Empresas do setor de frigoríficos, atividade econômica que está entre as que geram acidentes do trabalho e doenças ocupacionais no Brasil, vêm atuando no Congresso Nacional para alterar o artigo 253 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), diminuindo a proteção à saúde e segurança dos trabalhadores.
Essa é a avaliação do procurador do Trabalho Heiler Natali, gerente nacional do Projeto de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos, do Ministério Público do Trabalho, que participou, no dia 22 último, de audiência pública na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, da Câmara dos Deputados, sobre o projeto de Lei 2.363/11, do deputado federal Silvio Costa (PTB-PE). O PL limita o direito a intervalos durante o trabalho. Natali lamenta que as medidas previstas na, recentemente lançada, Norma Regulamentadora 36 do Ministério do Trabalho e Emprego (que envolve o setor) nem foram implementadas ainda, mas ações que podem reduzir os seus efeitos continuam em curso.
Blog do Sakamoto - Por que esse projeto é danoso aos trabalhadores?
Natali - O artigo 253 da CLT prevê intervalos de 20 minutos a cada 1h40 de trabalho em ambientes frios. A súmula 438 do Tribunal Superior do Trabalho pacificou o entendimento de que essas pausas devem ser asseguradas em todos os ambientes artificialmente frios. O projeto de lei em questão limita o direito desse intervalo a quem trabalha em ambientes abaixo de 4ºC, desconsiderando centenas de milhares de pessoas que trabalham em temperaturas de 10 ou 12ºC. Se essas pausas para recuperação térmica, a saúde essas pessoas será prejudicada.
Prejudicada como?
O frio, e aqui é importante esclarecer que estamos falando de frio em temperaturas já abaixo de 16ºC, conforme estudos publicados, inclusive pela Organização Internacional do Trabalho, provoca alterações capazes de levar à redução da destreza e ao enrijecimento dos músculos. A exposição ao frio é apontada como fator que contribui e agrava a incidência de disturbios osteomusculares. No Brasil, esse fato é reconhecido, inclusive, pelo INSS [Instituto Nacional do Seguro Social]. Isso sem contar doenças respiratórias, transtornos mentais, entre outros problemas. Importante lembrar que o trabalho em frigoríficos expõe os trabalhadores a muitos agentes de risco além do frio, como o ritmo intenso, ruído, umidade, posturas inadequadas, movimentação de cargas. Portanto a sociedade, o setor público e as empresas deveriam ampliar as medidas de proteção à saúde e não atuar em sentido absolutamente contrário.
Isso foi discutido durante a audiência pública na Câmara?
A audiência pública proporcionou a abordagem técnica do tema por parte da Fundacentro [instituição do governo federal que atua em pesquisa sobre a saúde e segurança do trabalhador], do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e de representantes das empresas. Infelizmente, o que se pode perceber, é o menosprezo do autor do projeto em relação à Justiça do Trabalho, que ele propôs extinguir porque ela tem assegurado a interpretação da lei em conformidade com os princípios básicos de proteção à saúde garantidos por nossa Constituição.
A nova nova regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego, que trata das condições de trabalho em frigoríficos, não acabou de ser aprovada? É necessária uma nova mexida na legislação?
A NR 36 foi publicada em 19 de abril e prevê prazos para implementação gradual das medidas. Algumas têm prazo de até 24 meses para a sua implementação. É lamentável que as empresas, que nem instituíram ainda as medidas previstas, já vêm atuando na redução de importantes normas de proteção à saúde dos trabalhadores. Conclui-se, assim, que as empresas do setor não têm a intenção em adequar o meio ambiente de trabalho, limitando-se a focar exclusivamente em aspectos financeiros e não de garantia da vida digna e do trabalho decente – preceitos constitucionais que não podem ser sobrepor ao desejo incessante de lucro. O setor frigorífico no Brasil tem crescido em ritmo de país asiático, nos últimos anos, e em 2013 não será diferente, mesmo com o incremento extraordinário do preço dos insumos ocorrido no ano passado, que prejudicaram o desempenho do setor neste ano. Por essa razão, não há sequer um pretexto de ordem econômica capaz de sustentar moralmente esse projeto.
Qual o tamanho do problema?
Estima-se que, no mínimo, 20% dos empregados em frigoríficos estão acometidos de distúrbios osteomusculares relacionais ao trabalho. Incluindo-se os transtornos mentais, os dados são ainda mais expressivos. Em inspeção realizada pelo Ministério Público do Trabalho no maior estabelecimento do país, com 8 mil empregados, comprovou-se que a cada mês ocorria cerca de mil afastamentos por distúrbios osteomusculares. Estudos apontam que os empregados que trabalham na movimentaçao de cargas para dentro e fora de câmaras frigoríficas com até 4ºC apresentaram temperaturas das mãos superiores às daqueles que trabalham nas salas de corte (que estão expostos a 10º, 12º C), uma vez que não se expõem de forma contínua ao frio, ainda que este seja mais intenso. O MPT chegou às mesmas conclusões nas medições que realizou nas extremidades das mãos de empregados das salas de corte (10 a 12ºC) e de câmaras frigoríficos (abaixo de 4ºC). Dados epidemiológicos extraídos do banco de dados do INSS demonstram que há 426% mais doenças dos tecidos moles (tendinite, tenossinovite, bursite, dentre outros) e 341% a mais de transtornos mentais do que em outros setores.
O que o Ministério Público do Trabalho pretende fazer?
Esperamos sensibilizar os membros do Congresso Nacional quanto à importância da manutenção de medidas de proteção à saúde dos empregados em frigoríficos e continuaremos atuando de forma rigorosa na adequação desse meio ambiente de trabalho. Temos que dar visibilidade ainda maior a qualquer tentativa de prevaricação da saúde dos empregados em frigoríficos.
Fonte: Blog do Sakamoto