As manifestações que marcaram o extravasamento político das redes para as ruas, dessa vez no Brasil, fincaram a bandeira da reforma política ao lado das reivindicações em transporte público, educação e saúde. A nação surpreendeu-se, mas os alertas da inquietação com o modelo de representação piscavam já antes de junho. Por exemplo, na pesquisa Ibope/Instituto Patrícia Galvão, que a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República lançou em 9 de julho.
A pesquisa veio a público no dia 9, mas foi realizada entre 11 e 15 de abril — dois meses antes, portanto, das manifestações. A necessidade de uma reforma política com um modelo mais participativo está claríssima nas respostas de 2002 de brasileiros e brasileiras de todo o país. Nelas, o modelo do (não) compartilhamento de poder nos parlamentos federal, estaduais e municipais foi questionado a partir da perspectiva da participação das mulheres no poder.
Nada menos que oito em cada 10 brasileiros e brasileiras entrevistados expressaram sua convicção de que, uma vez que as mulheres representam mais de 50% da população, elas têm de ter acesso a 50% dos postos dos legislativos. Um resultado tão expressivo demonstra que a paridade não pode mais ser adiada.
Se essa é a vontade da maioria indiscutível, e mais, se os próprios homens assinam embaixo com índices ao redor dos 70% (saiba mais em www.spm.gob.br), há que se implementá-la, mudando o atual modelo, que tem uma predominância inegavelmente masculina na ocupação dos cargos dos executivos e dos legislativos. O que fazer para apressar a mudança, já que leituras desses resultados por experts projetam que, a se deixar as coisas como estão, essa igualdade que o Brasil inteiro clama só será realidade no longínquo ano de 2163?
A resposta pode estar na própria cultura político-partidária, e, numa perspectiva mais ampla, nas bases patriarcais de nossa sociedade. Começa com a injusta divisão sexual do trabalho (tema, aliás, de evento internacional no Brasil em agosto, do qual a Secretaria de Políticas para as Mulheres — SPM — participará, a Conferência da Associação Internacional de Pesquisa em Uso do Tempo).
É sabido que a atividade político-partidária e de representação exige dedicação integral. Mas o sistema patriarcal estipulou que à brasileira cabe mais do que o dobro do tempo assumido pelo homem nas tarefas domésticas — por semana, 27,7 horas para as mulheres, contra 11,2 horas para os homens (Pnad 2011). Como, então, elas poderão exercer o papel que um eleitorado lhes delegue se está escrito em pedra que é responsabilidade quase exclusivamente sua cuidar das crianças? E das pessoas idosas? E da organização das tarefas com trabalhadores/as domésticos/as? E de todo o suporte ao bem-estar da família?
Essa barreira começa antes do parlamento: a máquina partidária tem como equipamento original uma espécie de filtro antimulher. Tanto que o Brasil ocupa o 121º lugar dentre 189 países no que tange ao empoderamento delas. Isso, não obstante os movimentos de mulheres e feministas terem conquistado marcos desde 1934, ano da instalação do seu direito ao voto.
Assim, avanços foram sendo conquistados com muita luta, como os 20% de candidaturas femininas, na Lei de Cotas de 1996; a destinação às candidatas de 5% (cinco por cento!) do Fundo Partidário; de ao menos 10% do tempo de propaganda partidária; da proporção mínima 30%-70% das candidaturas para cada sexo — tudo isso fruto da minirreforma de 2009.
Mas, mesmo mínimo, ainda assim esse patamar reflete a discriminação de gênero. Os partidos na prática não o implementam. A despeito da atuação firme do Tribunal Superior Eleitorial (TSE), e de termos uma presidente e mais de 25% da Esplanada sob a liderança de ministras, continuamos com representação estagnada nos parlamentos nacional, estaduais e municipais.
É por isso que a força da voz das ruas precisa ser considerada com atenção. A presidente lembrou que, da porta da rua para dentro da casa, a vida melhorou, e que isso compõe também a base das atuais reivindicações por mais direitos — que agora vão da porta da rua para fora da casa.
É com essa sensibilidade que a SPM vem se empenhando, ao lado de outros órgãos do governo e com as parlamentares, em defender e articular incessantemente a ocupação, pelas mulheres, de um espaço essencial: o espaço dos partidos. Para, com a sociedade, essa campanha chegar com força ao Congresso Nacional. Afinal, se há algo estruturante para a renovação e o vigor da democracia brasileira, e que ainda falta conquistar, esse algo é a democracia de gênero nas eleições.
* por Eleonora Menicucci, ministra de Estado chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres - Presidência da República. Artigo publicado originalmente no jornal Correio Braziliense