Rita Casaro
o SEESP, que já declarou seu apoio e engajamento. A mobilização não se encerra no evento, estendendo-se às atividades do 1º de maio, Dia do Trabalhador, e às eleições de outubro próximo, já que o pacote de reivindicações será entregue também aos candidatos que disputam cargos executivos e legislativos neste ano.
Estabelecer uma base industrial sólida com a transformação do conhecimento em bens e serviços que gerem riqueza e propiciem empregos de qualidade, prosperidade e proteção social, além de combater as desigualdades e fortalecer a democracia e os movimentos sociais, notadamente a representação dos trabalhadores. Em linhas gerais, essa é a agenda a ser apresentada pelo movimento sindical neste dia 7 de abril, durante a realização da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat). Liderada pelas centrais – CUT, Força Sindical, UGT, CSB, CTB, Nova Central, Conlutas, Intersindicais e Pública –, a iniciativa deve ter ampla participação, agregando inclusive entidades independentes como
Fortemente convergente com o projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), o ideário prevê ainda uma estratégia de desenvolvimento fortemente coordenada e mobilizada pelo Estado em sintonia com o setor privado e a necessidade de transições ambiental, digital e energética, levando em conta tanto as transformações tecnológicas quanto a crise climática e o aquecimento global.
“Essa pauta buscará responder aos desafios do emprego, da proteção e dos direitos, da democracia e da vida. São esses quatro eixos que estão mobilizando um levantamento propositivo que recoloque o País numa perspectiva de crescimento com sustentabilidade econômica e socioambiental”, afirma o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, assessor do fórum das centrais sindicais. Ex-diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e defensor entusiasmado de um modelo de desenvolvimento e funcionamento social que seja radicalmente diferente do atual, ele enfatiza que, a partir da realização da Conclat, será fundamental o trabalho das entidades sindicais junto a suas bases para demonstrar a importância e a possibilidade de alterar os rumos do País.
Nesta entrevista ao Jornal do Engenheiro, Ganz Lucio destaca ainda os desafios do sindicalismo ao atuar num cenário de enormes mudanças no sistema produtivo. “Como organizar a representação dos 4 milhões de trabalhadores mediados por aplicativos ou dos 25 milhões de autônomos e por conta própria?”, questiona. Confira a seguir e no vídeo ao final.
A Conclat acontece neste dia 7 de abril, mas a mobilização não se encerra no evento. Quais são os próximos passos?
No dia 7 de abril é um evento de apresentação da "Pauta da Classe Trabalhadora". A partir daí, a concentração se desloca para a realização do 1º de maio e a preparação nos estados para que reúnam o movimento sindical local e organizem a incidência [dessa agenda] na base. Tanto a difusão e o debate com os trabalhadores e trabalhadoras quanto a apresentação [das propostas] aos candidatos [que concorrem ao Executivo e Legislativo em outubro]. Após as eleições, retoma a agenda na perspectiva, espero, de intervenção no debate propositivo e operacional. Transformar isso em uma agenda que tenha implementação efetiva a partir de 2023.
Essa mobilização acontece num momento socioeconômico dificílimo, com os problemas nacionais de estagnação, inflação, desemprego e pobreza agravados por dois anos de crise sanitária e, agora, as repercussões da guerra na Ucrânia. O que o movimento reivindica e propõe neste cenário?
Em torno de uma resposta unitária e articulada do movimento sindical, as centrais sindicais vão [divulgar] na Conclat a plataforma a ser apresentada à sociedade e aos candidatos. Essa pauta buscará responder aos desafios do emprego, da proteção e dos direitos, da democracia e da vida. São esses quatro eixos que estão mobilizando o levantamento propositivo para ser uma referência que recoloque o País numa perspectiva de crescimento com sustentabilidade econômica e socioambiental. Portanto, queremos um modelo de desenvolvimento que fortaleça o nosso sistema produtivo assentado numa base industrial robusta e na capacidade de engenharia coletiva para transformar nosso conhecimento em produção de bens e serviços. Então, é uma estratégia de desenvolvimento fortemente coordenada e mobilizada pelo Estado em sintonia com o setor privado, com investimentos que gerem atividades econômicas, buscando cuidar da transição ambiental, digital e energética, e pró-igualdade, que sejamos capazes de gerar uma dinâmica social para enfrentar as mais diferentes e perversas formas de desigualdade. Nessa perspectiva, uma estratégia que gere empregos de qualidade, ocupação para todos, proteção universal social, trabalhista e previdenciária e tenha uma diretriz de combate no mundo do trabalho às desigualdades entre homens e mulheres, entre brancos e negros. Ainda, [erigir] uma estrutura econômica capaz de promover [serviços essenciais, como] transporte e educação, que atenda a todos com sustentabilidade no longo prazo. E ainda o fortalecimento muito consistente do nosso sistema de saúde, compreendendo que a área é um dos vetores do nosso desenvolvimento, tanto na indústria quanto nos serviços a ela associados. [Idealiza-se] uma estrutura produtiva assentada numa forte organização institucional, [incluindo] a participação muito vigorosa da dimensão legislativa, mas com democracia participativa muito robusta. Nessas diretrizes, queremos oferecer um conjunto de propostas que fortaleça as políticas públicas, o Estado, [além de] uma grande capacidade da ação sindical se renovar, com negociação coletiva, sindicato forte e muita participação social.
