Jéssica Silva
O futuro do Comitê Gestor do Programa de Acompanhamento da Substituição de Frotas por Alternativas Mais Limpas (Comfrota) é incerto. Antes gerido pelas secretarias municipais do Verde e Meio Ambiente e de Transporte, este passou à gestão da nova Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas (Seclima), criada em dezembro de 2020 e oficializada em junho último. Não obstante, desde março não realiza reuniões.
O comitê, do qual o SEESP participa, foi criado para propor, estimular, acompanhar e fiscalizar a adoção de planos, projetos e ações que viabilizem o cumprimento do programa, previsto na Política de Mudança do Clima no Munícipio de São Paulo (Lei nº 14.933/2009) e regulamentado pela Lei nº 16.802/2018, que dispõe sobre a substituição da matriz dos combustíveis, estipulando duas metas principais.
A primeira, em dez anos a partir da vigência da lei (2028), designa a redução de 50% das emissões totais de dióxido de carbono (CO2) de origem fóssil, 90% de material particulado (MP) e 80% de óxidos de nitrogênio (NOx), com base nos dados de toda a frota em 2016. Já a segunda determina em 20 anos (até 2038) a redução de 100% das emissões totais de CO2 e de 95% de MP e NOx.
Segundo o secretário da Seclima, Antonio Fernando Pinheiro Pedro, a retomada das atividades do comitê sucederá reunião entre membros do governo ocorrida em setembro último. “Nós fizemos uma atualização. O Comfrota se tornou hoje um comitê de proposição de políticas públicas, de avaliação dos programas em execução, não tem a atribuição de fiscalização”, informa.
Ele também afirma que foram retiradas entidades que “não tinham participação objetiva dentro do comitê e introduzidas outras que são mais dedicadas à questão”. “Esperamos dessa forma ser mais efetivos e eficazes na busca de soluções para a mudança na matriz energética na frota de São Paulo”, externa Pinheiro.
Contudo, as alterações podem enfraquecer a participação da sociedade civil no comitê e o acompanhamento do programa como um todo. A avaliação é de Hélio Wicher Neto, coordenador de políticas públicas e advocacy do Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS).
O instituto tenta, desde julho último, manter a representação da Coalizão Respirar no Comfrota. A rede de organizações da sociedade civil que atua em conjunto no País pela qualidade do ar e no combate à mudança climática era representada pelo Greenpeace – que saiu, segundo Wicher Neto, devido a uma mudança interna da ONG. Mesmo com a indicação do Greenpeace e da Secretaria de Transportes, a Seclima não responde ao ISS, e a coalizão segue de fora.
O Comfrota, segundo artigo 50 da Lei nº 14.933/2009, inciso II, deve ser composto por representantes de organizações da sociedade civil que compõem o Comitê Municipal de Mudança do Clima, das secretarias e governo, bem como pelos operadores de transporte coletivo e empresas de coleta de lixo. “Como não tem critérios específicos, fica para o gestor fazer essa composição de forma discricionária, então eles fazem do jeito que querem”, critica o coordenador do instituto.
Quanto às competências do comitê, Wicher Neto comenta: “Integrar a sociedade civil é uma determinação da constituição do Estado.” O Comfrota, conforme a lei, deve “acompanhar permanentemente a evolução anual da melhoria ambiental das frotas individuais de cada operadora e da frota total do sistema municipal, no sentido de estabelecer, com antecipação, os arranjos necessários para garantir o efetivo cumprimento das metas”. Ele é categórico: “Isso é fiscalização.”
Na visão do SEESP, a contribuição dos agentes da sociedade civil organizada é substancial ao desenvolvimento do programa. “Ficamos na expectativa da nova gestão envolver mais as entidades que compõem o comitê. Como o tema é inerente às atribuições da nova pasta, esperamos que o assunto seja priorizado”, destaca Edilson Reis, diretor do sindicato e representante da entidade no Comfrota.
Plano e subsídio
Para transportar mais de 5 milhões de passageiros diariamente, o município de São Paulo conta hoje com uma frota de 13.948 ônibus que, com exceção de 201 trólebus e 18 elétricos a bateria, são movidos a diesel. Estes têm vida útil de dez anos, enquanto os elétricos operam por 15 e contarão, segundo a Seclima, com mais 2.400 unidades até 2024. Ainda assim, o número é aquém do esperado para cumprir as metas – seriam necessários em torno de mil ônibus elétricos por ano.
