Os Comitês de Bacias, instituídos com a redemocratização do país, são exemplos de como as políticas públicas podem avançar. São órgãos de Estado para apoio à gestão de recursos hídricos e onde não há lugar para política partidária, pois o que realmente está em pauta é o uso, proteção e recuperação das águas. Nesses fóruns, buscam-se o planejamento integrado por bacias hidrográficas, a descentralização das decisões e a participação democrática dos maiores interessados no assunto, ou seja, o próprio Poder Público, entidades da sociedade civil e os usuários da água.
O monitoramento da situação hidrológica em tempo real está disponível há tempos e, a partir de dezembro de 2013, os dados começaram a preocupar. Recentemente, institutos especializados identificaram uma anomalia meteorológica em boa parte da Região Sudeste, mais acentuada, na área do Sistema Cantareira.
Os Comitês do Alto Tietê e do Piracicaba, Capivari e Jundiaí têm em sua gênese os mesmos objetivos institucionais, atuam em duas regiões importantíssimas para o país e compartilham as águas do Sistema Cantareira, que influencia a vida de cerca de 13 milhões de habitantes.
Sim, há a necessidade de se compartilhar o uso dessas águas, cuja outorga vence em agosto deste ano. E há espaço para a cooperação, em lugar de eventuais conflitos. No passado, já chegamos a bons acordos com a mediação dos órgãos gestores, DAEE – Departamento de Águas e Energia Elétrica – e ANA – Agência Nacional de Águas. Muito pior que o conflito é deixarmos de zelar pelo bom uso dos reservatórios, correndo o risco de que não haja água nenhuma.
O Grupo Técnico de Assessoramento para a Gestão do Sistema Cantareira, criado em meio à crise atual, traçou algumas projeções. Naquela que simula a repetição da seca de 1953, a pior do histórico de 84 anos, o Sistema terá seu volume útil esgotado em agosto. Diante deste cenário, foi recomendada a estruturação de um plano emergencial para utilização do “volume morto” dos reservatórios, termo utilizado para indicar o conteúdo abaixo dos atuais níveis mínimos de operações, o que vai exigir obras específicas e o uso de bombas para “puxar” a água. Mas essa, desejamos, é uma última opção e representa outro estágio de uso da água. É como atravessar um extenso deserto somente com um pequeno cantil com água. Se usarmos adequadamente a água disponível, ela não vai faltar.
Sabemos que medidas positivas, com resultados somente no médio prazo, estão em andamento para benefício de ambas as regiões. Podemos citar o início das obras do Sistema São Lourenço, para abastecer parte da Região Metropolitana de São Paulo, e os projetos e estudos em andamento para as barragens de Duas Pontes e Pedreira, além do sistema adutor para as bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí.
As fragilidades e as ações necessárias para enfrentarmos períodos de escassez, como o atual, estão apontadas no Plano da Macrometrópole Paulista. Por isso, é imperativo antecipar os investimentos previstos para não sofrermos novamente com situações de crise. São necessárias, ainda, campanhas permanentes para redução da demanda, investindo no controle de perdas e no uso racional e reuso da água, além de obras para aumento do suprimento hídrico.
Os Comitês de Bacias podem aprovar bons planos, mas eles não são órgãos executivos. É necessário que o planejamento e os órgãos especializados sejam valorizados, os recursos financeiros aportados, e as ações executadas, no tempo correto, para minimizarem os riscos ao abastecimento de água das populações.
Não sabemos quanta água vai chegar ao Sistema Cantareira em março ou no restante do ano, mas a continuar o ritmo de janeiro e fevereiro deste ano, devemos ter o ano mais seco da história nas nossas regiões. Mesmo com alguma chuva, a situação de baixa disponibilidade de água pode se estender, principalmente com a entrada do período seco, de abril a setembro.
Por fim, consideramos louváveis as campanhas em curso, nas duas as regiões, para a redução do consumo e o incentivo econômico do bônus na Região Metropolitana de São Paulo, mas os resultados ainda estão aquém do necessário. Confiamos na ação dos órgãos gestores e da Sabesp para a adoção de medidas mais eficazes para reduzir o consumo, mesmo que amargas. Às vezes, remédio que cura não tem gosto bom.
* por Chico Brito, sociólogo, prefeito de Embu das Artes e presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e Gabriel Ferrato, advogado, prefeito de Piracicaba e presidente dos Comitês das Bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí