Soraya Misleh
Diante das medidas anunciadas recentemente em relação a petróleo e gás, lideranças da área tecnológica e empresarial se reuniram para discutir ações em prol da soberania nacional. No encontro, realizado em 23 de janeiro, na sede da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), na Capital, o presidente do SEESP – que também está à frente da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) – conclamou os presentes à unidade em defesa da engenharia brasileira, na direção da retomada do crescimento e desenvolvimento.
Na visão de especialistas e técnicos da área, o oposto do que está sendo propugnado para a Petrobras, sob a falácia de que essa é a solução para sanar a situação financeira da companhia. Entre as medidas preocupantes, o anúncio de “programa de desinvestimentos” no total de US$ 34,6 bilhões até 2018, feito pelo atual presidente da empresa, Pedro Parente.
“A dívida da Petrobras, assim como todos os seus números, é expressiva (segundo dados oficiais relativos ao terceiro trimestre de 2016, situa-se em R$ 325,6 bilhões. Mas a mídia exagera. Afirma que a companhia está falida, quebrada, já era. Isso é mentira. A Petrobras tem hoje em caixa cerca de US$ 24 bilhões, segundo afirmaram seu diretor financeiro Ivan Monteiro e o próprio Pedro Parente há 15 dias, recursos suficientes para atender todos os seus compromissos nos próximos 30 meses, sem necessidade de captação no mercado financeiro”, enfatiza o engenheiro Ricardo Maranhão. Conselheiro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro e ex-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), agraciado com o prêmio Personalidade Profissional 2016 em Engenharia pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU), ele lembra que, em meio a essa falsa informação de falência, a empresa recebeu, pela terceira vez, o “maior prêmio concedido à indústria de petróleo”, o OTC Distinguished Achievement Award For Companies, Organizations – em reconhecimento às tecnologias de ponta desenvolvidas para a produção da camada pré-sal. Para Maranhão, outro exemplo de que a companhia não está quebrada é que continua a ter facilidades na obtenção de financiamentos e atratividade. Recentemente, observa, “a empresa lançou títulos no mercado americano. A ideia inicial era colocar US$ 2 bilhões. A receptividade foi tanta que esse volume passou a US$ 4 bilhões”.
Desnecessária e prejudicial
O especialista é categórico: “A venda de ativos é não só desnecessária, como prejudicial aos acionistas e trabalhadores da companhia, aos consumidores e ao País. E mesmo se fosse inevitável, está sendo feita na pior hora possível, em que os preços do barril de petróleo estão deprimidos e há excesso de ativos no mercado.”
Segundo ele, o corpo técnico apresentou diversas alternativas para equacionar a situação financeira, sem precisar recorrer à venda de ativos. Uma delas é explicitada por Diomédes Cesário da Silva, engenheiro de equipamentos da Petrobras há mais de 40 anos: alongar o perfil da dívida até 2021 e manter as atividades, garantindo geração de caixa, considerando também os resultados que advirão das plataformas novas. Agraciado pelo SEESP em 2016 com o prêmio Personalidade da Tecnologia em Energia, ele lamenta que essa solução, assim como os alertas feitos anteriormente ao Conselho de Administração da Petrobras não foram levados em conta. O corpo técnico enviou uma série de documentos e cartas no combate à ingerência política – inclusive “crachás de aluguel” (termo que empresta do professor da Universidade de São Paulo e ex-diretor da Petrobras Ildo Sauer, o qual define como pessoas da alta direção que receberam comissão de líderes políticos para atuar em defesa de interesses privados) – e ao mau planejamento, que culminaram na dívida atual.
O remédio anunciado não corrige esses equívocos, mas aprofunda: “O que está sendo feito é incorreto. Estão vendendo ativos estratégicos, como a malha de gasodutos entregue à multinacional Brookfield por cerca de US$ 5 bilhões. Mais de 90% dessa malha é utilizada pela própria Petrobras, para movimentação de gás. Cria-se um oligopólio privado, e a companhia ficará em suas mãos. Terá agora que pagar pelo uso. Pode-se alegar que seria possível construir outro ou recomprar no futuro. Seria refazer um investimento, e muito mais elevado”, aponta Cesário. Na mesma linha, estão sendo colocados à venda campos de petróleo em plena produção. “Para uma empresa australiana, querem vender Baúna, no Espírito Santo, cuja geração é de 45 mil barris por dia. Significará uma perda de receitas de US$ 1 bilhão. Como pagar dívida abrindo mão de receita?”, questiona Maranhão.
Conforme ele, o processo está recheado de ilegalidades. Fere princípios constitucionais e desconsidera o compromisso da Petrobras para com a sociedade – o que levou o Tribunal de Contas da União (TCU) a suspender algumas das operações previstas. “Pedro Parente mandou fechar a usina de biodiesel de Quixadá, no Ceará. Serão 170 desempregados, cerca de mil famílias de pequenos agricultores fornecedores da matéria-prima (mamona) desamparadas, aprofundamento dos desníveis regionais de desenvolvimento, uma ação contra a sustentabilidade. A região ficará mais pobre ainda”, critica o ex-presidente da Aepet. Outro exemplo negativo citado por ele é a venda da petroquímica de Suape, em Pernambuco, para a mexicana Alpek e a aprovação de projeto de lei do Senado que acaba com a exclusividade da Petrobras como operadora dos consórcios que atuarão na camada pré-sal. Descoberta em 2006 e já produzindo dois anos depois, segundo Maranhão, essa deve ter reservas em torno de 180 a 280 bilhões de barris de petróleo. “Estamos falando de algo entre US$ 18 e 28 trilhões. Vamos perder o controle sobre isso.”
