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Produzir chips para garantir desenvolvimento e soberania

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 Jéssica Silva e Soraya Misleh

 

É vital ao desenvolvimento do País e à sua independência tecnológica o investimento e solidificação de uma produção nacional de semicondutores – e há potencial para tanto. É o que ficou evidente no seminário promovido pela Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) na sede do SEESP, na Capital, intitulado “Como estabelecer uma indústria de semicondutores no Brasil”, em 28 de novembro último.

 

MuriloO presidente do SEESP e da FNE, Murilo Pinheiro, abrindo o seminário.
Fotos: Beatriz Arruda
A atividade, que teve patrocínio do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) e da caixa de assistência Mútua, reuniu especialistas da academia e dos setores público e privado para discutir cenário da produção atual e possibilidades de avanços. “A criação desse seminário começou lá atrás, quando nós discutimos que era necessário que o Brasil tivesse uma empresa de semicondutores, não para competir com a China, mas que a gente pudesse desenvolver chips no momento em que nós precisássemos”, frisou o presidente do SEESP e da FNE, Murilo Pinheiro, na abertura do evento, referindo-se à crise global ocorrida em 2020 – com a paralisação de fábricas do componente devido à pandemia de Covid-19, atingindo o País principalmente nos setores automotivo e eletrônico.

 

“Ter controle sobre a produção desses componentes é estratégico para garantir segurança e soberania nacional, porque áreas como defesa, energia, telecomunicações e infraestrutura crítica dependem fortemente de tecnologias baseadas em semicondutores”, afirmou em vídeo dirigido ao público do evento o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin.

 

Conforme ele, o governo federal ampliou o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), que concede benefícios tributários para produção de chips, incluindo o setor fotovoltaico. “A capacidade de produzir os semicondutores no País vai impulsionar a inovação tecnológica e gerar empregos qualificados, criando oportunidades em diversas cadeias produtivas, desde pesquisa e desenvolvimento até a fabricação e serviços relacionados”, atestou Alckmin.

 

AlckminAlckmin: controle sobre a produção desses componentes é estratégico para garantir segurança e soberania nacional.

 

Tais oportunidades abrirão caminhos aos profissionais recém-formados da engenharia e de diversas áreas. Foi o que ressaltou Marcellie Dessimoni, coordenadora dos Núcleos Jovem Engenheiro do SEESP e da FNE. “O Brasil pode dar esse pontapé inicial e ser exemplo para a América Latina, América do Sul”, frisou.

 

Marcellie Vahan CamelliMarcellie Dessimoni, Vahan Agopyan e Gladson Cameli.Para o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, Vahan Agopyan, a visão da engenharia sobre o assunto é indispensável. “A pandemia ensinou que é preciso manter o mínimo necessário para que a nação não sofra consequências em momentos de crise. No mundo globalizado não podemos depender inteiramente de importações”, disse.

 

Ele compôs a mesa de abertura juntamente com o secretário estadual de Indústria, Ciência e Tecnologia do Acre, Assurbanipal Mesquita, e o governador daquele estado, Gladson Cameli. “O governo precisa do apoio da engenharia. Vamos juntos, o Brasil não pode perder seu protagonismo. Tenham no Acre um parceiro ao desenvolvimento da indústria e da tecnologia nacionais”, assegurou Cameli.

 

Projeto da engenharia

 

A primeira mesa abordou “Estratégias empreendedoras, investimentos públicos e privados” na produção de semicondutores, sob mediação de Fernando Palmezan Neto, coordenador do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, iniciativa da FNE com adesão do SEESP e demais sindicatos filiados. “Esse seminário faz parte do projeto, que aborda temas que de alguma forma a engenharia possa ajudar a desenvolver. Temos todas as condições de apresentar propostas factíveis, que vamos levar para autoridades políticas e quem mais quiser avançar nessa direção”, frisou ele.

 

Mesa 1Mesa "Estratégias empreendedoras, investimentos públicos e privados".

 

Para o coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP e professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), José Roberto Cardoso, é possível “vencer em tecnologias avançadas quando se faz uma política correta”. Ele lembrou da luta pela reversão do processo de liquidação do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec). “Nosso país tem condições de produzir algo importante, gerar empregos. O que precisamos é ter uma estrutura governamental que enxergue isso e nos dê apoio.”

