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07/11/2013

Internet para ricos e para pobres?

Reproduzimos, a seguir, trechos de relato da discussão sobre o Marco Civil da Internet, publicado no blog Circuito de Luca: Ao menos para os que torcem pela rápida aprovação do Marco Civil, as cinco horas e meia de debate na Comissão Geral da Câmara dos Deputados, no dia 6 último, serviram para deixar o cenário um pouco menos nebuloso. Ao exporem suas divergências e concordâncias com o texto do relator, cada um dos convidados relevou claramente os interesses que defende – resta saber agora, que manobras usarão para fazer valerem seus pontos de vista.

As discussões mais acaloradas foram protagonizadas pelo líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha, em dois momentos distintos: ao ser citado pelo representante do coletivo Intervozes, Pedro Ekman e ao divergir com o relator, deputado Alessandro Molon (PT/RJ) sobre a venda de pacotes de internet com velocidades diferentes.
 

Foto: André Oliveira/Câmara dos Deputados
Marcocivilinternet6NOV2013dentroDiscussão na Câmara sobre o Marco Civil da Internet
 

Por ter solicitado o debate na Comissão Geral, Eduardo Cunha foi o primeiro deputado a falar. Classificou a versão final do texto do Marco Civil, apresentada pelo relator, como um bom exemplo do “intervencionismo do Estado Brasileiro na infraestrutura”. E que, por isso, vai acabar afastando investidores do país. “Não podemos é passar uma imagem para o mercado externo de que no Brasil o investimento de infraestrutura estrangeiro não terá retorno. Isso num momento em que pretendemos trazer investimento para petróleo, aeroporto, ferrovia”, alertou.

Na opinião do líder do PMDB, ao impedir a venda de pacotes com serviços diferenciados de Internet, por volume e por velocidade, e forçar a venda de internet ilimitada, o Marco Civil acabará prejudicando o consumidor brasileiro, porque provocará aumento dos valores pagos pelo provimento de conexão, já que forçará as operadoras a terem que investir em uma infraestrutura capaz de suportar carga máxima. Portanto, “ao exigir que um mesmo serviço seja oferecido a todos os usuários, a internet será comunizada no pico e quem vai pagar a conta é o usuário”.

“Dizer que todos terão o mesmo direito é discurso bonito, mas falacioso. É como se disséssemos que todos terão energia elétrica igual, mesmo que use cinco aparelhos de ar condicionado ou uma lâmpada. Não só o preço pago por quem usa uma lâmpada será injusto, como essa pessoa será estimulada a usar também aparelhos de ar condicionado. Se eu tenho de oferecer infraestrutura igual para todo mundo, eu tenho de oferecer uma estrutura maior”, exemplificou Eduardo Campos, seguindo a lógica que de o serviço de banda larga deveria ser cobrado como os de fornecimento de água, luz e até de telefonia _ quem usa mais paga mais.

“O PMDB é a favor da neutralidade no conteúdo, ou seja, não ter preferência no acesso de conteúdo. Agora, obrigar todo mundo a oferecer o mesmo serviço não tem amparo na realidade. Na energia elétrica, telefonia, todo mundo tem acesso a um serviço diferenciado com preço diferenciado”, disse o deputado.

Foi apoiado por Eduardo Levy, executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil). Levy garante que, como proposto o Marco Civil vai aumentar os custos ao consumidor. E impedir que os usuários com menos recursos tenham acesso à larga, já que os valores gastos pelo serviço deverão aumentar muito. “Ofertamos hoje a possibilidade de inclusão com ofertas de menos de R$ 1 por dia, sendo que a qualidade já é garantida com padrões mínimos estabelecidos pela Anatel. Isso acabará com o projeto da forma como está hoje”, alertou.

Ambos foram contestados por outros deputados, por convidados da sociedade civil e pelo próprio relator.

Velocidades diferentes
Segundo o deputado Paulo Henrique Lustosa (PP-CE) e o relator do Marco Civil, deputado Alessandro Molon, o texto atual não impede a contratação de pacotes com velocidades diferentes. “Mas não tem nenhum artigo do substitutivo que diga que possa haver velocidade diferenciada. Do jeito que está o projeto, proíbe sim”, rebateu Eduardo Alves. “Se não tem nada, nenhuma referência proibindo, então não é necessário ter nenhuma referência liberando, porque todo legislador sabe que o que não está proibido, está automaticamente liberado”, disse Molon.

Segundo o relator, “o que o marco civil proíbe é que, dentro do 1 mega ou dos 10 mega que eu pago, o provedor diga como vou usá-los”. “É preconceito contra os pobres estabelecer que eles só vão poder receber ou enviar e-mail, por exemplo”, provocou.

Princípio de neutralidade
Vários deputados e convidados manifestaram-se favoráveis também ao princípio de neutralidade colocado no texto, com raras exceções.

“Enquanto no mundo inteiro tenta-se mudar o jeito que a internet funciona, o marco civil garante que a internet continue como é. Ao tentarem quebrar a neutralidade eles [representantes das operadoras] querem criar uma internet para ricos e outra para pobres. Não pode existir uma internet para ricos e uma internet para pobres”, disse Sergio Amadeu, conselheiro do Comitê Gestor da Internet. Para isso, segundo ele, é preciso manter o princípio da neutralidade de rede no texto.

