Rita Casaro
Engenheira mecânica formada em 2007, Ilka Segnini decidiu, após atuar como trainee e resolver se especializar, iniciar o mestrado em Acústica e Vibração na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A qualificação, concluída em 2012, abriria as portas para oportunidades na carreira e na vida. Desde 2014, ela está no Reino Unido, trabalhando para a Ford, primeiro como terceirizada e hoje contratada diretamente pela filial em Londres da empresa automobilística.
Tendo convivido com o machismo no Brasil, ela relata ter encontrado ambiente mais propício às mulheres na Europa. “A experiência que eu tive como engenheira foi bem diferente; me vejo mais parte do time aqui, muito mais respeitada. Sinto que as pessoas me tratam e me olham sem nenhum tipo de privilégio ou preconceito”, descreve.
Com um bebê de seis meses e em licença-maternidade que terá duração de um ano com salário integral – política que faz parte das iniciativas da Ford para atrair mulheres ao seu quadro de pessoal –, Segnini afirma não ter planos de voltar ao Brasil, também pelas melhores condições de vida do chamado Primeiro Mundo. “Nós estamos muito bem, muito seguros, a igualdade em geral é muito maior”, resume.
Apesar desse cenário favorável, mesmo na empresa receptiva à mão de obra feminina, ainda há o que avançar quando se fala em oportunidades na área de desenvolvimento ou nos cargos gerenciais. “A maioria são homens brancos”, lamenta ela nesta entrevista ao Jornal do Engenheiro. Confira a seguir e no vídeo ao final.
Como tem sido sua trajetória profissional?
Eu comecei a faculdade em 2003 e tinha vontade de me envolver com iniciação científica, então fiz projetos para entender um pouco mais de áreas diferentes. Fiz trainee na Weg, em Jaraguá do Sul, [no Norte de Santa Catarina], onde trabalhei num projeto de motores elétricos para aplicações especiais. Nesse tempo de trainee, eu percebi que realmente gostaria de me especializar. Fui para a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e fiz mestrado em Engenharia Acústica e de Vibração, o que abriu muitas portas. No Brasil e no mundo, existem muito poucos especialistas em vibração, o que se aplica em qualquer área que construa algum tipo de máquina ou projetos de construção civil. Com isso, eu comecei a trabalhar no campo de provas da Ford, em Tatuí, no interior de São Paulo, e aí começou minha trajetória dentro da área automobilística. Depois de três anos na Ford no Brasil, surgiu a oportunidade de vir para a Inglaterra. Eu e meu marido, que também é engenheiro mecânico, viemos para abraçar essa experiência, aprimorar a língua. Porque, mesmo sendo Ford, é diferente; os produtos brasileiros e europeus são diferentes, então enriqueceria nosso currículo e nossa experiência pessoal.
Quais as diferenças entre a experiência no Brasil e no Reino Unido?
A experiência que eu tive como engenheira foi bem diferente. Me vejo mais parte do time aqui, muito mais respeitada. Sinto que as pessoas me tratam e me olham sem nenhum tipo de privilégios ou preconceitos. No Brasil, se eu precisasse de alguma coisa, tinha pessoas que assumiam que era por ser mulher ou tinha muita gente se disponibilizando a ajudar porque queria ficar perto da mulher. Aqui, eu sinto um tratamento mais igual. Nunca escutei certos comentários que ouvi bastante no Brasil.
Você encontrou uma realidade mais positiva no que diz respeito a ser mulher, então?
Muito mais positiva do que eu esperava. Eu aprendi que muitas coisas que a gente passa no Brasil aqui são inadmissíveis. Por exemplo: você jamais vai a uma festa e alguém pega no seu cabelo. Isso é assédio, motivo para polícia. Havia uma obra sendo feita dentro da Ford, alguns homens [da empresa contratada] fizeram comentários a uma engenheira que estava passando, e toda a empresa foi demitida. Não tem espaço para isso. É uma diferença bem grande. Eu viajei para outras Fords e senti muita diferença. Na América do Sul, percebi muito machismo comparado com aqui. [Por exemplo,] chefes e gerentes que perguntam se eu tenho amigas bonitas. Jamais perguntariam isso para um homem, não é? E teve surpresas. Tive o privilégio de trabalhar na Índia com uma engenheira brilhante. Por um preconceito meu, não esperava [lá encontrar] outras mulheres engenheiras, mas ela ter escolhido a profissão de engenheira mecânica foi uma decepção para a família. Na China, vi outro mundo também. Conheci uma engenheira que tem um emprego super bom na Ford e sustenta a casa, enquanto o marido trabalha menos horas para cuidar do filho. Esperava uma sociedade mais machista e me surpreendi.
