Há 225 anos, D. Bernardo José Maria de Lorena e Silveira (1756-1818), capitão-general e governador de São Paulo à época colonial, tomou uma atitude que seria fundamental para abrir literalmente o caminho para o desenvolvimento da capitania. Determinou que toda carga produzida na capitania primeiro teria de passar pelo Porto de Santos, medida que na historiografia passaria a ser conhecida impropriamente como “lei do porto único”.
Ainda que não fosse lei porque não havia sido baixada pela rainha D. Maria I, mas apenas uma determinação do governador, a medida permitiu que o Porto de Santos passasse a receber mais navios e a fazer o comércio diretamente com Portugal. Mais: a partir daí, as embarcações passaram a vir a Santos porque seus armadores sabiam que não retornariam mais vazias ou com meia carga. Em pouco tempo, Santos passou a despachar 12 navios por ano.
Obviamente, isso causou descontentamento entre os grupos prejudicados: intermediários do Rio de Janeiro que atravessavam os negócios dos paulistas, produtores que costumavam escoar a produção por outros portos da capitania, como Ubatuba, São Sebastião, Cananeia e Paranaguá, e até o vice-rei, que viu a arrecadação da Alfândega fluminense cair. Em compensação, as rendas da Alfândega santista aumentaram sobremaneira porque antes os produtos tinham de passar pelo Rio de Janeiro e lá é que pagavam as taxas.
Ao mesmo tempo, o governador tratou de melhorar os caminhos da Serra de Cubatão em direção a Santos, mandando construir a primeira via pavimentada da América, a hoje chamada Calçada do Lorena, da qual só restam ruínas, além de concluir um aterrado que permitiu a passagem com mais desenvoltura das cargas que vinham em lombo de muares e até em carroças. Naturalmente, alguns grupos enriqueceram com a medida que se transformou numa espécie de “monopólio”, mas, afinal de contas, a produção paulista, especialmente a de açúcar, que vinha de Itu, Mogi Guaçu, Sorocaba e Jundiaí, começou a crescer de maneira vertiginosa.
A que vêm estas digressões históricas? Elas vem a propósito de dizer que governar é estabelecer prioridades, tal como fez Lorena. É o caso hoje das dificuldades para escoar a produção de grãos do Centro-Oeste. O governo federal precisa urgentemente criar um corredor alternativo de exportação que desafogue os portos de Santos e Paranaguá. E a opção mais viável é melhorar os caminhos até Santarém, no Pará, asfaltando a BR-163, que ainda é de terra batida na maior parte de sua extensão.
Embora fique distante da costa, o Porto de Santarém está localizado à margem do Rio Tapajós e, a partir dali, os navios podem sair carregados seguindo pelo Rio Amazonas até o Oceano Atlântico. Essa viagem economiza 800 quilômetros de estrada em relação a Santos. É tão compensadora que de janeiro a outubro Santarém recebeu 3,1 milhões de toneladas de grãos, o que equivale a um crescimento de 57% em relação ao mesmo período de 2012, apesar dos percalços da viagem.
É claro que não basta asfaltar a BR-163 porque outros investimentos são necessários como construir hidrovias e desassorear rios. Seja como for, o País precisa criar alternativas para escoar a sua produção agrícola. Só que não pode fazer tudo de uma vez. É preciso estabelecer prioridades. Lorena, que governou a capitania de São Paulo de 1788 a 1797, sabia muito bem disso. O seu exemplo merece ser lembrado.
* por Milton Lourenço, presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC)