A profunda crise econômica, política e social em que o Brasil segue imerso propicia crescimento da ofensiva patronal e governamental para flexibilizar direitos e amplia o desafio colocado para o movimento sindical: formular, em contexto de democracia plena, uma saída para a situação. O alerta consta do boletim de conjuntura, editado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), de agosto.
Segundo o trabalho, a trajetória de crescimento econômico dos últimos 20 anos – mesmo que irregular – ficou para trás e, em 2014, a economia brasileira estagnou, caminhando, desde então, em recessão econômica jamais vista, com a reversão e deterioração dos avanços sociais atingidos na última década.
Emprego, renda e preços
As informações da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) mostram que, em junho último, a taxa de desemprego total nas regiões metropolitanas pesquisadas estabilizou-se em relação a maio, mas em patamares muito elevados. Na Região Metropolitana de São Paulo, a taxa se manteve em 17,6%, o mesmo nível de maio. O contingente de desempregados foi estimado em 1 milhão e 990 mil pessoas – 523 mil trabalhadores desempregados a mais do que em junho de 2015.
O trabalhador e toda a população sofrem com o aumento dos preços, especialmente as famílias de menor renda. No primeiro semestre de 2016, o custo de vida, com base no ICV-Dieese, aumentou, no município de São Paulo, 4,72%. Entre julho de 2015 e junho de 2016, a alta acumulada alcança 9,05%.
Desemprego em alta, renda em queda, perspectivas de permanência da recessão por mais meses e inflação elevada impactam o desempenho do mercado consumidor e as decisões de investimento das empresas. Os resultados são evidentes.
Trabalhadores x ambiente de negócios
Neste conturbado ano de 2016, especialmente a partir de maio, diversos projetos e propostas de alterações nas relações de trabalho, no manejo das contas públicas e nas oportunidades de negócios privados têm sido anunciadas pelo governo interino e entidades patronais.
O Executivo federal enviou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016, que estabelece o novo regime fiscal. A PEC trata do congelamento dos gastos da União por um prazo de 20 anos, com reajustes feitos com base na inflação (IPCA) do ano anterior. Ou seja, não haverá crescimento real dos gastos governamentais, fato que afetará todos os serviços públicos vinculados ao Executivo, em especial saúde e educação. Atualmente, os gastos desses dois setores são estabelecidos pela Constituição e correspondem a 13,7% da receita líquida da União para a saúde e 18% da receita de impostos federais para a Educação. Caso a PEC seja aprovada, o mesmo orçamento de 2016 será executado nas próximas duas décadas. Sem aumento real para os gastos públicos, haverá regressão brutal da relação entre recursos destinados aos serviços públicos e Produto Interno Bruto. Atualmente na ordem de 40%, a relação passaria para 25%, em cenário de baixo crescimento econômico como o que se projeta para os próximos anos.
Às investidas governamentais que visam precarizar ainda mais as condições de trabalho dos brasileiros somam-se as propostas das entidades patronais, propugnando generalização da terceirização, pelo arrocho salarial e pelo ataque aos direitos trabalhistas da Consolidação das Leis do Trabalho, como férias, 13º salário e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
A flexibilização abrange a forma de contratação dos trabalhadores, a duração do trabalho, a definição de salários e a negociação coletiva. Flexibilizar para baixo direitos dos trabalhadores é objetivo antigo das entidades de representação patronal. Há vários projetos nesse sentido no Congresso Nacional e o governo, interino, já definiu que irá apoiá-los.
Projeto nacional
O boletim do Dieese, em suas considerações finais, aponta a necessidade de ser ter um projeto nacional que retome e transforme o crescimento econômico em efetivo desenvolvimento certamente precisa enfrentar fatores estruturais da economia brasileira que dificultam o gasto produtivo: a crescente desnacionalização de setores inteiros da economia, que desloca para o estrangeiro as decisões empresariais; o preocupante processo de desindustrialização; a dependência de subsídios do Estado ao investimento privado; os oligopólios e monopólios que controlam setores estratégicos da economia, desde a indústria até o comércio; a possibilidade de que poderosas corporações estejam segurando investimentos para forçar o Estado a retomar privatizações, especialmente nos setores de petróleo e gás e infraestrutura.
* Para ler o boletim clique aqui
Comunicação SEESP
Fonte: Boletim de Conjuntura, nº 08, de agosto de 2016, do Dieese
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) lançou, neste mês de agosto, importante estudo sobre a atuação do subsegmento da siderurgia nacional. Segundo a entidade, o objetivo foi analisar os indicadores econômicos das quatro maiores usinas siderúrgicas que atuam no País: Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Usiminas S.A, Gerdau S.A. e ArcelorMittal Brasil S.A. Juntas, elas representavam, em 2015, mais de 79,0% da produção de aço bruto nacional, segundo dados do Instituto do Aço Brasil (IABR). O alto grau de concentração determinou a escolha dessas companhias para esta análise que busca entender a dinâmica existente no segmento siderúrgico. Os dados considerados neste texto compreendem o período entre 2006 e 2015.
Estes quatro grandes grupos siderúrgicos têm uma longa história no processo de desenvolvimento da indústria brasileira. As siderúrgicas Usiminas e CSN surgem no bojo do processo de industrialização, nas décadas de 1940 e 1950, tendo o estado brasileiro como principal incentivador, já que são estatais criadas em parceria com grupos internacionais (ambas privatizadas na década de 1990). Também o grupo Gerdau, de capital nacional privado, embora tenha origem anterior, apresenta fortes transformações no funcionamento no mesmo período mencionado. Apenas a ArcelorMittal, de capital predominantemente luxemburguês, tem uma história de fusões e aquisições até se tornar o grupo ArcelorMittal em 2006.