Além dos impactos da pandemia na economia, na visão do engenheiro Olímpio Álvares, representante da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) no Comfrota, as tecnologias alternativas ainda estão em desenvolvimento, portanto, as metas são “ousadas”, sobretudo o cronograma ano a ano de redução de emissão das concessionárias.
Ele chama atenção à falta de subsídios. “Um ônibus elétrico a bateria custa três vezes mais e não tem um mecanismo financeiro definido [no programa] para fazer essa operação gigantesca. Imagina você ter que trocar 100 ônibus por ano, são mais de R$ 140 milhões”, aponta Álvares. E defende: “O comandante desse processo de substituição de frota é o poder concedente, a Prefeitura, que tem que assumir sua responsabilidade perante a lei, com respaldo de organismos financeiros confiáveis, nacionais ou internacionais.”
Para Francisco Christovam, assessor especial do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss), apesar da lei, não há um “plano de ação que defina o papel de todos os agentes envolvidos, poder concedente, operadores, indústria, órgãos de financiamento e entidades de tecnologia”. Essa lacuna, como ressalta, é o que acarreta atrasos no cumprimento das metas. “O que nós temos é uma lei, o poder concedente dizendo cumpra-se e as empresas buscando atender da melhor forma possível”, relata.
Leia também artigo “A desventura do combustível alternativo”, de Francisco Christovam.
“A importância do Comfrota é exatamente não deixar a bomba estourar no final. Porque trata-se de uma mudança estrutural, se não acontece gradualmente de forma planejada, ela não vai ocorrer em dois ou três anos”, pondera Wiche Neto.
Mercado
Conforme noticiado pelo Jornal do Engenheiro na edição de maio, a implementação de ônibus elétricos tem sido vista como um dos caminhos para a redução de emissão de poluentes nas frotas paulistanas. No segmento, a empresa chinesa BYD vem se consolidando no mercado brasileiro, com fábrica em Campinas desde 2015.
Aumentando as possibilidades, em agosto último, a Mercedes-Benz anunciou a produção de ônibus não poluentes no País, com lançamento previsto para o segundo semestre de 2022. “Fizemos investimento de mais de R$ 100 milhões no desenvolvimento do nosso veículo elétrico, que é de entrada baixa, suspensão a ar, de 13,2 metros, projetado para atender as demandas de São Paulo”, detalha o gerente de Marketing de Produto Ônibus da Mercedes-Benz do Brasil, Curt Axthelm.
O Brasil ainda conta com a nacional Eletra, há 20 anos no mercado e responsável pela produção dos trólebus da Capital, que tem hoje mais de 350 ônibus elétricos em operação no País e desenvolveu o primeiro movido 100% a bateria do Brasil.
A tecnologia das baterias, que exige três horas para recarga total, garantindo autonomia operacional de 200km, é da empresa japonesa Mitsubishi Heavy Industries. Já a estrutura do veículo é produzida no Brasil. “Utilizamos os mesmos chassis disponíveis para os ônibus a diesel, sem motor e câmbio, mantendo todo o sistema original de freios, suspensão e pneumático. Desenvolvemos um sistema de tração elétrico que pode ser integrado a todos os chassis do mercado”, conta Iêda de Oliveira, diretora executiva da Eletra.
A empresa, segundo ela, tem capacidade de produção de 400 unidades por ano, podendo chegar a 1.000. Atua também na conversão de caminhões a diesel em veículos elétricos ou híbridos – tecnologia chamada retrofit. Para Oliveira, que é também diretora da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), que compõe o Comfrota, as fabricantes têm como desafio firmar o mercado no País, mostrando que a redução de emissão de poluentes da frota da cidade é possível.
“Temos de provar que nossos produtos são eficientes do ponto de vista econômico, tecnológico e ambiental. Mas há outro desafio: mostrar às lideranças políticas que a mudança da matriz energética da frota paulistana é um trabalho histórico”, avalia.
Foto do destaque na matéria: Divulgação Eletra