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Tarifa zero em tempos eleitorais

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Jurandir Fernandes

 

Das 108 cidades brasileiras com tarifa zero, 71% têm menos de 50 mil habitantes e em torno de dez ônibus operando no transporte público. A maior é Caucaia, com 355 mil habitantes e 70 ônibus. A cidade de São Paulo, com 12,5 milhões de habitantes, é 35 vezes mais populosa que Caucaia. No entanto, sua frota, de 13.289 ônibus, é 190 vezes maior. E mais: Caucaia não tem metrô e trens como São Paulo. Se todos os passageiros da Capital dependessem só do modal ônibus, o tamanho da frota seria superior a 300 vezes o de Caucaia.

 

Esse exemplo confirma o caráter exponencial do número de viagens em função da população. Para os que ignoram isso, São Paulo teria necessidade apenas de uma frota 35 vezes

maior que a de Caucaia, de acordo com as populações de ambas as cidades. Essa visão leva a erros grosseiros.

 

Francisco Christovam, secretário executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), em seu artigo “Tarifa zero: política social ou modismo”, comenta que “na maioria das cidades que adotou a tarifa zero, os recursos necessários para bancar essa prática comprometem, no máximo, 3% do orçamento anual do município.”

 

Um parágrafo abaixo ele explica que “em cidades com população superior a um milhão de habitantes [...] o comprometimento do orçamento público pode chegar a 5% ou mais. A título de exemplo, “na cidade de São Paulo, com uma população de cerca de 12,5 milhões de habitantes [..], a eventual adoção da tarifa zero poderá comprometer de 15 a 20% do orçamento municipal, se não houver recursos provenientes de receitas extraordinárias ou com origem em novas fontes de custeio”.

 

Numa leitura apressada, muitos defendem que a tarifa zero compromete no máximo 3% do orçamento municipal. Esquecem de citar este último parágrafo no mesmo artigo.

 

De acordo com o Portal da Transparência da Prefeitura, em 2023, o orçamento da Capital foi de R$ 95,37 bilhões. No mesmo ano, a receita tarifária arrecadada no transporte coletivo foi de R$ 4,88 bilhões, e a Prefeitura complementou com um subsídio de R$ 5,55 bilhões. Portanto, o custo total do transporte público foi de R$ 10,43 bilhões, correspondendo a 11% do orçamento municipal.

 

Coloquemos os valores acima num ambiente de tarifa zero. Novos ônibus deverão ser adquiridos para cobrir o aumento da demanda. Em todas as cidades isso ocorreu. Houve casos em que a demanda mais que quadruplicou (vide tabela).

 

Como será o comportamento da demanda na cidade de São Paulo? Os proponentes da tarifa zero analisaram o cenário em que o Estado não adota a tarifa zero no metrô, trens e ônibus metropolitanos?  Nesse caso, qual a previsão de aumento da demanda com a migração de parte dos passageiros dos sistemas estaduais para os ônibus da Capital?  Dentre os 108 municípios com tarifa zero, quantos compartilham sistemas estaduais ou federais?

 

 

O cenário que comento a seguir, apesar de conservador, comprometerá no mínimo mais de 15% do orçamento da cidade de São Paulo, algo em torno de R$ 14 bilhões, considerando-se valores praticados em 2023.

 

Com o crescimento da demanda, o Prefeito terá duas alternativas: aumentar a oferta na mesma proporção ou correr o risco de deteriorar o serviço, principalmente nos horários de pico. Mantendo o nível de serviço, para um crescimento de 50% (modesto no caso de São Paulo, no cenário em que o Estado não aplica tarifa zero) a frota teria que incorporar 6.500 novos ônibus.

 

Desse total, quantos seriam elétricos, mantido o compromisso de eletrificação da frota paulistana? A infraestrutura existente (terminais, pátios, garagens, corredores) tem capacidade para receber esses 6.500 ônibus adicionais? A tarifa zero seria implantada e em seguida se adequaria a frota e a infraestrutura para a nova demanda? Ou os proponentes pensam em implantar a tarifa zero aos poucos? Nesse cenário, como pensam operar a integração com os demais bairros, metrôs e trens sem tarifa zero?

 

Os defensores da tarifa zero não discutem a condição metropolitana da cidade de São Paulo e seus 38 municípios satélites com sistemas de transportes locais. Ignoram também a inter-relação com os enormes sistemas de transportes gerenciados pelo governo estadual.

 

A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) tem o maior PIB per capita dentre as outras oito do Estado. Qual seria a reação do restante da população caso o governo estadual aportasse mais R$ 10 bilhões (estimativa conservadora da receita anual do Metrô, CPTM e do sistema de ônibus gerenciado pela EMTU) para que a região metropolitana mais rica tenha transporte totalmente gratuito? Já não bastam os bilionários (e necessários) investimentos nos sistemas sobre trilhos da RMSP? Já não bastam os subsídios para cobrir todas as gratuidades praticadas nas regiões metropolitanas? Que compensação recebem todos os demais paulistas que pagam os mesmos tributos estaduais?

 

A tarifa zero aplicada na RMSP, considerando apenas a capital e os três sistemas estaduais, custará no mínimo R$ 25 bilhões anuais aos cofres públicos. Quais são as fontes propostas para cobrir esse rombo? Qual o espaço político para aumentar a carga tributária atual? Qual o impacto econômico sobre os municípios conurbados sem tarifa zero? Essas são questões a serem debatidas.

 

 

Jurandir Fernandes foi secretário de Transportes de Campinas e secretário de Estado dos Transportes Metropolitanos de São Paulo. Coordena o Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade Urbana do SEESP e é membro do Conselho Internacional do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Conselho da Frente Parlamentar pelos Centros Urbanos de Brasília. É ainda vice-presidente honorário da Associação Internacional do Transporte Público (UITP/Bruxelas)

 

 

 

Imagem: Prefeitura Municipal de São Paulo / Arte - Eliel Almeida | Foto Jurandir Fernandes: Beatriz Arruda

 

 

 

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