Presente no dia a dia
A indústria de Siderurgia e Metalurgia Básica é um segmento do ramo metalúrgico estratégico para o desenvolvimento nacional, por atuar como fornecedor para diversos setores de atividade econômica e estar presente na maioria das cadeias produtivas. Além disso, é responsável pela fabricação de vários produtos do nosso dia a dia, como talheres, pregos e parafusos, estruturas metálicas etc.
É um segmento intensivo no uso de recursos naturais (minério de ferro e carvão), que necessita de grandes aportes de capital e cujo tempo de maturação dos investimentos é lento, além de ser um segmento de produtos seriados de maturidade tecnológica avançada. Diante dessas características, o Brasil possui vantagens competitivas, como mão de obra barata, reservas de minérios de ferro de boa qualidade e em boa quantidade, infraestrutura logística para portos e grande mercado consumidor.
A indústria se divide em três subsegmentos que são: usinas siderúrgicas, indústrias produtoras de ferro-gusa e metalurgia básica. No Brasil, o parque siderúrgico é composto por 29 usinas controladas por apenas 11 grupos empresariais, ou seja, é altamente oligopolizado - estrutura de mercado em que um número pequeno de empresas domina a oferta - e concentrado na região Sudeste.
Conjuntura internacional
O segmento siderúrgico mundial é afetado, por um lado, pelo modesto crescimento da economia nos países desenvolvidos, EUA e na Zona do Euro, juntamente com a desaceleração econômica nos países emergentes, que oferecem restrições para demanda mundial de aço. Por outro lado, é atingido, pela existência de excesso de oferta de aço no mundo, influenciado pela produção chinesa. A China é a maior produtora mundial de aço, com aproximadamente 50% do total produzido em todos os países, e, muitas vezes, é acusada de práticas desleais de comércio (ação em que coloca produtos à venda por um preço inferior ao do mercado internacional). Há vários questionamentos de diversos países na Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a estratégia de dumping utilizada pelas siderúrgicas chinesas. Outro impasse referente ao país é que este ano vence o protocolo de acesso da China à OMC - firmado em 2001 - e ela pode ser reconhecida como economia de mercado. Ao ser reconhecida como economia de mercado, a China passa a ter as mesmas condições dos demais membros da OMC.
Em 2015, segundo ano de queda na produção mundial de aço, o Brasil atingiu a casa dos 33,3 milhões de toneladas, valor 1,9% menor que a produção de 2014. Apesar da redução, o montante garantiu ao País a 8ª posição entre os maiores produtores mundiais, na frente da Turquia, que desde 2012 registrava produção superior à brasileira.
O parque siderúrgico brasileiro está capacitado a produzir desde aços de baixo valor agregado até os de elevado valor. Porém, a inserção brasileira no comércio mundial é centrada na exportação de produtos de menor valor agregado e na importação de produtos de maior valor agregado. Segundo informações do Instituto Aço Brasil, em 2015, as exportações alcançaram 13,7 milhões de toneladas; enquanto em 2014 foram exportadas 9,7 milhões de toneladas. Assim, apesar do câmbio mais favorável (desvalorizado em relação ao dólar) e da maior quantidade de produtos exportados, a receita em dólares gerada pela exportação em 2015 foi inferior à de 2014.
* Leia o estudo completo aqui.
Edição Rosângela Ribeiro Gil
Comunicação SEESP
Fonte: Boletim da Rede Metalúrgicos - Nº 04/Agosto de 2016
Levantamento preliminar do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com as candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dá conta que 78 parlamentares — deputados e senadores — concorrem a eleição municipal de 2016, número abaixo da média histórica, que é de 89 nomes. Dos que concorrem este ano, 76 são deputados federais, sendo 68 candidatos a prefeito e oito a vice-prefeito, e os dois senadores (Marta Suplicy, em São Paulo; e Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro) concorrem ao cargo de prefeito.
A redução do número de candidato, na avaliação do DIAP, decorre basicamente de três fatores: 1) o fim do financiamento empresarial de campanha; 2) o desgaste da imagem dos parlamentares em função das investigações da Operação Lava-Jato; e 3) a difícil situação financeira dos municípios.
Entre os deputados, os partidos com maior número de postulante são o PMDB, com 12, seguido do PT, com nove, e do PSDB, com oito candidatos. O PCdoB está na disputa com seis deputados, enquanto PSB, PTB, PRB e PR, com cinco cada. O PSOL tem quatro candidatos e DEM e PSD, três. PP, PPS, SD, PDT e REDE com dois e PSC, PTdoB, PROS e PHS com apenas um candidato cada. Por região registra-se que cerca de metade (39) das candidaturas se concentra na região sudeste, seguida pela região nordeste (24), norte (6), sul (6) e centro-oeste (3).
Capitais
As prefeituras do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte são as mais disputadas, sendo cinco congressistas concorrentes em cada. No Rio de Janeiro disputam o senador Marcelo Crivella (PRB) e os deputados Pedro Paulo (PMDB), Jandira Feghali (PCdoB), Alessandro Molon (REDE), e Índio da Costa (PSD); o deputado Hugo Leal (PSB) é candidato a vice da chapa deste último. Por sua vez, concorrem em Belo Horizonte os deputados Rodrigo Pacheco (PMDB), Reginaldo Lopes (PT), Eros Biondini (PROS), Marcelo Álvaro Antônio (PR) e Luis Tibé (PTdoB). A deputada Jô Moraes (PCdoB) é a candidata a vice-prefeita na chapa de Reginaldo Lopes.
Já a paulistana é disputada por quatro parlamentares: a senadora Marta Suplicy (PMDB) e os deputados Major Olímpio (SD), Luiza Erundina (PSOL) e Celso Russomano (PRB). Além disso, concorrem à vice-prefeitura de São Paulo os deputados Ivan Valente (PSOL), na chapa da deputada Erundina, e Bruno Covas (PSDB), na chapa de João Dória Jr. (PSDB). Em Maceió também se enfrentam quatro parlamentares: Givaldo Carimbão (PHS), Paulão (PT), Cícero Almeida (PMDB) e JHC (PSB).
