O ano 2014 foi o mais quente desde 1880, início dos registros de temperaturas no planeta, diz a National Oceanic and Atmospheric Administration, a agência meteorológica dos Estados Unidos.
O relatório “O Futuro Climático da Amazônia”, do engenheiro, cientista e professor Antonio Donato Nobre, pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTi) e no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), produzido para a Articulação Regional Amazônica, chama a atenção para os possíveis efeitos devastadores advindos do desmatamento na região. O que tem forte influência para a população de nosso Brasil.
Esse relatório destaca alguns ângulos da questão, como se segue:
“- A imensa capacidade que tem a floresta Amazônica de contribuir para manter a umidade do ar, naquele bioma e em outras partes distantes.
- Esse processo produz rebaixamento da pressão atmosférica sobre toda floresta, que em consequencia suga o ar úmido que está sobre o oceano Atlântico e leva-o para o interior do continente, mantendo o regime de chuvas. Temos lá uma imensa floresta adjacente a um oceano. Esse processo é exatamente o oposto do que ocorre onde há um deserto ao lado do oceano, pois o oceano evapora muito mais umidade que o deserto e essas nuvens não vão em direção ao continente, prendendo assim o deserto numa armadilha sem fim.
- A Amazônia também exporta “rios aéreos de vapor”, que transformam a água transportada em “chuvas fartas que irrigam regiões distantes no verão hemisférico”.”
Outro brilhante cientista e médico, o norte-americano Jonas Salk, inventor da primeira vacina antipólio, em muito pode nos orientar, pois também ficou conhecido por declarações contundentes, sendo também citado por ter dito: "A quem pertence a minha vacina? Ao povo! Você pode patentear o sol?". E: “Se todos os insetos desaparecessem da Terra, dentro de 50 anos toda a vida na Terra acabaria. Se todos os seres humanos desaparecessem da Terra, dentro de 50 anos todas as formas de vida iriam florescer.”
O ser humano é praticamente dispensável no contexto da vida na Terra. Somos sim uma espécie a quem foi dada a oportunidade de aproveitarmos e vivermos numa rocha, a terceira a partir do Sol, com uma atmosfera, um campo magnético que a protege, e com água, terrenos e os demais seres vivos que de nós não dependem. Com todo um ecossistema do qual nossas vidas são inteiramente dependentes. Um presente!
E quem pode estragar tal pintura? Nós, os seres humanos, uma espécie de vida com cérebro! Como? Simplesmente destruindo a natureza a partir de um ponto do qual se poderá, ou não, ter retorno; e com todas suas consequências.
O que devemos fazer? Ora, a seca que se abateu e permanece na região Sudeste e parte do Centro-Oeste do Brasil atualmente, produz uma crise sem precedentes para as cidades da região. O risco de desabastecimento de água e energia elétrica é real e preocupa, embora não seja por ninguém desejado. Esta difícil realidade nos dá a oportunidade de aprender e disseminar o conhecimento científico disponível a boa parte da população. Uma ótima oportunidade!
Disse, recentemente, em entrevista, o professor Antonio Donato Nobre, que “a agricultura consciente, se soubesse o que a comunidade científica sabe, estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo a proteção das florestas e plantando árvores em suas propriedades”.
Por quê? Já em 2010, numa apresentação do TED (*), em Manaus, ele apresentou a importância do bioma Amazônico na vida da América do Sul, a saber: ele tem o poder de trocar massivamente gases vitais com a atmosfera; é celeiro da biodiversidade, embora essa seja uma crença e poucos conheçam de fato tal realidade, pois só os índios que lá vivem sabem que na floresta há mais olhos do que folhas; e nele existe uma harmonia e filosofia extraordinárias: a água circula naquele bioma a semelhança do sangue em nosso corpo, leva alimento e nutrição e retorna para ser renovada. O regime de chuvas amazônico, onde a evaporação se processa numa atividade frenética, é muito importante para a América do Sul e para o Planeta, sendo talvez o mais poderoso.
Água do solo
E qual seria esse fenômeno que faz a água jorrar do solo para o ar? A ciência sabe agora que as árvores atuam como gêiseres, retirando água do solo e transportando para a atmosfera; são cerca de 600 bilhões de árvores que usam a luz do sol como energia para essa transferência, e essa energia é gratuita!
Num dia de sol uma árvore grande chega a transferir mil litros de água, e se tomarmos a enorme área do bioma chega-se ao número extraordinário de 20 bilhões de toneladas de água por dia transferidos do solo para a atmosfera. O rio Amazonas – maior rio da Terra - transfere, como se fosse pouco, apenas 17 bilhões de toneladas por dia de água para o oceano Atlântico.
Há um verdadeiro rio de vapor de água sobre a floresta amazônica! Entrelaçado a essa realidade impõe-se o que o cientista brasileiro chama de “paradoxo da sorte”: há uma região na América do Sul, de Cuiabá a Buenos Aires, sentido norte–sul, e de São Paulo aos Andes, de leste a oeste. Essa região não é um deserto como suas semelhantes no Planeta, todas localizadas a 30° de latitude norte e a 30° de latitude sul.
Veja figura 1
Mas por que essa região não é um deserto? Porque essa enorme área é ricamente irrigada pela natureza!
Como acontece? A irrigação vem pelo rio aéreo que nasce no Oceano Atlântico, evapora e flui pelo oceano verde da Amazônia, e nele recebe mais umidade bombeada pelas árvores e, vem irrigar a região do paradoxo da sorte. É um poderoso rio a irrigar a América do Sul.
Há outra finalidade obtida também pela ação maravilhosa desses sistemas, a região equatorial do planeta quase não tem registros de ocorrências de furacões. Incrível, não é!
Veja na Figura 2
A explicação para tanto é que a poderosa sucção da umidade do oceânico pelo bioma amazônico acelera o ar sobre o mesmo e impede a organização dos furacões na faixa entre os dois traços em vermelho.
E o que temos a ver com isso tudo? Tudo, pois nossas vidas dependem dessa Natureza!
Como diz o relatório citado: “...as florestas condicionam o clima que lhes favoreça, e com isso geram estabilidade e conforto, cujo abrigo dá suporte ao florescimento de sociedades humanas.”
(*) TED – Technology, Entertainment, Design, fundação sem fins lucrativos. Conhecida por suas conferências destinadas à disseminação de ideias. Segundo ela, "ideias que merecem ser disseminadas". Suas apresentações são divulgadas na Internet.
* por José Eduardo Villar Nassar, engenheiro e delegado sindical do SEESP