Nunca como agora ficou tão evidente a necessidade de investimentos em infraestrutura logística. E não só em obras para facilitar o acesso de caminhões aos portos. É preciso também repensar a matriz de transporte brasileira, o que inclui a construção de uma rede de armazenagem para a produção agrícola no interior do País capaz de evitar que caminhões virem silos e as rodovias e vias de acesso aos portos se transformem em pátios de estacionamento.
Sabe-se que há investimentos na rede ferroviária e que, a partir de 2015, com a conclusão das obras do Ferroanel, será possível encurtar distâncias. Por exemplo: a distância ferroviária entre a região de Campinas e o Porto de Santos, que hoje chega a 280 quilômetros, vai cair para 180 quilômetros, pois a concessionária deixará de ser obrigada a usar no trecho que corta São Paulo a mesma linha de trens urbanos, sem limites de horário.
Tanto uma infraestrutura capaz de armazenar supersafras de soja, milho, açúcar e farelo como uma melhor distribuição de linhas férreas que transportem também contêineres e celulose podem tirar milhares de caminhões das rodovias. Mas não é só. Com mais de 9 mil quilômetros de costa, o País pode desenvolver também o seu sistema de cabotagem, estimulando o transporte de cargas entre os portos nacionais. Até porque o Brasil, ao contrário dos países do Hemisfério Norte, tem a vantagem de desfrutar de condições favoráveis de navegação durante todo o ano.
Sem contar que a cabotagem apresenta, em média, um custo 20% mais barato do que o modal rodoviário, além de oferecer mais segurança a determinadas cargas que exigem a presença de escolta, o que encarece o frete. É óbvio que se existissem só vantagens grande parte das cargas já teria mudado para esse modal.
Acontece que há obstáculos que impedem a cabotagem de se tornar competitiva, a começar pela pouca oferta de navios. Um dos maiores entraves é a burocracia aduaneira e portuária que, praticamente, dobra o tempo de entrega da carga. É verdade que a adoção do sistema Porto 24 Horas pela maioria dos complexos portuários do País pode ajudar a minorar o problema, mas, de antemão, já se sabe que a Receita Federal não dispõe de quadro de funcionários suficiente para atender a contento essa determinação. Aliás, o que se tem visto é a Receita diminuir a equipe que costumava atuar durante o dia para atender ao horário noturno. Dá-se o que popularmente é conhecido como “descobrir um santo para cobrir outro”.
Além disso, a cabotagem está sujeita, praticamente, às regras e ao mesmo tratamento dado ao transporte de longo curso. Ora, se a carga é doméstica, foge à luz da razão que tenha de ser submetida a uma fiscalização mais rigorosa ou demorada. Para piorar, há ainda a questão do bunker, o combustível usado pelos navios. Incompreensivelmente, o bunker é mais barato para as embarcações de longo curso do que para os navios de cabotagem, já que aqueles estão isentos de impostos.
Por tudo isso, a cabotagem, historicamente, tem-se mostrado um modal sucateado e pouco atraente. Se houve nos últimos tempos um despertar para a questão da infraestrutura portuária, está na hora de o governo dedicar à cabotagem a atenção que o modal merece.
* por Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC)
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