Em Belém, dois deputados disputam: Éder Mauro, pelo PSD, e Edmilson Rodrigues, pelo PSOL. Em Fortaleza, a disputa conta com a participação dos deputados Ronaldo Martins (PRB) e Luizianne Lins (PT), sendo que o deputado Moroni Torgan (DEM) é candidato a vice na chapa de Roberto Cláudio (PDT). De maneira semelhante, na capital amazonense concorrem os deputados Silas Câmara (PRB) e Hissa Abrahão (PDT), sendo que o deputado Marcos Rotta (PMDB) é candidato a vice na chapa de Arthur Virgílio Neto (PSDB).
Em outras sete capitais haverá candidatura de um deputado. Em Porto Alegre concorre Nelson Marquezan Jr. (PSDB); em Salvador, a deputada Alice Portugal (PCdoB); em Vitória, Lelo Coimbra (PMDB); em São Luis, Eliziane Gama (PPS); em Recife, Daniel Coelho (PSDB); em Goiânia, delegado Waldir (PR); e em Boa Vista, Abel Mesquita (DEM).
Em João Pessoa, por sua vez, nenhum deputado pleiteia a vaga de prefeito, todavia, os deputados Manoel Junior (PMDB) e Wilson Filho (PTB) disputam pela vaga de vice-prefeito; o peemedebista na chapa de Luciano Cartaxo (PSD) e o petebista na de Cida Ramos (PSB).
Fonte: Site do Diap
A inclusão do transporte como direito social previsto na Constituição Federal traz expectativas de melhorias significativas na prestação do serviço no país. Uma pesquisa encomendada pela Associação Nacional de Transportes Urbanos (NTU), feita junto a deputados, senadores, representantes dos governos federal, estaduais e municipais, especialistas e pesquisadores, aponta que aproximadamente 80% aprovam a emenda à Constituição. Entre os membros do Congresso Nacional, a percepção é positiva para 82,3% dos entrevistados. Para os demais, 78%.
Dirigentes da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) estiveram reunidos, nesta quarta-feira (24/08), em Brasília, com os presidentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e dos Correios, órgãos ligados ao Governo Federal, respectivamente, Francisco Marcelo Rodrigues Bezerra e Guilherme Campos Júnior. O teor principal dos encontros, segundo o diretor José Luiz Bortoli Azambuja, foi a solicitação do ingresso da FNE nas negociações dos acordos salariais como legítima representante dos profissionais das duas empresas.
Foto: Paula Bortolini/Assessora da Presidência
Dirigentes da FNE com o presidente da Conab (ao centro), em Brasília, reivindicam
representar engenheiros na mesa de negociação do acordo coletivo
Na ocasião, explica Azambuja, foi entregue documento argumentando, juridicamente, a legalidade da representatividade da federação junto a esses profissionais, e destacando-se que a FNE, por delegação de seus 18 sindicatos filiados, tem abrangência nacional e competência para negociar nesse âmbito. “Além disso, enfatizamos que os próprios engenheiros estão procurando os nossos sindicatos solicitando a nossa inclusão nas negociações salariais”, salienta.
Na Conab existem 250 engenheiros lotados nas diversas unidades da empresa distribuídos em vários Estados, sendo que a unidade com maior lotação é a do Distrito Federal, na sede da companhia, em Brasília, e a data-base é 1º de setembro. Já os profissionais dos Correios somam em torno de 700 em todo o Brasil e a data-base é 1º de agosto, ou seja, as negociações já estão em andamento.
Cresce Brasil
O presidente da FNE, Murilo Pinheiro, enfatizou a disposição da FNE em contribuir para o fortalecimento das empresas destacando que os engenheiros são estratégicos para que isso aconteça e apresentou, ainda, o projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento” e sua edição atual sobre Cidades e o Movimento Engenharia Unida.
Rosângela Ribeiro Gil
Comunicação SEESP
Em prosseguimento ao Ciclo de debates “A engenharia e a cidade”, atividade tradicionalmente realizada pelo SEESP nas eleições municipais e nacionais do País, será recebido, no dia 8 de setembro próximo, às 16h, o candidato Altino, do PSTU, à Prefeitura de São Paulo. O evento, aberto ao público, será na sede do sindicato, na Capital paulista (Rua Genebra, 25, Bela Vista).
Na ocasião, além de apresentar suas propostas para a cidade, o candidato terá a oportunidade de debater, de forma democrática, com profissionais da área técnica e a sociedade propostas nas áreas de mobilidade, transporte, educação, urbanismo, meio ambiente etc.
Altino de Melo Prazeres Júnior é presidente licenciado do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.
Rosângela Ribeiro Gil
Comunicação SEESP
O governo interino enviou ao Congresso Nacional um projeto central para sua ação política: uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para limitar a expansão das despesas orçamentárias. Na fachada, a PEC 241/2016 cria um novo regime fiscal, que abrange as despesas de todos os poderes da União e dos órgãos com autonomia administrativa e financeira.
A cada um deles será fixado um limite anual e individualizado para a despesa. Na realidade, a proposta de mudança constitucional desconstitui as bases do modelo de cidadania criado em 1988 e limita a capacidade estatal de agir em prol da construção de um modelo de desenvolvimento, com distribuição de renda.
Para cada ano, esses limites serão as despesas do ano anterior corrigidas pelo IPCA, do IBGE. Há algumas exceções previstas,[1] mas fundamentalmente esse modelo impõe um extremado grau de limitação dos governos nos próximos vinte anos. Se aprovado, não há como manter os direitos sociais existentes; não há como atender às demandas pela ampliação ou melhoria dos serviços públicos; não há como prover infraestrutura. Cria-se uma reserva de mercado: somente o setor privado poderá atender a todas as necessidades que não forem cobertas dentro dos rasos limites.
