As centrais sindicais, que têm dado um firme apoio aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, preparam-se, junto com ela, para registrar a conta dos 50 anos do golpe militar de 1° de abril de 1964.
Quero fazer duas observações pertinentes.
Todos sabemos o caráter ferozmente antissindical e antitrabalhista do golpe. As ações repressivas eram cobertas por uma ideologia demagógica que criminalizava a ação sindical dos trabalhadores.
A ditadura militar violou a democracia de modo persistente e as agressões aos sindicatos, aos ativistas, aos trabalhadores foram praticadas em um crescendo macabro.
Mas a ditadura, com seu terrorismo, não pôde com a estrutura sindical brasileira que atravessou incólume os anos tenebrosos e até mesmo se reforçou entre os trabalhadores rurais.
A grande renovação sindical que aconteceu com a crise da ditadura nos fins dos anos 70 e desempenhou um papel estratégico na luta de todo o povo pela democratização ocorreu por dentro dos sindicatos e da estrutura sindical, mesmo que grande parte dos renovadores não quisesse compreender ou aceitar isso ou considerasse o fato um mero pormenor irrelevante.
Em outra frente social de luta pela democracia algo semelhante também se passou. Refiro-me ao sistema eleitoral e ao voto dos brasileiros.
Assim como odiava os sindicatos (mas não pôde destruí-los), a ditadura temia e abominava as eleições. Elas foram suspensas, limitadas, eliminadas em alguns casos e para alguns cargos e, quando necessário, transformadas em eleições indiretas com cartas marcadas. Mesmo com todas essas pressões antivoto, a ditadura não pôde eliminar as eleições diretas para vereadores, maioria esmagadora dos prefeitos, deputados e senadores e nem deixou de institucionalizar o processo eleitoral, a partir do Código de 1965: de 1966 a 1982 o porcentual do eleitorado sobre os brasileiros adultos passou de 53% para 79% (hoje é 95%) e o dos votantes de 41% para 65% (hoje é 78%).
Para votar, quando e onde pudesse, o povo se alistava e cumpria, como obrigação e direito, o rito democrático.
O sindicalismo e as eleições (inclusive a Justiça Eleitoral) conseguiram “passar” pela ditadura e, afinal, ajudaram em sua derrota.
* por João Guilherme Vargas Netto, membro do corpo técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e consultor sindical de diversas entidades de trabalhadores