Rita Casaro
Esta deve ser a finalidade da Frente Parlamentar da Infraestrutura e Engenharia de São Paulo, instalada em sessão especial da Câmara Municipal realizada na sede do SEESP, em 7 de novembro último. Quem afirma é o autor da iniciativa e seu presidente, vereador Eliseu Gabriel (PSB), para quem é urgente retomar investimentos na Capital e aprimorar a prestação de serviços essenciais, os quais não devem ser privatizados. “O que vai fazer é não deixar o poder público escapar de suas responsabilidades”, resume.
Segundo ele, com o instrumento legislativo, estabelece-se uma ponte com a sociedade civil. “Temos uma grande chance de analisar a situação permanentemente, fazer propostas e mostrar à população que há alternativas”, afirma. Além de Eliseu, compõem a frente os vereadores Jussara Basso (PSOL) e André Santos (Republicanos), como vice-presidentes, João Ananias (PT) e Coronel Salles (PSD), como secretários; o assessor do SEESP Carlos Hannickel é o secretário executivo.
Autor dos livros “Brasil soberano” e “Por um Brasil unido e forte”, além da lei que criou o Conselho Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação, entre outras, Eliseu enfatiza a importância do Estado para que haja avanços socioeconômicos no País e saúda o projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, lançado pela Federação Nacional dos Engenheiros (FNE). Ele destaca ainda a importância do SEESP, que sugeriu a criação da frente e seguirá contribuindo com a iniciativa cujos trabalhos vão até o final de 2024. “O papel central é do Sindicato dos Engenheiros, um grupo sensacional.”
Nesta entrevista ao Jornal do Engenheiro, ele também critica o desempenho da Enel, concessionária de distribuição de energia, que levou dias para restabelecer o fornecimento após a interrupção ocorrida no início de novembro, e alerta para o risco de se vender a Sabesp, intenção anunciada pelo governo estadual. Confira a seguir e no vídeo ao final.
Qual o objetivo da Frente Parlamentar da Infraestrutura e Engenharia de São Paulo e como ela funcionará na prática?
A frente parlamentar passa a ser um instrumento institucional e legal de atuação em relação à infraestrutura e engenharia. O fato de ter essa frente é como se estivéssemos numa permanente audiência pública oficial da Câmara, numa ponte com a sociedade civil. A Câmara, pelo regimento, fornece tudo o que é necessário para que a frente funcione. Estamos em assembleia permanente, como se dizia antigamente. A frente parlamentar depende muito dos atores, das pessoas envolvidas, no caso, o meu mandato e os de outros vereadores, o Sindicato dos Engenheiros e outras entidades da sociedade civil. É um caminho de grandes ações, sugestões, soluções, mobilizações em torno da questão da infraestrutura, que é uma coisa em que a cidade de São Paulo está deixando a desejar já há muito tempo. Está há muitos anos esperando que aconteça algum milagre. Do ponto de vista do investimento, temos sido muito limitados e o que acontece é uma deterioração da infraestrutura. A gente pensa avenidas, viadutos, saneamento, fornecimento de água, eletricidade, transporte... Infraestrutura é tudo, todas as grandes necessidades que a cidade tem.
E há áreas de infraestrutura, a exemplo do fornecimento de energia que o senhor menciona, que são geridas por empresas privadas e também deixam a desejar.