Hoje, por exemplo, as despesas com saúde e educação possuem critérios específicos de proteção, mas perderão as garantias atuais e apenas a correção inflacionária sobreviverá. E, como o limite é total, qualquer recurso a mais que for direcionado para essas áreas implicará cortes em outros programas. Esse modelo inverte a lógica constitucional: onde há obrigação de gastos mínimos haverá um teto, um máximo de gasto.
Esses limites, até 2037,[2] restringirão os programas de governo e a vontade do povo, expressa nas ruas e nas urnas, pelos próximos cinco mandatos presidenciais. Mesmo que a economia cresça e permita, e o Estado tenha capacidade para melhorar as condições de vida da sociedade, o teto vai impedir esse avanço social. Além de atentar contra os direitos sociais e a prestação dos serviços públicos, o modelo inviabiliza saídas ou a construção de um projeto de desenvolvimento pautados na política fiscal ou na econômica, sem importar os custos orçamentários.
Para que se possa acompanhar o tamanho dessa restrição, entre 2005 e 2015, as receitas do governo federal cresceram 155%, e o PIB, 172%. Nesse mesmo intervalo, se as despesas estivessem limitadas pela inflação, elas teriam sido corrigidas em 77%. Para onde teria sido dirigida toda essa diferença? Impedido de ser utilizado em saúde, educação, segurança, defesa, agricultura, desenvolvimento, infraestrutura, o montante seria destinado ou para os gastos financeiros ou para aumentar o lucro das empresas, pela diminuição dos tributos.
Adeus, educação pública
Hoje devem ser aplicados pelo menos 18% da receita líquida de impostos em manutenção e desenvolvimento da educação. E há ainda outras obrigações em relação à educação básica (no Fundeb, no mínimo 10% do que é aplicado pelo conjunto dos fundos estaduais). Tendo como limite a inflação, será impossível cumprir esses mandamentos e menos ainda o compromisso do Plano Nacional de Educação (PNE) de aplicar 10% do PIB nos programas educacionais. Hoje investimos pouco mais de 6,6%.
A meta do PNE é ousada, mas corresponde ao papel idealizado para a educação no projeto de desenvolvimento nacional. E, como fonte complementar de recursos, a legislação do petróleo foi alterada para determinar a aplicação de 75% dos recursos de royalties, participação especial e em receitas públicas dos contratos realizados posteriormente a dezembro de 2012. E ainda, até que se cumpram essas metas do PNE, a educação deve receber 50% dos recursos do Fundo Social, vinculado à exploração do pré-sal. No modelo atual, parte da riqueza pública do pré-sal precisa ser aplicada na educação, construindo um novo futuro. Pois não é que esse governo quer mudar as regras do pré-sal e diminuir os gastos com educação? Que Brasil esse governo quer construir?
O levantamento avalia o que teria ocorrido com as verbas da educação – sem considerar os orçamentos estaduais e municipais – se esses limites vigorassem desde 2005. As perdas teriam sido astronômicas! Depois dessas restrições aplicadas por apenas uma década, a educação, em 2015, receberia menos de R$ 25 bilhões. Isso é aproximadamente um quarto do orçamento real efetivamente realizado no ano passado. Ao longo dessa década, o setor teria perdido R$ 350 bilhões. Impossível pensar no conjunto das consequências para a sociedade, mas podemos perceber que teria sido negada toda a expansão da rede de ensino e das vagas que se verificou, da creche à pós-graduação.
Efeitos para a Seguridade: involução
A Constituição prevê que a seguridade social é um “conjunto integrado de ações [...] destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. A PEC 241 quer transformar a seguridade em um sistema para garantir superávits primários. Além de uma inversão total do mandamento do constituinte, é uma involução civilizatória.
Na Previdência Social, limitar o reajuste apenas à correção da inflação exigirá a adoção de muitas medidas redutoras de direitos. Uma delas é a garantia da correção inflacionária para manter o valor de compra dos benefícios. Manter esse direito já representaria esgotar o limite de expansão dessa despesa. Então, ou os reajustes serão menores do que a inflação, ou será necessário ampliar carências e exigências para diminuir drasticamente o acesso a novos benefícios, fazendo que o quantitativo destes fique equivalente ao de cessados por falecimento ou outras causas de encerramento do direito.
A população brasileira cresce e o número de idosos também. Nas próximas duas décadas, a quantidade de pessoas com mais de 60 anos crescerá de 23,9 milhões para 47,6 milhões (3,5% ao ano). Nenhuma reforma justa permitirá manter inalterado o número de beneficiários. Estabelecer idade mínima ou aumentar o tempo de contribuição será insuficiente para esse resultado. Somente uma reforma que torne inalcançável o direito poderia satisfazer essa estabilidade. As novas exigências precisarão, na prática, quase que excluir do trabalhador seu direito previdenciário. Pode-se esquecer o modelo atual, que reduz a maior parte da miséria para a população de idade mais avançada.
E não é só. A garantia do salário mínimo como piso do valor dos benefícios combinado com as valorizações reais do mínimo ampliam os gastos previdenciários. Esses aumentos reais custam R$ 2,1 bilhões para cada R$ 10 concedidos (pelos parâmetros de 2016). Assim, limitar as despesas à inflação significa o fim a política de valorização do salário mínimo ou de sua vinculação como piso de valor de benefícios. A julgar pela natureza da reforma, será o fim de ambas as garantias. O mesmo deve ocorrer em relação aos benefícios do FAT (seguro-desemprego e abono salarial). Não por outro motivo, uma proposta já anunciada pelo governo é acabar com o abono salarial, um benefício distribuído aos trabalhadores de menor renda em nosso país.
Na saúde, limitar os recursos à reposição inflacionária agravará o quadro de subfinanciamento. Se o valor é, do ponto de vista real, constante e há aumento populacional, o montante per capita aplicado no setor será cada vez menor.