Essas medidas vão ao encontro do Plano de Negócios e Gestão 2017-2021 da companhia, que, conforme Maranhão, retira sua atuação em áreas estratégicas – como biodiesel, petroquímica, gás natural e etanol. Ele vaticina: “Vai esvaziar e comprometer seu futuro. Não contribui em nada para a soberania nacional, aumenta a dependência de capital estrangeiro. Não tenho a menor dúvida de que, sob o eufemismo de ‘desinvestimento’, estão privatizando a Petrobras, aos pedaços.”
Nesse quadro, os trabalhadores são fortemente afetados. O clima é de insegurança, como ressalta o coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Zé Maria. A empresa abriu dois planos de demissão voluntária (PDVs), com o objetivo de alcançar 20 mil empregados, entre eles técnicos experientes. “Essa área congrega agora entre 45 e 50 mil, já saíram perto de 15 mil. Tal competência deve ser retida e passada aos jovens, não o contrário. A história mostra que após um grande PDV, aumentam os acidentes. Estão sepultando a engenharia brasileira. É preciso responsabilizar os gestores.”
Desnacionalização
César Prata, presidente do Conselho de Óleo e Gás da Abimaq, apresentou na reunião do dia 23 as preocupações principais do setor, todas vinculadas à perda de capacitação técnica e ausência de conteúdo local nos investimentos a serem feitos. A partir das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), explicou ele, companhias estrangeiras podem se instalar, explorar e processar petróleo no Brasil, com isenção de tributos. Citou como exemplo o caso de Pecém, no Ceará, em que se instituiu uma usina siderúrgica coreana. “Consomem matéria-prima local e depois exportam aço para a Coreia.” Segundo Prata, a linha do governo é “repetir essa receita em mais 21 projetos, como no Maranhão, com a China”. O representante da Abimaq criticou o programa de concessões à iniciativa privada, sem contrapartida para garantir os interesses nacionais. “Em petróleo, está havendo uma espécie de desnacionalização de tudo o que nos interessa.”
Ele citou ainda a discussão de um marco regulatório para o setor, cuja proposta inicial, que não asseguraria conteúdo local, foi bloqueada por iniciativa de uma coalizão formada por entidades da indústria do segmento. Denominado Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural (Pedefor), está agora em negociação. Outro problema diz respeito à isenção tributária total a companhias estrangeiras, a partir da proposta de renovação do Repetro. Instituído nos anos 1990, trata-se, segundo explicou Prata, de um regime para renúncia fiscal ao setor de petróleo. “Alertamos o governo que esse embute um viés importador, inclusive da engenharia.” Outro motivo de preocupação é o chamado waiver, relativo à liberação de se utilizar conteúdo local. “Isso afetou um monte de gente, com montanhas de encomendas e empregos passando por fora do País”, revelou Prata. Conforme informou o presidente do conselho da Abimaq, o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) entrou com ação judicial contra essa medida. Os presentes à reunião manifestaram apoio à medida e a disposição de se associarem a ela. Por fim, o anúncio feito em 11 de janeiro de que empresas nacionais não poderão participar da licitação relativa à retomada das obras de construção da unidade de processamento de gás do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Utilizando como pretexto a Operação Lava Jato, “a Petrobras convidou 30 empresas, todas estrangeiras”. Para Murilo, as investigações em curso devem continuar, mas não podem servir como justificativa para se abrir mão do patrimônio público e da engenharia nacional.
“Inaceitável.” Assim classificou essa medida, que considera o estopim que motiva uma luta fundamental, o coordenador da Frente Parlamentar Mista da Engenharia, deputado federal Ronaldo Lessa (PDT-AL). Salientando a importância da reunião na Abimaq, ele vaticinou: “Aqui começa a ‘Engenharia Unida’ (referência ao movimento lançado em março de 2016 pela FNE, que propugna por ampla coalizão em prol do País). O Congresso Nacional deve ser uma caixa de ressonância à sociedade das demandas necessárias. É importante essa aliança, essa inteligência subsidiar o Legislativo e contribuir (com a frente).”
Entre os encaminhamentos desse encontro estão: manutenção da engenharia unida; elaboração de manifesto contra o desmonte do segmento e com as reivindicações da categoria; informação sobre a situação do setor e a Petrobras; tentativa de envolver governadores dos estados; agendamento de reuniões com os ministérios de Minas e Energia e Fazenda, bem como com o Presidente da República; e um calendário de novos encontros. O próximo está marcado para 9 de fevereiro, em Brasília, aproveitando reunião da Frente Parlamentar. “Vamos utilizar esse palanque para intervir e apresentar saídas. Temos que preservar nossas empresas”, concluiu Murilo.
A companhia em números
O dado que tem sido divulgado é a dívida da Petrobras – no terceiro trimestre do ano passado, equivalente a R$ 325,6 bilhões. Porém, a situação da empresa não pode ser avaliada sem considerar o conjunto.
Conforme o engenheiro Ricardo Maranhão, a última gestão deixou em caixa US$ 24 bilhões. A empresa fechou 2016 com alta na exportação, recordes em produção, queda no endividamento líquido de 17%, novas plataformas e poços marítimos. Alguns números dessa gigante do petróleo:
• Reservas provadas* - 12,514 bilhões de barris de óleo equivalente
• Produção média no Brasil* - 2,63 milhões de barris de óleo equivalente por dia (na camada do pré-sal, 1,02 milhão/dia)
*Inclui gás natural
Fonte: Site da Petrobras