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14/10/2014

Entrevista - Conectividade traz o bem viver

Na chamada economia criativa, trabalha-se com um fator de produção cujo uso não reduz o seu estoque. Para completar, graças basicamente à internet, esses bens imateriais podem circular livremente por ondas eletromagnéticas. Para Ladislau Dowbor, professor titular do Departamento de Pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) nas áreas de economia e administração e membro do Conselho Consultivo da CNTU, esse cenário representa uma profunda revolução socioeconômica e cultural, que tem contribuído para melhorar as condições de vida das pessoas, reduzindo a pobreza e ampliando o acesso a serviços. Fazer com que os benefícios dessa nova dinâmica sejam universalizados, contudo, implica convencer o poder público da sua importância e vencer os interesses de grupos empresariais que insistem em lucrar “cobrando pedágio” sobre o compartilhamento do conhecimento.

O senhor tem afirmado que a conectividade melhora a vida das pessoas. Por quê?
O pano de fundo dessa realidade é a economia criativa. Por exemplo, no meu celular, posso ter 95% de tecnologia e design e, talvez, 5% de trabalho físico e matéria-prima. O principal fator de produção está se tornando o conhecimento e esse, que é imaterial, circula nas ondas magnéticas e pode se tornar acessível a qualquer pessoa do planeta. Os pequenos agricultores do Quênia têm um celular por meio do qual conseguem obter informação para o seu trabalho. Na era agroindustrial, os bens são materiais. Se eu te passo o meu relógio, eu deixo de ter o meu relógio, são os chamados bens rivais. Agora, se você me passa o conhecimento, ele continua com você, é um fator de produção cujo uso não reduz o estoque. Com isso, você tem um deslocamento radical da lógica econômica e cultural. Eu vejo isso como uma revolução tão profunda quanto foi a transição da era agrícola para a industrial.

Os dados disponíveis, como o Atlas do Desenvolvimento Humano 2013, mostram objetivamente melhoria no nível de vida das pessoas no Brasil. Isso pode ser atribuído à conectividade?
Há uma contribuição grande, porque a conectividade permite ter acesso à informação e isso é vital para você ter acesso às outras necessidades da vida, aos outros direitos. Nos 20 anos cobertos pelo Atlas, o brasileiro ganhou nove anos de expectativa de vida. Em 1991, 85% dos municípios tinham IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) muito baixo, inferior a 0,50, que é o buraco. Em 2010, são apenas 32 nessa condição, ou seja, 0,6%. Na realidade, as coisas se conjugam. É importante entender que o viver melhor não é só a renda. O conforto da vida em grande parte não se dá através do consumo individual, e sim de como a sociedade melhorou.

E como fazer para universalizar o acesso à internet, o que ainda não é realidade no Brasil?
O que precisamos é de cabos de fibra óptica e sistema de satélites para fazer essa infraestrutura de retransmissão. Depois de criada e considerando que as ondas eletromagnéticas são gratuitas porque são da natureza, os custos se tornam absolutamente ridículos. Na economia, quanto os custos são ridículos é um problema para a empresa, porque ela diz: “Como é que eu ganho?”. O natural é que esses serviços sejam oferecidos como públicos e gratuitos. Mas temos os grandes grupos como Vivo, Claro, Oi etc., que ganham literalmente cobrando pedágio sobre o acesso. Isso gera uma disritmia. É como os senhores feudais que cobravam cada vez que alguém atravessava suas terras. E temos a infraestrutura individual, como o celular, o computador. Esses equipamentos hoje no Brasil basicamente estão generalizados. Veja que a televisão, que está em 97% dos domicílios, pode perfeitamente ser utilizada de maneira inteligente.

Mas os senhores feudais da sociedade da informação continuam cobrando pedágio.
Há um oligopólio nos celulares e no sistema de comunicação. Basicamente, quatro famílias, por meio de subconcessões – o que é ilegal –, controlam o conjunto da radiodifusão. A visão do acesso à informação como um bem público é uma batalha. Veja as dificuldades que temos para democratizar a mídia no Brasil. Mas há o lado positivo, um conjunto de sistemas que estão saindo em paralelo e fazem circular o que as pessoas acham que é bom. De certa maneira, o acesso ao conhecimento vai passar a se organizar nesse sistema, hoje alternativo e amanhã dominante, pela demanda e não pela oferta.

 

E como persuadir o poder público sobre a importância da conectividade?
Nós temos que divulgar a conta do setor. A cidade de Piraí, no Rio, através de Franklin Coelho, pesquisador da Universidade Federal Fluminense, a custos mínimos, assegurou banda larga para todo mundo, é o wi-fi urbano. Isso gera o que se chama de produtividade sistêmica. A compreensão de que a conectividade torna a sociedade, no conjunto, incomparavelmente mais produtiva é o argumento chave para fazer as autoridades e o público entenderem que todo oligopólio tem que ser abolido para se resgatar a dimensão de bem público da comunicação e da conectividade.

Estamos treinados para gerir esse volume de conhecimento ao qual, em princípio, todos têm acesso?
O interessante é que se desenvolveu o sistema de algoritmos, que vai buscar suas raízes na álgebra booleana, bem lá atrás, que dá expressão matemática e, portanto, de linguagem de máquina, não só a números e palavras, mas a relações entre conceitos. Isso é importante porque, de um lado, temos zilhões de informações sendo produzidas e, ao mesmo tempo, houve uma evolução para um sistema inteligente de busca. A questão real é que a capacidade que se busca hoje não é mais a de encher a cabeça de informações, mas de saber navegar. E aí temos que repensar a educação e o nosso trabalho cotidiano. Mas é uma avalanche: a mudança das tecnologias, a conectividade das pessoas, o fato de que você pode estar muito mais conectado e ao mesmo tempo muito mais sozinho.


 

* Entrevista de Rita Casaro e Fábio Pereira publicada, originalmente, no jornal da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE)










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