Muitas das transferências da saúde realizadas do governo federal para estados e municípios têm a população como critério direto; para outras, essa referência é indireta. Nos próximos vinte anos, a população aumentará de 206,1 milhões para 226,9 milhões, segundo estimativas do IBGE. São 10,1% de crescimento. Como o gasto total estará limitado ao aumento de preços, será preciso escolher entre garantir a correção da inflação ou ajustar as despesas de acordo com o crescimento populacional.
Além disso, a proposta revoga duas medidas que determinam o crescimento do volume de recursos a ser aplicado em saúde. O primeiro é a vinculação dos gastos mínimos à receita corrente, que deverá crescer até atingir o percentual de 15%. O segundo é a aplicação de recursos dos royalties de exploração das riquezas do pré-sal. São medidas adotadas para diminuir o subfinanciamento do setor. Se aprovada a emenda de limitação das despesas, nem a recuperação da economia nem as riquezas produzidas com a exploração do pré-sal ampliarão os recursos para a saúde.
Essa redução é a negação da saúde como direito de todos e dever do Estado. Representa uma rápida precarização dos serviços de saúde, uma afronta a princípios como o da universalidade da cobertura e do atendimento. Se a cobertura e o atendimento do SUS serão inferiores às exigências e aos patamares reclamados pela sociedade, essa PEC realiza o sonho das operadoras de planos de saúde complementar. Negar o atendimento público em um serviço incontornável é criar uma reserva de mercado para o setor privado de saúde.
Em um exercício similar ao realizado para a educação, a PEC, aplicada nos últimos dez anos, teria reduzido o orçamento da saúde em 2015 em quase 40%. Em vez dos R$ 100 bilhões aplicados, teriam sido gastos menos de R$ 60 bilhões.
Na assistência social não será diferente – as mudanças também desconstroem a cidadania. O teto de gastos, e não a necessidade das pessoas, será o parâmetro definidor da ação estatal. E, da mesma forma que na Previdência, os benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) não poderão continuar referenciados no salário mínimo. Nos últimos dez anos, o volume de pessoas que recebem esses benefícios cresceu de 2,8 milhões para 4,4 milhões – 58% a mais. As regras não mudaram nem a população cresceu nessa proporção. No entanto, mais de 2 milhões de famílias alcançaram melhores patamares de cidadania porque esse direito não lhes foi negado.
Com a limitação de despesas, como serão tratadas as famílias com crianças com microcefalia? Esse é apenas um dos múltiplos eventos que podem expandir o público-alvo desses programas, mesmo sem nenhuma mudança nas regras. Elas têm direito à cobertura do benefício da Loas para famílias com pessoas com deficiência. Como proceder diante da limitação de despesas? O caminho será impor restrições ao acesso.
Outra inversão se dará no Bolsa Família. Hoje os governos praticam a busca ativa, procurando os segmentos sociais que têm direito aos benefícios. Com o limite, é muito provável que o governo federal recompense os municípios que diminuírem os beneficiados, não que os busquem.
Assim, a aprovação desse limite de despesas exige muitas outras reformas. O governo golpista está apenas iniciando mais uma perversa jornada de desestruturação dos direitos sociais e de desconstrução da capacidade de o Estado intervir na economia.
Em gráfico fizemos uma simulação para os próximos anos para o conjunto dos gastos federais. Reproduzindo a proposta, à saúde e à educação fica assegurada a correção das despesas pela inflação. Em relação à Previdência, o cenário é de que haja uma reforma tão dura que consiga manter os gastos em relação ao PIB.
Se tudo der certo e a economia voltar a crescer em uma média anual de 2%, os gastos com saúde e educação cairão de 1,7% de hoje para 1,1%, em vinte anos. Mas o que ocorre com as demais despesas públicas, para as quais não há nenhuma garantia, é uma grande redução. Dos atuais 8,5% do PIB, restarão apenas 3,5%. Compõem esse conjunto despesas com agricultura, assistência social, trabalho, poderes, administração e despesas de pessoal, todos os subsídios do transporte, energia, segurança e defesa, reforma agrária, saneamento e gestão ambiental, habitação, urbanização e mobilidade urbana, cultura, ciência e tecnologia, direitos de cidadania, entre outros.
A título de conclusão, pelo menos outros três pontos precisam ser ressaltados.
Primeiro, o governo golpista insiste em fazer os ajustes pela redução de direitos e pela restrição dos serviços públicos prestados à sociedade. Esses gastos representam a maior parte das despesas primárias, que estão sendo todas limitadas. Por sua vez, os gastos financeiros não sofrem nenhuma restrição. Essa opção condena os segmentos sociais mais desprotegidos. São os que mais vão perder direitos e os maiores prejudicados pelas restrições impostas às políticas públicas.
Segundo, o governo ignora medidas que poderiam resultar em maior justiça social, especialmente no campo tributário. Foram afastadas as soluções como a taxação de grandes fortunas ou das maiores heranças. Perde-se a oportunidade de acertar as contas com segmentos sociais e econômicos que ganham muito, sempre, mesmo com a crise, e estão submetidos à menor carga tributária direta, aquela que incide sobre patrimônio e rendas.
Terceiro, os gastos financeiros – e não os direitos das pessoas – representam o maior gargalo das contas públicas. A dívida pública brasileira não é grande comparada com a dos demais países, mas a conta de juros é desproporcional. O Brasil paga as maiores taxas de juros do mundo. Somente nessa conta, em 2013, foram R$ 248,9 bilhões; em 2014, R$ 311,4 bilhões; e, em 2015, ela cresceu 61%, para R$ 501,8 bilhões. Mesmo em relação ao PIB, esses números passaram de 4,83%, em 2013, para 8,50%, em 2015. No ano passado, a despesa com juros superou aquelas com benefícios previdenciários, por exemplo, que foi de R$ 436,1 bilhões. Esse governo, porém, elege como prioridade cortar os direitos dos trabalhadores para manter intocável a felicidade dos rentistas.