Essa plataforma, que desenha um sonho de país, tem muita convergência com o projeto “Cresce Brasil”, lançado pela FNE em 2006, mas há inúmeros obstáculos para se atingir esses objetivos. Como será a estratégia para envolver a sociedade nesse plano e torná-lo realidade?
O fato de reunir um conjunto propositivo cria um instrumento para que o movimento sindical, a partir das centrais, possa apresentar sua plataforma, chegar ao debate público com um norte muito claro que redireciona o nosso desenvolvimento para outra perspectiva. De maneira muito clara, as centrais estão dizendo que o projeto atual de país, de nação e de governo está no sentido contrário do que consideram a dinâmica que deve conduzir o nosso desenvolvimento. Nosso projeto é outro, radicalmente diferente daquele que [o presidente Jair] Bolsonaro materializa em todas as dimensões. Portanto, precisamos ter uma incidência eleitoral muito forte no sentido de trazer para o debate público essa exigência histórica de a sociedade brasileira apontar uma mudança de rumo e trajetória. Nesse sentido, precisamos qualificar o debate para o processo eleitoral, e é necessário que nós façamos isso com proposições muito claras, mobilizando junto à base sindical a constatação das graves desigualdades e a percepção de que o Brasil tem capacidade e reúne condições objetivas para ter outra trajetória de desenvolvimento e que isso está gravemente marcado para outubro no processo eleitoral. Esse é o trabalho que vem no pós-Conclat, de base, para levar aos trabalhadores e trabalhadoras essa pauta e a compreensão do quanto é central e importante a sua intervenção no processo, seja apontando um projeto de mudança de rumo, seja elegendo não só os candidatos ao Executivo, mas também uma bancada parlamentar que esteja disposta a fazer as mudanças para recolocar o Brasil numa outra trajetória, [pois] muito do que se vai apresentar nessa pauta exigirá mudança normativa na lei. Nossa prioridade a partir de agora é nos concentrarmos nesse debate público até outubro. [Depois das] eleições, elaborar uma segunda etapa que é de fortalecer a nossa incidência na construção de um projeto, que continuará exigindo muita mobilização e enfrentamento para que o governo que venha a ser eleito seja pressionado a materializar essa agenda de mudança.
Cumprir esses objetivos envolve a recuperação de protagonismo por parte do movimento sindical, que enfrenta enormes dificuldades desde a reforma de 2017 e também pela crise socioeconômica, com desemprego e precarização. Como vencer esse desafio?
Esse desafio é central para o movimento sindical. De um lado, nós sofremos um ataque muito severo dessa ordem neoliberal, aqui no Brasil materializado na legislação que autorizou a terceirização sem limite, nessa reforma trabalhista e sindical e no governo Bolsonaro que, uma vez eleito, manifestou a avaliação de que a organização sindical é uma organização criminosa. Não é simples o que enfrentamos nesses anos; o movimento sindical resistiu a ataques que, se não fosse sua robustez, o teriam eliminado da face da representação da classe trabalhadora. É verdade que esse protagonismo foi reduzido, porque o ataque que recebemos é muito severo. De outro, a dinâmica de geração de postos e inserção está mudando radicalmente em relação a tudo aquilo que estruturou o mundo do trabalho e a vida sindical. Portanto, o movimento está desafiado a responder a essas duas ordens. Reposicionar-se politicamente como um ator social relevante, revalorizar o sindicato e fortalecer a negociação associada a uma renovação de sua forma de organização a partir da base. Como organizar a representação dos 4 milhões de trabalhadores mediados por aplicativos ou dos 25 milhões de autônomos e por conta própria? Pensar e organizar essa força de trabalho é radicalmente diferente de organizar os engenheiros em uma empresa pública estatal, os metalúrgicos que estão numa grande automobilística ou os bancários que estão em meia dúzia de grandes bancos no Brasil. Essa é a resposta que o movimento sindical está buscando. Creio que essa é uma grande agenda pós-eleições; o movimento sindical tem a tarefa de fazer um grande debate, reposicionando a nossa visão de futuro sobre a organização. Há países fazendo movimentos desse tipo, como Estados Unidos e na União Europeia, onde Espanha especialmente fez movimentos muito interessantes nessa linha de colocar efetiva proteção ao mundo laboral, previdenciária e sindical.
No Brasil, isso implica rever a reforma trabalhista, que cassou direitos e teve o claro objetivo de enfraquecer as entidades sindicais?
Revogar a reforma trabalhista não é suficiente, porque ela fez uma regressão da proteção que já era parcial. Precisamos ir além, colocar novas bases. Essa será uma construção que não é de curta duração, mas começa provavelmente com uma renovação na estratégia e de valorização do sindicato e da negociação coletiva.
Assista ao vídeo da entrevista