“Aceitar a quebra da neutralidade é violar princípios de isonomia e de não discriminação previstos na Constituição e na Lei Geral de Telecomunicações”, disse advogada Flávia Lefevre, que é integrante do Conselho Consultivo da Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor.

Usando a mesma analogia do serviço de energia elétrica, Pedro Ekman, do Intervozes, explicou que a neutralidade trata tão somente de garantir que o provedor de serviço não possa definir que tipo de aparelho o consumidor vai conectar à rede, se apenas uma lâmpada ou um ar condicionado. Em outras palavras, quem controla a infraestrutura de internet, tem que ser neutro em relação ao conteúdo. “Não pode fazer negócios comerciais com conteúdos e decidir qual conteúdo tem prioridade e qual não tem. Se puderem fazer isso, o consumidor vai ficar à mercê da decisão comercial dessas empresas com outras”, disse.

Demi Getschko, presidente do NIC.br e conselheiro do Comitê Gestor da Internet foi ainda mais didático: “O Marco Civil é um projeto que não tenta consertar nada na Internet, mas que tenta prevenir futuras doenças. É uma vacina contra coisas que não estão sendo feitas de mal, mas que podem ser feitas. Não vai impedir nada do que está sendo feito hoje, porque não há nada errado no que está sendo feito hoje”, referindo-se ao modelo de negócio dos provedores de conexão.

“Se você é mensalista de um estacionamento, você paga pela vaga independente se você está usando uma hora por dia, duas horas ou trinta horas. Mas se você estiver usando a zona azul, aí você terá uma tarifação cronometrada, por taxímetro, tempo. São modelos de negócio diferentes, de origens diferentes, mas que têm que ser neutros entre is. Assim como a banda larga fixa e a banda larga móvel. Telefonia celular tem taxímetro. Internet fixa não tem taxímetro, tem banda. São conceitos que convivem perfeitamente bem”, explica Demi. “Mas ao deixar que um deles polua o outro, entramos nessa zona de espectros, de fantasmas, que não nos leva a lugar nenhum”, a não ser continuarmos a discutir isso indefinidamente”.

Portanto, na opinião de Demi, “neutralidade não tem nada de oculto, nada de anormal. “Deveríamos ser todos a favor dela”, conclui.

Na opinião de vários deputados e convidados para o debate da Comissão Geral, o princípio de neutralidade de rede deve ser o que provocará mais debates entre os deputados, até à votação, na semana que vem. E o que deve motivar maior número de manobras e emendas.

Eduardo Cunha já avisou que o PMDB vai apresentar em Plenário destaque para que seja votado o projeto original, e não o substitutivo. E que que o PMDB já apresentou emendas e pretende levar o tema à discussão no Plenário. “O PMDB tem a sua posição, e ela será expressa em Plenário. Se vamos ganhar ou perder, é um detalhe do processo”.

Último a falar durante o debate, Molon fez um apelo aos deputados que votem o substitutivo, aprovando a neutralidade, já que nas suas contas, durante a comissão geral, 18 dos 28 convidados manifestaram apoio integral à proposta; 7 tiveram objeções pontuais; e 3 foram contrários à neutralidade da rede tal qual está no relatório. E discutam apenas as divergências pontuais.

“Nossa principal tarefa, na votação do projeto na semana que vem, será separar assunto por assunto”, afirmou Molon. “Não vamos confundir discussões específicas com a discussão sobre os pontos principais da proposta – e o ponto principal é a neutralidade”, completou. Ele disse que conta inclusive com os votos da oposição para aprovar este ponto.

Molon salientou que, além da neutralidade de rede, os outros pilares do marco civil da internet são a liberdade da expressão e a garantia da privacidade do usuário.

Remoção de conteúdo
A grande surpresa do debate foi o posicionamento da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) em relação ao tratamento dado pelo texto final à questão da infração aos direitos autorais e direitos conexos na internet. “O projeto é oportuno e definidor”, disse Luis Roberto Antonik, representando a entidade.

De acordo com o texto do substitutivo, os provedores serão obrigados a remover conteúdo apenas por ordem judicial e só serão responsabilizados se não cumprirem essa ordem judicial. Porém, o texto ressalva que esse dispositivo não será aplicado a infrações a direitos autorais e direitos conexos. Nesses casos, valerá o que ficar decidido na reforma da Lei de Direitos Autorais, ainda em fase formulação pelo Poder Executivo. Por enquanto, continua valendo a legislação atual, que é anterior ao surgimento da internet. Pela jurisprudência da Justiça, basta uma notificação extrajudicial para que o conteúdo seja retirado pelo provedor.

A advogada de Direitos Autorais representante do Fórum do Livro e da Literatura, Mariana Boffino, também defendeu que a infração aos direitos autorais na internet seja tratada em legislação específica. Posição contrária à defendida pelos representantes da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), Paulo Rosa, e do diretor-geral da Motion Picture Association – América Latina, Ricardo Castanheira.

Próximos passos
Uma nova reunião para discutir o Marco Civil foi marcada para segunda-feira (11/11). A intenção do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, é votar a matéria no Plenário da Câmara na próxima semana. O projeto tramita em regime de urgência constitucional e tranca a pauta da casa.

 

Fonte: Blog Circuito de Luca





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