Deborah Moreira e Rosângela Ribeiro Gil
Em 19 anos, de 1995 a 2014, foram acrescidos à malha ferroviária nacional 2.500km, número insuficiente para um país de dimensões continentais como o Brasil. Quem constata é o economista Antonio Pastori. Pesquisador na área, ele defende que o modal ferroviário seja usado de forma mais intensa para o transporte de cargas e de passageiros. Para tanto, a política nacional para o setor, classificada por Pastori como monopolista, deve mudar, e a sociedade deve ser chamada a discutir um novo modelo.
Ele apresentou um “inventário” das ferrovias brasileiras na 46ª reunião do Comitê Gestor do Conselho Tecnológico (CT) do SEESP, no dia 14 de outubro último, na sede do sindicato, na Capital paulista. Na data, o Conselho Assessor de Transportes e Mobilidade Urbana do CT recebeu, também no sindicato, José Manoel Ferreira Gonçalves, presidente da Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (Ferro Frente). Na pauta, audiências públicas no Congresso Nacional em Brasília para retomar os investimentos no modal em todo o País.
Apesar dos dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de 2009 apontarem que mais de 23 mil ferrovias concedidas estão em pleno uso, Pastori criticou: “Em boa parte dessa malha, vemos o mato crescer.” Ele explicou, inclusive, que mapa no site do órgão regulador contém erros, mostrando em atividade ferrovias sem uso ou não concluídas, e na apresentação do Programa de Investimentos em Logística (PIL) de 2012 foram incluídos trechos que ainda não foram construídos.
Da mesma forma, o lançamento da segunda etapa do PIL, em junho deste ano, que prevê investimentos de R$ 86,4 bilhões no setor, deixa a desejar. Gonçalves questionou a decisão nessa fase do programa de não se aproveitarem projetos já existentes, caso do corredor ferroviário bioceânico, que deve interligar Centro-Oeste e Norte do Brasil ao Peru, a um investimento de R$ 40 bilhões. Pastori concordou, lembrando que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) dispõe de um estudo relativo à obra, mas em outro trecho menor e que, portanto, exigiria menos recursos. E isso foi ignorado (leia matéria intitulada “Técnicos apontam deficiências em plano de logística”).
Além disso, salientou que não existe nenhum projeto que contemple o transporte ferroviário de passageiros no PIL 2. “Infelizmente o programa governamental só pensa em escoar commodities para os portos”, enfatizou Pastori. E acrescentou: “É plenamente possível o transporte de cargas conviver com o de passageiros nos trilhos.” Como exemplo, citou a experiência exitosa de ferrovia entre Vitória (ES) e Minas Gerais, onde trens de minério de ferro e de produtos siderúrgicos dividem espaço com os para locomoção de pessoas, sem problemas.
Retomar ferrovias
Segundo Pastori, apenas 4% dos deslocamentos de passageiros no País são feitos por trilhos, o que atende 10 milhões de pessoas. “É muito pouco, precisamos aproveitar melhor as malhas existentes e resgatar a cultura do transporte sobre trilhos”, realçou. E reforçou: “Oitenta por cento da população brasileira se concentram na área litorânea, mas não existe nenhum projeto do governo que preveja o transporte por trilhos nessa faixa. Por isso, continuaremos morrendo nas estradas.”
Também em relação a cargas, é preciso mudança. De acordo com Gonçalves, em São Paulo quase 90% são transportadas em caminhões. Já no Brasil esse índice cai para 70% por conta do transporte de minério de ferro via trilhos. Ele afirmou que pretende reunir mais dados consistentes para sensibilizar a opinião pública a partir de uma ampla campanha sobre a importância da intermodalidade e das ferrovias. “No Estado de São Paulo, acabamos com elas. A Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.) criminosamente foi extinta. Fizeram concessões sem exigência de contrapartidas”, lamentou.
De acordo com Gonçalves, a Ferro Frente entrou no dia 14 de outubro com uma Ação Civil Pública contra o governo federal para contestar os baixos investimentos e a perda de recursos com a construção da ferrovia Norte Sul, com 855 quilômetros, entre Palmas, no Tocantins, e Anápolis, em Goiás. “Até agora não passou nenhuma carga no trecho. Falta sinalizá-lo, fazer concessões e o pátio de manobra”, apontou.
Em concessões já existentes, conforme Pastori, o problema se repete: os investimentos estão estimados em apenas R$ 16 bilhões e devem abranger ampliação de tráfego, novos pátios, redução das interferências urbanas, duplicações, construção de novos ramais, ampliação e renovação de frotas e de equipamentos em vias e sinalizações. “São investimentos grandes que ficariam fora da lógica de lucro dessas empresas, por isso elas reivindicam a prorrogação dos contratos atuais (que vencem em 2026) por mais 30 anos.”
Diante desse quadro, Gonçalves destacou: “Nada melhor do que contar com o SEESP, que tem um papel protagonista nessa história porque vem ao longo de décadas atuando em defesa do profissional e da sociedade.”