[1] Estão excluídas despesas relativas à repartição de receita; complementação do valor mínimo por aluno previsto no Fundeb; créditos extraordinários (criados por medidas provisórias); despesas com a realização de eleições; e despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes.
[2] Esses limites ficarão inalterados por pelo menos dez anos. A partir daí, o presidente da República – e somente ele – poderá propor um projeto de lei alterando esses limites. Necessariamente outro limite vigorará pela década remanescente. Nem mesmo a sociedade, por um projeto de iniciativa popular, poderá alterar o limite.
* Flávio Tonelli Vaz é assessor técnico da Câmara dos Deputados, formado em Direito e especialista em orçamentos e políticas públicas. Publicado originalmente na edição de agosto do jornal “Le Monde Diplomatique Brasil”
Comunicação SEESP
Desde esta quarta-feira (24/08), os terminais de autoatendimento (TAA) do Banco do Brasil, em todo o País, serão habilitados, gradativamente, para a recarga do Bilhete Único da SPTrans (Secretaria Municipal de Transportes de São Paulo). Além da rede de TAA, que conta com mais de 42 mil pontos, o serviço também estará disponível no aplicativo mobile do BB, a partir de 15 de setembro. A iniciativa é inédita e o Banco do Brasil passa a ser a única instituição financeira a oferecer essa funcionalidade a seus clientes.
O Bilhete Único, em São Paulo, é um cartão para a compra de crédito Comum, Estudante e Vale-Transporte, para utilização em ônibus, micro-ônibus e trens do Metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). A cerimônia para oficializar a parceria com o BB ocorreu hoje, com a presença de: Júlio Cezar Alves de Oliveira, vice-presidente de governo do BB; Carlos Netto, diretor de distribuição São Paulo do BB e Jilmar Tatto, secretário municipal de transportes.
"Essa inovadora solução foca a melhoria da experiência dos clientes, usabilidade e eficiência. Tudo bastante afinado com a preocupação da SPTrans. E o Banco do Brasil segue determinado a desenvolver soluções que auxiliem na busca da maior eficiência para o Setor Público", explica Júlio Cezar Alves de Oliveira, Vice-Presidente de Governo do BB.
O BB calcula um público potencial de 2,5 milhões de usuários. Os créditos adquiridos através de TAA ou do Aplicativo BB deverão ser ativados em um carregador e, após esse procedimento, estarão prontos para uso.
Bilhete Único
Existem as seguintes modalidades de Bilhete Único: Comum, Estudante (meia tarifa), Estudante (Passe Livre), Vale Transporte, Mensal, Semanal, Diário, Especial - Idoso e Especial – Pessoa com Deficiência, sendo que essas duas últimas são gratuitas e não há a necessidade de carregar os cartões.
Os cartões temporais (Mensal, Semanal e Diário) podem ser utilizados apenas por aqueles que possuem o modelo novo do Bilhete Único. O novo modelo do Bilhete Único é dividido entre cadastrados (com nome e foto) e sem cadastro (anônimo). Os créditos mensais podem ser comprados apenas por quem possui o novo cartão cadastrado, ou seja, com nome e foto. Temporariamente, como medida antifraude, os créditos semanal e diário também estão sendo vendidos apenas para cartões cadastrados.
Atualmente, 94% dos embarques realizados nos ônibus são pagos com Bilhete Único de todas as modalidades.
Sistema de transporte
O sistema municipal de transportes, em SP, tem uma frota de 14.736 ônibus que operam em 1.390 linhas, incluindo 151 do serviço Noturno. Cerca de 10 milhões de embarques são realizados diariamente nos ônibus municipais.
Fonte: Site do Banco do Brasil
Em assembleia realizada na manhã desta quarta-feira (24/08) os trabalhadores na Mercedes-Benz, em São Bernardo, aprovaram a proposta negociada entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a empresa, que suspende a demissão de mais de dois mil trabalhadores anunciadas pela fábrica no início do mês. Pelo acordo, a empresa abrirá um novo Programa de Demissão Voluntária (PDV) com meta de adesão de 1.400 trabalhadores. Atingido este número, a fábrica compromete-se a gerenciar o restante do excedente utilizando mecanismos como o layoff e fica garantida a estabilidade até dezembro de 2017.
Apontar a transformação do trabalho e suas relações parece ser tarefa simples para quem viveu os últimos 40 anos. Pode ser feita pela simples indicação das experiências decorrentes dos avanços produzidos pela tecnologia da informação ou, de outra maneira, sistematizada, tomando-se um maior corte de tempo, segundo um critério histórico-temporal, mediante um olhar sobre a evolução da organização dos sistemas produtivo, isto é, de suas fases pré-industrial, industrial e pós-industrial.
Na fase do desenvolvimento do capitalismo industrial, no ápice da teoria liberal[1], em sua maioria, o trabalho implicava uma condição degradante, na qual trabalhadores eram submetidos a jornadas exaustivas, em ambientes insalubres, perigosos; não detinham direitos e poder de reivindicação, mulheres eram discriminadas, e crianças, exploradas.
Desse contexto histórico decorre o início dos protestos e revoltas contra o sistema de exploração imposto pelo capitalismo da revolução industrial, fomentando as primeiras críticas à alienação do trabalho. A relação de trabalho subordinado transforma-se na força motriz do processo produtivo desta sociedade. Grandes corporações surgem com poder tão grande e ameaçador como o próprio Estado. Cidades são construídas em torno da grande indústria promovendo a formação de conglomerados urbanos de operários[2]. Formava-se uma consciência de classe, conclamando mudanças nos rumos econômicos e, sobretudo jurídicos e, ainda, revelando a inevitável falência do sistema liberal. O Direito do Trabalho, portanto, se firma como um contraponto, um sistema de contrafreio, projetado para equilibrar a relação entre capital e trabalho.