Primeiro, [há que se destacar que] estamos andando na contramão do mundo. Se os serviços públicos essenciais nos quais não há concorrência, a exemplo [da distribuição de energia] – [em São Paulo], eu sou obrigado a comprar da Enel, não tenho alternativa –, forem privatizados com o objetivo central do lucro, ficamos numa situação difícil. [Quando houve a interrupção do fornecimento após a tempestade no dia 3 de novembro], o que tinha que ser feito para que a energia fosse rapidamente restabelecida? Investimento em manutenção. Mas a primeira coisa quando se privatiza uma empresa desse porte é aumentar o salário dos executivos (enquanto o presidente da Eletropaulo deveria estar ganhando R$ 50 ou R$ 60 mil, um desses CEOs ganha R$ 1 milhão) e mandar os funcionários embora. A Enel mandou mais de um terço dos funcionários qualificados que podiam fazer o trabalho de prevenção. Porque não adianta contratar uma equipe qualquer de uma empresa terceirizada. Para ter serviço público de qualidade, precisa ter o tempo inteiro manutenção. A Eletropaulo, quando foi privatizada, deveria valer R$ 70 bilhões, foi vendida por RS 2 bilhões financiados pelo BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e nem pagaram direito. E a AES Eletropaulo vendeu a concessão para a Enel. A Sabesp está sob essa ameaça, uma das melhores empresas de água e saneamento, bem avaliada. No mundo inteiro, as principais cidades que privatizaram o saneamento reestatizaram porque perceberam que não funciona. O serviço público essencial pode até dar lucro, como a Sabesp [que obtém] R$ 3 bilhões ao ano e dá para a cidade de São Paulo, só do Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura, R$ 500 milhões. Tem gente que fala “lá não sei onde não tem esgoto”. Mas são áreas invadidas, não dá para pensar que o sujeito invade uma área e no dia seguinte a Sabesp põe saneamento. E muitas ligações não são feitas porque o Judiciário não deixa; quando é permitido, coloca pelo menos água, porque é uma questão de humanidade. Já acompanhei casos de favelas sem água, é dramático, vi crianças cheias de feridas porque não tinha água. Depois que a Sabesp colocou água, você não sabe como melhorou a vida das pessoas. A prestadora de serviço público tem um papel chave.
Leia nesta edição reportagem sobre as fallhas da Enel para restabelecer o fornecimento de energia
Como a frente parlamentar poderá agir sobre essas questões?
Temos uma grande chance de analisar a situação permanentemente, fazer propostas e mostrar à população que há alternativas. É muito importante nesse sentido a participação do Sindicato dos Engenheiros e de outras entidades, porque não existe elaboração na cidade. Com essa história de privatização, terceirização e desmonte do poder público, não existe corpo pensante, não existe um instrumento oficial de elaboração de propostas. Essa é a importância da frente, temos todo um campo para apontar o que São Paulo precisa para retomar o seu crescimento. A cidade era famosa como a que mais crescia no mundo, tinha um forte investimento público em infraestrutura, o que criou oportunidades para indústrias e empresas de serviços. Há algumas décadas parou de investir; tem a dívida, então tem que guardar dinheiro para os rentistas. E a cidade está desse jeito que se vê. Vamos privatizar? Para quê? Para melhorar o serviço ou fazer negócios para os amigos? Essa ausência do poder público, delegando suas responsabilidades quase sem controle, é terrível.
O debate sobre a privatização dos serviços públicos estará, então, na pauta dos trabalhos?
Tem determinados serviços que são intrinsecamente públicos. A secretária [de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo] Natália Resende foi perguntada por um vereador porque ela acha que precisa privatizar a empresa. Ela disse que o problema é a dificuldade de investir porque precisa fazer licitação. Ela acha chato dar satisfação ao poder público! Por exemplo, a Sabesp vai comprar tubos; tem regras para favorecer o mercado brasileiro, o mesmo com serviços de engenharia. Se privatiza, vai comprar da Coreia, encomendar projeto da Espanha. Não se tem mais controle de nada. A corrupção, assim, é muito mais possível do que com controle público. Só quem tem algum compromisso com os amigos é que quer privatizar. A Eletropaulo era a melhor distribuidora de energia do mundo, [havia] uma agência em cada esquina. Se acontecesse o que houve com a Enel, o presidente seria demitido. É uma privatização que blinda totalmente a empresa privada.
O SEESP tem reivindicado que a Prefeitura realize concursos públicos e contrate mais engenheiros para atender a população nas diversas áreas. Esse ponto também estará na agenda?
O que essa frente vai fazer é não deixar o poder público escapar de suas responsabilidades. Tem que ser fortalecido com pessoal qualificado, concursos públicos, salários dignos, e não privatizar e dizer “agora não é mais comigo”.
Como as organizações podem participar da iniciativa?
A frente parlamentar é para todas as correntes, não precisa pensar como eu, tem vereadores de vários partidos. E está aberta a todas as entidades da sociedade civil, mas o papel central é do Sindicato dos Engenheiros, um grupo sensacional. Vejo a preocupação do Murilo [Pinheiro, presidente da entidade] e de toda a diretoria com o projeto “Cresce Brasil” sobre o papel da engenharia para a sociedade, o que é extremamente importante. Carlão [Carlos Hannickel, assessor do SEESP] é o secretário executivo, uma pessoa muito preparada. A frente foi sugerida pelo sindicato, temos grandes horizontes e [alcançá-los] depende de fazê-la funcionar. Estou com muita esperança.
Assista ao vídeo da entrevista