Quantitativamente a presença feminina e masculina é mais equilibrada?
Na engenharia em si, desenvolvimento, não. O time de Vibração e Acústica aqui tem umas 60 pessoas. Nós éramos duas engenheiras, com a minha licença-maternidade contrataram mais uma que vai acabar ficando. São três em 60! A maioria esmagadora são homens brancos.
E há esforço para ampliar esse contingente feminino?
Existe, e tenho muito orgulho de ter feito parte de alguns workshops organizados pela Ford para meninas adolescentes, para mostrar que elas podem ser engenheiras. É organizado e apresentado em cada área por mulheres, para mulheres. É muito positivo quando você consegue se enxergar em alguma coisa. E é isso que esse programa tenta fazer, assim como divulgar a Ford. Aqui, o mercado está muito em falta de engenheiros, então não adianta só focar em homens, mulheres são importantes. A Ford tem uma política de licença-maternidade excelente. Aqui [no Reino Unido} todas têm direito a um ano, mas quem paga é o governo, em torno de £150,00 por semana (aproximadamente R$ 1.000,00). A Ford paga um ano com salário integral, e isso é divulgado para atrair mulheres.
Existe empenho para a inclusão de outras minorias, além do aspecto de gênero?
A Ford aqui é uma mistura linda, trabalho com vários chineses e indianos. Entre os engenheiros, há mais imigrantes que britânicos, mas na gerência muda o cenário; a maioria vai ser de homens brancos, não se veem quase mulheres, imigrantes ou filhos de imigrantes.
Como será agora aliar a carreira à maternidade?
Esse é outro ponto super positivo daqui. Não é comum ter empregadas domésticas ou babás, isso não é para a classe média. As pessoas cuidam das suas casas, e as crianças acabam indo para a creche ou ficando com familiar. Então, com isso, os horários de trabalho são muito respeitados. Desculpe a grosseria, mas quando cada um tem que limpar sua própria privada, literalmente, do engenheiro ao diretor, muda o respeito à vida pessoal. Você não vai ser bem-visto como empregado do mês porque fez um monte de horas extras, mas sim se fez um bom trabalho. É muito comum, quando começa a escola, que é das 9h às 15h30, a mãe ou o pai levar a criança pela manhã e o outro buscar, então as empresas em geral são bastante flexíveis em ajustar os horários para [permitir] cuidar dos filhos.
No âmbito da sua família, foi fácil a adaptação à cultura de divisão de tarefas?
Meu marido foi muito bem educado por uma mãe que estuda gênero, então nunca, jamais, eu escutaria “isso é coisa de mulher, isso é coisa de homem”. O que acontece é que ele nunca precisou cuidar da casa porque tínhamos faxineira, mas a partir do momento em que chegamos aqui, isso é normal. Eu tenho muito orgulho de sair com meu filho e ver muitos pais cuidando dos filhos, e é muito gostoso pensar que vou poder mostrar isso para ele. Inclusive quando estávamos solicitando a residência, tem que fazer uma prova chamada “Life in UK” e há questões sobre isso: culturalmente se espera uma divisão de tarefas entre homem e mulher. E isso a gente percebe entre os amigos; homens falando sobre questões dos filhos, não só de futebol.
Qual sua perspectiva em relação à carreira? Pretende ficar no Reino Unido?
Nós estamos muito bem, muito seguros, nossa porta dá para a rua; a igualdade em geral é muito maior que no Brasil. Você vai a um restaurante e encontra gente de todas a profissões. E aqui estamos muito perto das principais empresas que fornecem softwares e equipamentos para a minha área, que são da Europa. Então temos seminários, estamos muito perto de pessoas-chave, você consegue conversar com professores de universidades importantes. Do jeito que as coisas estão, acho difícil a gente voltar.
Qual o seu recado para as meninas que sonham com a engenharia, mas podem temer um ambiente hostil?
Eu escutei muitas coisas ao longo da universidade, que meu lugar não era lá. Se você tem paixão por matemática e física, não importa se você é homem ou mulher, você pode. E se você tem instinto de liderança, você não é mandona, você tem perfil de líder. Coloque o pé na porta e corra atrás do seu sonho.
Foto do destaque: Ilka Segnini - Reprodução
Confira o vídeo da entrevista