O anúncio de baixa disponibilidade hídrica em pleno verão na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) fez soar o alarme para uma necessidade a que a engenharia pode fazer frente: apresentar soluções tecnológicas para garantir o suprimento necessário do recurso vital. Na avaliação de João Suassuna, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, a situação não se restringe a um estado, mas revela “um problema nacional”. Exemplo são as históricas e graves secas no Nordeste.
De acordo com Sérgio Ayrimoraes, superintendente de planejamento de recursos hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA), a questão se deve à distribuição heterogênea dos recursos hídricos no território brasileiro, e não à ausência de disponibilidade hídrica. “O Brasil apresenta uma situação confortável, em termos globais, contribuindo com 12% da água disponível no planeta. Entretanto, cerca de 80% de sua disponibilidade hídrica estão concentrados na Região Norte, onde vivem em torno de 5% da população total brasileira. Já nas bacias junto ao Oceano Atlântico, com 45,5% da população, estão apenas 2,7% dos recursos. Além disso, registra-se a situação de estresse da região do semi-árido, no Nordeste, devido à baixa disponibilidade hídrica”, detalha. Quanto a esse último local, Suassuna contesta: “Há mais de 70 mil represas construídas na região. São 37 bilhões de metros cúbicos de água, o maior volume de água represada em regiões semi-áridas do mundo. O problema é sua subutilização. Falta uma política específica e planejamento para distribuição de água à população.”
Na RMSP, segundo publicado na mídia, com base em dados fornecidos pela Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), no dia 27 de fevereiro, o volume de água armazenado no Sistema Cantareira estava em 16,6% – pela primeira vez na história, abaixo dos 18%. O Sistema abastece 55% da RMSP, a qual abrange 39 municípios do estado. Conforme Francisco Lahóz, secretário executivo do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), o quadro encontrado se deve aos baixos níveis da recarga natural do lençol freático, uma vez que, durante o ano de 2013, teriam ocorrido chuvas abaixo de 70% da média histórica. Municípios maiores, indústrias e agricultura, “por dependerem dos volumes liberados pelo Sistema Cantareira, estão tendo dificuldades nas captações, obrigando a execução de obras de engenharia, tais como enrocamento (alteamento do nível de água)”, destaca.
Soluções técnicas
Uma política adequada para evitar que esse quadro se repita, garantindo água a toda a população, como propugna Suassuna, deveria incluir soluções tecnológicas. O que não estaria contemplado, na sua visão, por exemplo, com a transposição do São Francisco – obra que é prometida para dezembro de 2015, em que 50% dos canais já estão feitos. Defendendo agora que seja concluída, uma vez que está em andamento, ele ressalta, contudo, que a prioridade deve ser utilizar as águas já existentes na região. Assim, propugna a construção de cisternas rurais de 16 mil litros para coleta de água da chuva, com material adequado, por exemplo alvenaria, e a implementação das soluções previstas no Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água, elaborado pela ANA a partir de estudos desenvolvidos desde 2005.
O documento apresenta, como descreve Ayrimoraes, um conjunto de obras para o aproveitamento de novos mananciais e para adequações de sistemas de produção de água, totalizando R$ 22,2 bilhões. “Muitas foram ou estão sendo implementadas pelo governo federal desde 2007, por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A viabilização das que ainda não foram depende da elaboração de estudos de viabilidade e de projetos consistentes e da capacidade de execução dos investimentos previstos, exigindo, dentre outros aspectos, uma ação articulada e integrada entre os diversos atores”, argumenta. Na ótica da professora do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Eliana Beatriz Nunes Rondon, o País ficou ao longo dos anos sem investimentos, e o PAC não dá conta da demanda.
Como soluções estruturais, ela aponta a necessidade de ampliar o sistema e agregar as tecnologias disponíveis para, por exemplo, aproveitar as águas das chuvas ao uso não potável (lavar roupas, dar descarga, regar plantas). João Carlos Mierzwa, coordenador técnico do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água (Cirra) e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), afirma que a opção do reúso é adequada ao controle e redução da pressão pela demanda do recurso hídrico, mas tem limitações. “À RMSP, o problema é maior, porque 80% destina-se ao abastecimento humano, e o reúso serve sobretudo a fins industriais. Além disso, seu potencial em termos de vazão é próximo de 4 metros cúbicos por segundo, o que significa menos de 10% do volume produzido e distribuído na região.” Para consumo da população, exigiria “nova rede de distribuição, o que do ponto de vista econômico é impraticável”.
Ele cita outras medidas que deveriam vir associadas ao reúso, como estimular o uso de equipamentos mais eficientes, com vazão reduzida, como chuveiros e torneiras – que diminuiriam o consumo em 20% a 30% – e avançar na coleta e tratamento de esgotos, um grave gargalo no País que diminui a disponibilidade hídrica, com a poluição de mananciais. Solução ainda é a descontaminação de águas em áreas expostas a agrotóxicos, mediante tecnologia de membranas, como cita Rondon.
Para Lahóz, “a médio e longo prazo, serão necessários a construção de reservatórios de regularização de vazão, implantação de plano de combate ao desperdício de água em redes públicas de distribuição, rigoroso monitoramento hidrológico e ações afins, totalmente dentro do alcance do nosso potencial tecnológico”. (Por Soraya Misleh)
Fonte: Jornal Engenheiro, da FNE, Edição 142/MAR/2014
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