferece a posição geográfica da embarcação e envia os dados por satélite para uma estação de controle, que pode estar em terra. Tudo de forma automática, sem interferência da tripulação, o que impede a adulteração dos dados. “Trata-se de um sistema inovador porque executa as tarefas de forma unificada e ainda oferece a posição via GPS, algo inédito comercialmente”, explica o professor Brinati.
Por satélite
Para o protótipo do sistema, os pesquisadores usaram um chip que armazena todos os dados e um modem que faz a comunicação com o satélite. As informações coletadas pelos sensores são enviadas via e-mail. Uma interface para a leitura dos dados numéricos converte os dados em informações legíveis na tela do computador. O protótipo já foi testado com sucesso em laboratório. O próximo passo é realizar os testes em situações reais.
A tecnologia gerou um pedido de patente, depositado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Os pesquisadores já apresentaram o projeto detalhado para a Marinha brasileira e tiveram apoio da entidade. “Precisamos da homologação da Marinha do Brasil para, depois, o sistema ser levado como proposta de controle para a Organização Marítima Internacional (IMO), braço da Organização das Nações Unidas (ONU), justifica Pereira. A IMO faz uma reunião anual, quando vários países apresentam propostas de tratamento da água de lastro, e essa seria uma oportunidade para apresentar uma tecnologia brasileira que pode ajudar no combate a um problema ambiental enfrentado por diversos países.
A ideia de criar o sistema foi do engenheiro naval, Geert Prange, também formado na USP. “Em 2008, ele me pediu para avaliar um texto dele em que falava sobre desenvolver um sistema semelhante. Então o professor Hernani e eu apresentamos o projeto para um edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico”, conta Pereira. “Fizemos mapeamento dos sensores, e entramos em contato com um fabricante nos Estados Unidos, que disse ser possível integrar os equipamentos usando tecnologias já no mercado”, conta.
Quando receberam os equipamentos, os pesquisadores viram que não era possível fazer essa integração, e então contataram o professores Marcelo Carreño e Marco Alayo Chávez e sua equipe de pesquisadores como Fábio Colombo e Murilo Zubioli Mielli, do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica, que ficaram responsáveis por desenvolver o sistema de controle e integração desses sensores. “Foi um trabalho multidisciplinar, realizado a várias mãos”, conta Brinati.
Por ser possível customizar os sensores, para que leiam outros tipos de dados, o sistema pode ser utilizado também para outras aplicações, como o monitoramento ambiental de rios. “Ele pode ser instalado em um navio da guarda costeira, por exemplo, fazendo uma medição dinâmica, o que permite saber o ponto onde começa uma descarga de poluente e também como o poluente se dissipa ao longo de um rio, por exemplo”, diz. Além disso, pode ser instalados em navios de apoio offshore que frequentam as plataformas para detectar vazamentos de hidrocarbonetos e outros contaminantes.
Imprensa - SEESP