Acostumados a conviver com a alternância entre períodos de seca e de inundações, os australianos foram surpreendidos no fim do século 20 pela chamada Seca do Milênio, uma estiagem sem precedentes que atingiu todo o país entre os anos de 1997 e 2009 e afetou fortemente a cidade de Melbourne, capital do estado de Victoria.
“Foi uma seca completamente diferente do que se poderia prever com a análise de mais de 100 anos de registros meteorológicos. Quando a estiagem finalmente terminou, tivemos enchentes em várias cidades, além de fortes ondas de calor. Foram batidos 123 recordes meteorológicos, de precipitação e de temperatura, no verão de 2012/2013. No ano seguinte, foram 156 recordes”, relatou Tony Wong, diretor executivo do Centro de Pesquisa Cooperativa para Cidades Sensíveis à Água – uma iniciativa do governo australiano que reúne pesquisadores de várias áreas e instituições, indústrias e parceiros governamentais para o desenvolvimento de soluções sociais e tecnológicas para a gestão da água urbana.
A seca afetou fortemente o afluxo de água para os reservatórios responsáveis pelo abastecimento de Melbourne. Em 2008, o nível da principal represa da região, instalada no rio Thomson, era semelhante à situação atual do sistema Cantareira, em São Paulo. Embora o nível da represa australiana tenha melhorado nos anos seguintes, jamais retornou à média histórica e voltou a cair recentemente.
“Houve um momento em que ficamos realmente preocupados, pois havia água suficiente apenas para 18 meses de abastecimento. Foi quando tomamos a decisão de construir uma planta de dessalinização”, contou Wong.
Em um evento realizado em São Paulo, no dia 22 de abril, com a participação da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), Wong afirmou que a Seca do Milênio ensinou duas importantes lições aos australianos. A primeira é que, em um cenário de mudanças climáticas sujeito a eventos extremos, a gestão dos recursos hídricos de uma cidade não pode se basear apenas na análise de séries históricas de dados meteorológicos.
Além disso, a infraestrutura para o futuro deve ser planejada de modo a acomodar os eventos extremos de maneira integrada, ou seja, as soluções não devem mirar fenômenos como seca e enchente isoladamente.
Ele lembrou que, desde 2004, quando os especialistas australianos ainda afirmavam que a estiagem não passava de um evento comum de variabilidade climática, o governo de Victoria já vinha tomando uma série de medidas para minimizar os impactos da escassez hídrica. O primeiro passo foi investir em estratégias de conservação da água.
“Teve início uma grande campanha para mudar o comportamento das pessoas. Um grande cartaz foi instalado em nossa principal estação de trem para alertar diariamente para os níveis dos reservatórios, e os índices iam caindo dia a dia. Foi então que percebemos que estávamos enfrentando uma crise hídrica”, relatou.
Em nível nacional, os cidadãos tiveram de conviver com medidas de restrição. Foram proibidos, por exemplo, de usar água potável na lavagem de carros ou na irrigação de jardins.
A campanha para a redução do consumo doméstico foi aliada a estratégias de conservação no setor agrícola. Um programa de modernização dos sistemas de irrigação já havia começado a ser implantado antes mesmo do início da seca e ajudou a aumentar a eficiência no uso da água de 30% para 80% nas fazendas australianas. Além disso, foi criado uma espécie de mercado da água, no qual os fazendeiros podiam vender seu excedente para colegas cujas culturas demandam maior volume de recurso hídrico.
“O consumo por habitante em Melbourne começou a cair na medida em que a comunidade como um todo foi ficando mais engajada. Se não fosse por essa mudança de comportamento, teríamos ficado completamente sem água até 2009. A estratégia de conservação salvou a cidade, pois não havia tempo hábil para construir a planta de dessalinização”, disse Wong.
Paralelamente às medidas de conservação, foram idealizadas iniciativas para aumentar a captação de água de fontes alternativas, que incluíram o desenvolvimento de infraestrutura para aproveitamento de águas pluviais e reciclagem de águas residuárias.
“Mas por volta de 2007 ficou evidente que todas essas iniciativas levam tempo para serem efetivadas e apresentarem soluções reais e, por isso, o governo decidiu investir em dessalinização. A seca terminou antes de a planta ficar pronta e até hoje ela não foi acionada. Mas essa infraestrutura nos concedeu um período de certeza – de que se a seca vier, não faltará água – e nos permite investir em soluções de longo prazo mais sustentáveis como reciclagem de água”, avaliou Wong.
Fonte: Por Karina Toledo|Agência Fapesp