Marcos Dantas Depois de muitos anos de espera e luta, a primeira Confecom (Conferência Nacional de Comunicação) foi finalmente convocada, em abril último, pelo presidente Lula. Com etapas municipais (onde for possível), estaduais e, em dezembro, um grande encontro nacional, em Brasília, realiza-se já no final de um governo, cujo mandato de oito anos foi marcado por atitudes dúbias, alguns avanços e muitos recuos, no campo da comunicação. Os resultados da conferência, quaisquer que sejam, serão herdados pelo governo seguinte. A Confecom terá duas tarefas: discutir o grande contencioso regulatório, jamais resolvido desde a Constituição de 1988 e, ao mesmo tempo, trazer esse debate para os novos e difíceis problemas suscitados pela chamada convergência digital. O problema central pode ser explicado como se segue. A radiodifusão aberta, via frequências atmosféricas, é considerada um serviço de natureza pública, mesmo se concedido a pessoas privadas, regulado pelo velhíssimo Código de Comunicações de 1962 e sujeito aos princípios da Constituição, inclusive quanto a obrigações de caráter educacional e cultural. Também a velha telefonia fixa de par de cobre que não serve mais para nada, considerando as exigências atuais, é definida como sob regime público. Todos os demais serviços de comunicação, como a TV por assinatura, os oferecidos por operadoras de telefonia celular, o acesso e uso da Internet em banda larga etc., são considerados serviços de natureza privada, prestada por pessoas jurídicas de direito privado conforme as assim ditas leis do mercado. O número de assinantes de telefones fixos decai ano a ano. Nos principais países do mundo, do mesmo modo, a audiência da TV aberta está caindo aceleradamente, substituída pela TV paga, pelo celular, pela Internet. Significa dizer que, dentro de uma a duas décadas, os serviços em regime público terão desaparecido ou estarão moribundos, nos países centrais. No Brasil, pode acontecer mais um fenômeno próprio dessa sociedade tão desigual que temos: as comunicações modernas e avançadas, inclusive o acesso à Internet por banda larga, serão um direito, garantido pelo dinheiro, das camadas sociais mais ricas, enquanto aos mais pobres sobrará o telefone fixo, a precária lan house, o celular “pai de santo” (que só recebe) e uma televisão aberta cada vez mais popularesca e vulgar. No momento em que caem por terra alguns pilares do pensamento neoliberal, é hora de recuperar, também nas comunicações, o princípio do regime público. Ou seja, para garantir que, nos próximos anos, as comunicações avançadas estejam acessíveis também aos mais pobres e excluídos, há que se subordinar as novas redes e infraestruturas a um regime similar ao da antiga radiodifusão ou da telefonia fixa. Como não se trata mais de mera telefonia, mas de acesso, por essas redes, a canais de TV, portais de Internet, sítios de música etc., a produção e distribuição de conteúdos também precisará estar regulada de modo democrático, plural, conforme os maiores interesses nacionais. Não há porque a Globo ou a Record seguirem obedecendo a regras de regime público, e a Fox, ou a Warner, ou a HBO, ou a CNN, ou a Cartoon Network, ou o Yahoo! permanecerem completamente à margem de qualquer regulamentação e controle social. São questões difíceis de serem discutidas, até porque não temos tradição na formulação de políticas democráticas para as novas tecnologias. Muito provavelmente, soluções inovadoras serão necessárias para responder a novos problemas. Para isso, servirá a Confecom. Para isso, também, muito ajudarão os engenheiros. Como cidadãos brasileiros e como profissionais especializados, esses têm o que dizer e precisam começar a fazê-lo participando das reuniões e conferências da Confecom, inclusive na construção de suas teses. Não há comunicação sem trabalho de engenharia. Mas pode faltar trabalho para a engenharia nacional, se as soluções da comunicação ficarem em mãos de empresas produtoras e operadoras sediadas no exterior. Quem viveu a privatização da Telebrás há de lembrar disso.
Marcos Dantas é doutor em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), professor da Escola de Comunicação da UFRJ e consultor do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento” em Comunicações |