Com isso, um processo regulatório-adaptativo se estabelece: na medida em que os meios produtivos evoluem, as leis trabalhistas o acompanham. Por exemplo, se a energia possibilitou o trabalho noturno e, por decorrência, um aumento desproporcional jornada, em contraponto, o Direito do Trabalho vinha regulamentar a questão — note-se que nesse caso passou a ditar o próprio ritmo da vida (oito horas de trabalho, oito horas de descanso, oito horas de sono); se um ambiente se mostrava nocivo em razão da descoberta de um novo produto químico, também a legislação trabalhista estabelecia medidas protetivas.
O avanço entre legislação, tecnologia e sociedade, porém, é notoriamente desigual. Aquele ambiente de trabalho, antes previsível, no qual um trabalhador podia passar uma vida inteira prestando serviços a um mesmo empregador, começa a se desfazer. O mundo se torna um lugar menor com a globalização, e os elementos de estabilidade se desfazem. A característica é a fragmentação proporcionada por novos modos de produzir, organizar o trabalho e reger os conflitos. Todo esse processo de transformação se deu e se processa muito rapidamente.
Ao explicar a transição para a fase pós-industrial, Domenico de Masi conclui se tratar não de uma pequena mudança de paradigma, onde velhos problemas se tornam novos e mais complexos, mas de uma verdadeira modificação, em escala mundial, para um modelo novo de sociedade.
O ambiente clássico do local de trabalho fixado em um local predeterminado, usualmente em grandes galpões, estabelecido nos centros urbanos, teve o seu paradigma quebrado, já que a prestação de serviços pode ser executada em qualquer parte do mundo. Mais do que isso, o processo de ruptura é maior, pois diz respeito à mudança também da essência da antiga relação bilateral de trabalho subordinado. A parasubordinação[3] deu um primeiro golpe no eixo central do principal fundamento do contrato de emprego. O surgimento da figura do pequeno empreendedor criou um sujeito estranho, que transita livremente nas duas posições, ora parece um empregado, ora um empresário, às vezes uma figura híbrida, que vai minando com a estrutura tradicional regulada pelo Direito do Trabalho — o subordinado.
O modelo regulatório-adaptativo do Direito do Trabalho, então, entra em colapso. A promessa de velocidade normativa, a ser produzida pela adoção de um sistema de consolidação de leis, em detrimento a opção da codificação, sucumbe a esta nova realidade.
Apesar de todo o processo de transformação ocorrido, em especial no universo do trabalho, o antagonismo de interesses presente na relação capital trabalho se manteve intocado. A manutenção desse antagonismo parece estar ligada a um estado maior inerente a um modelo conflitivo de sociedade, conforme Márcio Pugliese[4].
Da mesma maneira como ocorre na relação de emprego, o conflito permanece presente, também, com seus representantes ou grupos de pressão, tais como as federações dos empregados e empregadores, confederações, sindicados, centrais sindicais, associações e na própria Justiça do Trabalho.
O Direito do Trabalho tem por definição clássica, conforme proposição de Octavio Bueno Magano, ser um conjunto de princípios e normas direcionadas à relação de trabalho, com o objetivo de melhorar a “condição social do trabalhador”[5], assumindo função protetiva, intrinsecamente ligada à questão social e atribuindo ao empregado a qualidade de hipossuficiente e, consequentemente, ao empregador a de parte mais forte na relação. Parte da premissa, portanto, da vulnerabilidade de uma das partes, aceitando uma desigualdade real, em distinção a outras áreas fundadas na isonomia entre partes.
Esse fator promove diferença significativa com outras áreas do Direito, isto é, neste caso, na forma como essas áreas tratam o contrato e manifestação da vontade dele emanada. No Direito comum, a vontade das partes é soberana, assim como as condições contratualmente celebradas; na área trabalhista essa manifestação é relativizada, o espaço contratual é reduzido a situações não tangentes àquelas disposições tidas como de proteção ao trabalho; à realidade fática prevalece sobre os institutos contratuais — princípio da primazia da realidade.
Outro traço marcante distintivo reside na constatação de ter o ordenamento jurídico trabalhista consagrado[6] fontes diversas da lei, quais sejam, a jurisprudência, analogia, equidade, princípios e normas gerais de direito, em especial, de caráter trabalhista, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o Direito Comparado. Por seu turno, no Direito comum há uma tendência à adstrição a lei como fonte.
Esse conjunto de diferenças concernentes ao Direito do Trabalho, em especial a valorização dos princípios e jurisprudência, portanto, resultam numa proposta diferenciada em comparação com outras áreas do Direito no tocante a proposição positivista.
Feitas essas considerações sobre as particularidades do Direito do Trabalho retomemos, então, a questão das ameaças promovidas pela “sociedade ilíquida”[7]. As transformações operadas no sistema produtivo, decorrentes da tecnologia da informação, automação, organização do trabalho, por ameaçarem o núcleo de proteção do Direito do Trabalho subordinado e suas instituições, impulsionaram o Direito do Trabalho a adaptar-se em relação ao seu modelo de atuação. O Direito do Trabalho passou a maximizar a aplicação de princípios e da jurisprudência, frente às normas escritas, utilizando-se da justificativa da proteção aos direitos dos trabalhadores, mas por uma via não tão convergente a doutrina positivista.
