No final dos anos 1970, a televisão, a publicidade e propaganda, além de outras manifestações culturais tipicamente urbanas, ganharam destaque na agenda da pesquisa paulista.
O legado desses estudos foi uma importante bibliografia nas áreas de Sociologia, Comunicação, Semiologia, entre outras, que contribuíram para a reflexão sobre o país que emergiria dos anos de ditadura. Parte dessa bibliografia foi examinada no terceiro encontro do Ciclo de Conferências “50 anos das Ciências da Comunicação no Brasil: a contribuição de São Paulo”, no dia 23 de agosto, na Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp).
Um dos precursores dessas pesquisas foi Sérgio Miceli. Em A Noite da Madrinha, trabalho de mestrado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas (FFLCH) da USP, publicada pela editora Perspectiva em 1972, Miceli realizou um dos primeiros estudos sobre programa de auditório veiculado pela TV, O Programa da Hebe, então na TV Record, líder absoluto de audiência na última metade da década de 1960.
Num cenário com sofá, a apresentadora Hebe Camargo – “sempre flexionando significantes no diminutivo” – recebia convidados com a intimidade de quem está em sua própria sala de visitas. “Hebe recompunha, na esfera do lazer, a figura de uma madrinha que distribuía sorrisos e presentes”, afirmou Antonio Adami, do Departamento de Midiologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O intuito de Miceli era “conhecer os objetivos da mensagem televisionada”. E Hebe, falando principalmente para a classe média, passava a mensagem de “um Brasil ótimo”. “O livro tornou-se uma referência até porque foi pioneiro na sociologia da Comunicação”, concluiu Adami.
A TV também foi o tema do livro Signagem da televisão, de Décio Pignatari (Editora Brasiliense, 1984). A obra reúne uma série de textos publicados pelo autor em sua coluna semanal no Jornal da Tarde, entre 1978 e 1980, e na Folha de S. Paulo, sendo alguns inéditos.
O título instigante remete ao estabelecimento da relação entre signo, significação e linguagem. “Mas desde logo ele explica que tratará signagem como sinônimo de linguagem, apontando um novo caminho para a análise do meio, a partir dos olhos da semiótica”, comentou Ana Silvia Médola, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Bauru. “Pignatari já via o potencial da TV na sociedade de massas”, afirmou.
Impacto da TV
Lançado na mesma época, mais precisamente em 1985, o livro Muito além do Jardim Botânico, de Carlos Eduardo Lins e Silva, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), analisa o impacto do Jornal Nacional, da TV Globo, em duas comunidades de trabalhadores, uma no Guarujá, em São Paulo, outra em Natal, no Rio Grande do Norte, em pesquisa realizada entre 1980 e 1983. “Era o período de abertura, a Rede Globo era hegemônica, tinha monopólio de audiência e já estava presente no mercado externo”, contextualizou Tyciane Cronenberg Vaz, da TV Câmara de Guarulhos.
Lins e Silva utilizou a metodologia pesquisa-ação, que confere papel ativo tanto ao entrevistado como ao entrevistador e lhe possibilitou discutir com as duas comunidades desde os critérios de edição do Jornal Nacional até comparar os seus conteúdos com matérias sobre os mesmos temas publicadas em jornais.
Os resultados da pesquisa – tema de sua tese de doutorado na USP – “confirmaram suas hipóteses”, como Cronenberg Vaz diz, de que outras fontes – sindicatos, igreja etc. – interferem na relação do espectador com as notícias veiculadas; que o grau de conhecimento do espectador sobre o assunto está diretamente relacionado ao senso crítico e que, apesar de ser baixo o nível de informação que em geral eles têm sobre o veículo, a “credibilidade do Jornal Nacional não é absoluta”, conforme ela sublinhou.
O impacto da chegada da TV à cidade de Ibitinga, no Estado de São Paulo, foi tema do mestrado de Luis Milanesi na Escola de Comunicação e Arte (ECA), da USP, publicado pela Paz e Terra em 1978 sob o título Paraíso via Embratel.
Utilizando metodologia de observação participante, Milanesi “viveu” na cidade por um período de seis anos, entre 1969 e 1975, acompanhando de perto “as mudanças trazidas pela indústria capitalista, via televisão”, descreveu Mauro Ventura, da Unesp de Bauru.
A expansão do mercado de publicidade e propaganda no país foi examinada por Roseméri Laurindo, da Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb), que analisou o livro A Embalagem do Sistema, da socióloga Maria Arminda do Nascimento Arruda, atual Pró-Reitora de Cultura e Extensão Universitária da USP. “Tese de mestrado da autora, o livro é uma excelente fonte para comparar o presente e o passado da publicidade no Brasil”, afirmou Roseméri.
Ana Claudia Mei Alves de Oliveira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), analisou o livro Olhar Periférico, de Lucrécia Ferrara, um estudo semiótico sobre a periferia de São Paulo. “Ela era uma semioticista que trabalhava com história, com as transformações do ambiente urbano. Ia semanalmente a São Miguel Paulista. Suas ferramentas de pesquisa eram o verbo e a fotografia que flagrava o momento presente”, disse Oliveira.
Roberto Elisio Santos, da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (UMSC), tratou de O que é indústria Cultural, de Teixeira Coelho, publicado na Coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense em 1980. “Ele utilizou os conceitos de Humberto Eco, apocalípticos e integrados, para distinguir alienação e democratização da cultura”, afirmou Santos. “Ele rejeitou a visão apocalíptica dos que condenam a indústria cultural com a intenção de ‘combater o prazer’.”
A indústria cultural, ou mais precisamente seu impacto sobre uma manifestação cultural típica do Brasil rural – a música caipira – foi o tema de Cristina Schmidt, da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), que analisou o livro O Acorde na aurora, de Wladenyr Caldas.
No terceiro encontro de Ciclo de Conferências, coordenado por Sonia Jaconi, da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Alfredo de Almeida, da Universidade do Povo, avaliou o livro Cineastas e imagens do povo, de Jean Claude Bernadet, e Diego Franco, da Umesp, falou sobre a obra de Peñuela Canizal sobre Pedro Almodovar.
No mesmo encontro, Dimas Kunsch, da Faculdade Cásper Líbero, comentou Notícias, um produto à venda, de Cremilda Medina; Fatima Feliciano, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), falou sobre Imprensa e Liberdade, de José Freitas Nobre; Eduardo Moretin, da USP, tratou de Sétima arte, um culto moderno, de Ismail Xavier; Ana Maria Fadul, da USP, analisou o livro Estrela Breve: Lupe Cotrim, de Leila Gouvêa; e Carla Longhi, da Unip, apresentou os principais pontos de Síntese de História da Cultura Brasileira, de Nelson Werneck Sodré.
Os encontros do Ciclo de Conferências "50 anos das Ciências da Comunicação no Brasil: a contribuição de São Paulo" ocorrem às sextas-feiras, até o próximo dia 4 de outubro. Para mais informações sobre os próximos encontros acesse aqui.
Fonte: Agência Fapesp