Enquanto os grandes meios de comunicação não iniciam uma revisão de seus partidos editoriais e não fazem o que O Globo fez, uma autocrítica de seu apoio ao golpe de 1964 e a reafirmação do compromisso constitucional democrático, sugiro que valorizemos o editorial da Folha de S. Paulo, do último domingo, 23 de fevereiro, intitulado “Bem-estar, mal-estar”.
O editorial desarma o clima de fim do mundo das edições e questiona implicitamente o próprio partido adotado pelo jornal.
Embora comece, no olho, com o rabo balançando o cachorro, ou seja, com uma inversão da ordem de causalidade (“os dados não parecem refletir o acúmulo das tensões sociais e econômicas no Brasil”), o editorial se refaz quando afirma que “talvez os indicadores de mal-estar venham apenas de setores localizados, e se constituam em fatos de voo curto”.
É uma grande lição para toda a mídia (e deve doer naqueles que exercitam o “jogo do fim do mundo” nas pautas e o monótono estilo adversativo nas manchetes), mas é também uma lição para o próprio movimento sindical.
Ele tem sido tensionado por uma contradição que o atravessa verticalmente: na base dos trabalhadores, sindicalizados ou não, há a percepção do desemprego em baixa e da alta dos ganhos reais de salário, fatos que dispensam elucubrações, mesmo que aqui ou ali, excepcionalmente, apareçam situações negativas e preocupantes (como as consequências da desindustrialização, por exemplo).
Mas na cúpula e nas direções intermediárias persiste um mal-estar com a percepção do bloqueio e do congelamento da pauta trabalhista pelos poderes brasilienses, seja o Executivo, seja o Legislativo. Com isto confirma-se o editorial e o mal-estar aparece em “setores localizados” e tem “voo curto”. O movimento se embaraça.
Para enfrentar e resolver a contradição é preciso que, com ênfase e seriedade, retome-se uma dinâmica acolhedora para a nossa pauta, capaz de garantir avanços em alguns dos pontos centrais das reivindicações e, sobretudo, capaz de sinalizar com força para a retomada do diálogo construtivo antes mesmo que, conforme o texto do editorial, “as candidaturas deem conta dos dilemas que a situação apresenta”.
* por João Guilherme Vargas Netto, consultor sindical