Para refletir sobre a ponderação, tomemos como exemplo o tema da terceirização. Não obstante se encontrar dentro do eixo fundamental de tutela (proteção ao trabalho subordinado), não há atualmente uma conceituação legal sobre essa matéria. Diante da omissão legal sobre o tema, a principal construção intelectual referente à terceirização trabalhista é a Súmula 331 do TST, que, em síntese, estabelece duas as premissas necessárias ao respaldo da terceirização: (i) que o serviço seja especializado e ligado tão-somente a atividade-meio do tomador (sem, contudo, que tenhamos clara a definição); (ii) que não haja, na relação em questão, pessoalidade e subordinação direta do empregado terceirizado quanto à empresa tomadora. Verificando-se qualquer infração, nesse âmbito, forma-se o vínculo empregatício diretamente com a pessoa jurídica que efetivamente se utilizou da mão de obra, ou seja, a empresa tomadora.
A grande polêmica do tema, porém, reside na questão do que vem a ser atividade-meio ou, por outro ângulo, atividade-fim, conceitos diametralmente opostos e essenciais para a definição dos serviços que podem ser licitamente terceirizados. A ausência de uma norma positivada disciplinando integralmente a terceirização tem provocado grande celeuma. Por um lado, na perspectiva empresarial, argumenta-se sobre a insegurança jurídica — ainda que terceirize atividades compreendidas como meio, não há maiores obstáculos a modificações de entendimento jurisprudenciais, com consequência de efeitos financeiros retroativos, pois tudo está em meio a uma grande zona cinzenta; contrariedade à tendência mundial irreversível de especialização da atividade produtiva, com ganhos em qualidade, competitividade e produtividade. De outro, os trabalhadores argumentam que haverá redução de direitos trabalhistas e conquistas sociais adquiridas. Mas, a questão vai além!
Nos anos 1990, duas leis foram promulgadas sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. Uma instituindo um regime geral, e outra sobre serviços de telecomunicações. Ambas[8] abordaram a possibilidade de contratação de terceiros, para o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a de projetos associados.
Nas duas hipóteses o posicionamento dos tribunais trabalhistas e do Tribunal Superior do Trabalho foi no sentido de promover os efeitos de aplicação do conteúdo da Súmula 331, ainda que de maneira contrária ao texto legal. Esse posicionamento da Justiça do Trabalho, frequentemente verificado em outros casos, expõe saída dessa ordem jurídica pela prevalência de outras fontes positivadas, que não as de direito material, ou seja, da própria lei, num sentido de transformar a própria ordem social.
O contraponto deste modelo “sui generis” é que o sistema de pesos e contra freios proposto pela teoria da separação de poderes fica completamente fragilizado. O fruto da produção legislativa, produzido regular e democraticamente tende a ser estigmatizado, colocado de lado e não praticado.
Além disso, o posicionamento judicial trabalhista, que já é proposital e naturalmente tendencioso, passa a transmitir a sensação de um ativismo judicial, contrário ao bom senso, a equidade, criando um arcabouço de decisões desproporcionais, assim como descrito na obra Cadáveres Adiados, de Rui Cunha Martins, cujo conteúdo transcrevemos adiante:
“Em conclusão: (i) o sistema jurídico tem de decidir se quer ser o redentor de promessas incumpridas patrocinando a vingança popular face à desigualdade socioeconômica persistente por intermédio do sacrifício dos privilegiados, algo que o sistema econômico nunca foi capaz de levar a cabo; se persistir neste caminho arrisca-se a ser o idiota útil de serviço[9]”.
Naturalmente, a repetição dessa forma de sentenciar criou um padrão de resposta judicial, em que a transposição ao direito positivado encontra maior liberdade, desde que favorável ao trabalhador. O reflexo dessa tendência é que os elementos de fundamentação, assim, ampliam-se em relação ao universo do direito abarcando soluções inerentes a economia, antropologia, sociologia, direitos humanos e outras áreas de conexão com o Direito, mas, muitas vezes, sem uma mínima aplicação técnica, afastando-se do caminho da ciência judicial ou de uma teoria de direito, seja ela ao viés positivista de Kelsen, Hart ou na formulação de Dworkin.
Ao final do dia, então, nos deparamos com uma aporia. O Direito do Trabalho subordinado tem seu núcleo fundamental ligado à proteção da relação de emprego e, em especial, ao empregado, parte vulnerável nessa relação. A relação emprego é composta de empregado e empregador; o Direito do Trabalho cria modelos adaptativos para se ajustar ao ritmo de mudanças proporcionadas pelo sistema produtivo; mas, paradoxalmente, os modelos criados, e em especial as saídas usadas pelo Judiciário frente ao conflito, afetam a realidade dessas partes, criando desequilíbrios e insegurança, a ponto de pôr em risco a ordem própria dessa relação.
[1] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de Direito do Trabalho: teoria geral do direito do trabalho, volume I: Parte I. São Paulo: LTr, 2011, pg 221.
[2] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho: Mauricio Godinho Delgado. 6ª Ed. São Paulo: LTr, 2007, pg 86 e segs.
[3] O trabalho parassubordinado é uma categoria intermediária entre o autônomo e o subordinado, abrangendo tipos de trabalho que não se enquadram exatamente em uma das duas modalidades tradicionais, entre as quais se situa como a representação comercial, o trabalho dos profissionais liberais e outras atividades atípicas, nas quais o trabalho é prestado com pessoalidade, continuidade e coordenação. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho, 26ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 560.
[4] PUGLIESE, Márcio. Teoria do direito / Márcio Pugliese. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pg. 15.
[5] MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. Parte Geral. 4ª Ed. São Paulo: LTr, 1991, p.59.
[7] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. Tradução, Plínio Dentzien, pg. 51.
[8] A Lei 8.987/95 abordou a terceirização mediante seguinte redação: Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade. § 1o Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados.
Por seu turno a Lei 9.472/95 prevê: Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência: II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.
[9] MARTINS, Rui Cunha. A hora dos cadavers adiados: corrupção, expectative e processo penal / Rui Cunha Martins. São Paulo: Atlas, 2013, pg. 77.
* Marcel Tadeu Alves da Silva é advogado especializado em Direito do Trabalho e sócio do Peixoto e Cury Advogados