Palmezan CardosoOs engenheiros Fernando Palmezan Neto (à esquerda) e José Roberto Cardoso. 

Há um processo de crise nacional persistente, por consequência de uma desindustrialização precoce, conforme elucidou Antonio Corrêa de Lacerda, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) do País caiu, segundo ele, de patamares de 21% na década de 1980 a 17% em 2003, chegando a apenas 11% em 2021. Ainda, há uma discrepância em relação ao custo de financiamento da dívida pública. “O Brasil é disparado o país que mais gasta com o pagamento de juros sobre a dívida. Isso tem enormes consequências porque gera uma financeirização da economia”, salientou.

 

A reindustrialização, como falou, depende de “políticas de competitividade”, que englobam política industrial, comercial e tecnológica. “Mas esse eixo não funciona sem outros dois significativos, que são a política macroeconômica – fiscal, monetária, cambial – e, no âmbito micro, a atuação das empresas na busca por inovação, gestão adequada, produtividade, qualificação”, destacou Lacerda. E ratificou: “É fundamental restabelecer os investimentos públicos, assim como Parcerias Público-Privadas (PPPs) e concessões, além de fortalecer o papel do Estado, o que não contrapõe o papel do mercado e de investimentos estrangeiros.”

 

Panorama

 

O Brasil tem atualmente oito empresas que atuam no projeto de circuitos integrados, cinco na etapa de encapsulamento dos semicondutores e mais quatro companhias em atividades correlatas, conforme dados apresentados por Nilton Morimoto, membro da Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (Abisemi). Outras duas – uma delas, o Ceitec – seriam de produção da chamada “wafer”, base em que os microcircuitos são construídos, mas não estão em operação.

 

Lacerda Morimoto PelaiDa esq. para a dir., Antonio Corrêa de Lacerda, Nilton Morimoto e Fernando Momesso Pelai.Todo segmento, na análise de Morimoto, depende de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), “o que faz com que o tratamento fiscal nessa área seja a maior medida de apoio”. Nesse sentido, ele contabilizou: “Temos mais de 20 empresas que recebem incentivos pelo Padis; estas empregam mais de 2,5 mil pessoas, tiveram um faturamento de mais de US$ 1 bilhão em 2022, investiram cerca de US$ 230 milhões em P&D.”

 

Não obstante, o especialista confirmou que o programa de incentivo fiscal não é suficiente. “A China incentiva fortemente a produção e o design de circuitos integrados dentro do país, não à toa é quem hoje mais tem avanço em desenvolvimento tecnológico no mundo todo.”

 

Fernando Momesso Pelai, especialista do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), apontou as oportunidades e desafios ao setor. Sua expectativa é de que a fabricação de semicondutores seja incentivada por meio da retomada da política industrial do País, com a recriação do Mdic, reativação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) e aperfeiçoamento do Padis. “O setor tem caráter transversal na economia, destacando a indústria 4.0, a transição energética muito ligada às TICs [Tecnologias da Informação e da Comunicação], a agropecuária cada vez mais tecnológica, as smart cities, além da vigilância, segurança e defesa, saúde e educação”, disse. São necessários para tanto, na sua avaliação, reforma tributária e redução de juros, além de programas de fomento duradouros e conexão entre a capacitação profissional e oportunidades para que essa mão de obra atue no País.

 

Tecnologia e qualificação

 

A mesa que encerrou o seminário abordou o tema “Desenvolvimento de tecnologia e qualificação de mão de obra”. O coordenador do painel e vice-presidente da entidade, Antonio Florentino de Souza Filho, observou o protagonismo da engenharia na discussão de temas fundamentais ao desenvolvimento nacional sustentável.

 

Mesa 2Mesa "Desenvolvimento de tecnologia e qualificação de mão de obra".

 

Diretor do Centro de Inovação da Universidade de São Paulo (InovaUSP), Marcelo Zuffo enfatizou que o Brasil dispõe de um “bom legado” para dar salto tecnológico e aproveitar a oportunidade para desenvolver sua indústria de semicondutores em meio ao que denominou “guerra fria 2.0” – disputa geopolítica que tem como países centrais os Estados Unidos e a China. “O País começou cedo nessa corrida, com um projeto do meu pai [o engenheiro eletricista João Antônio Zuffo]. O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] investiu na USP para montar o primeiro laboratório de microeletrônica. Em abril de 1971 foi criado o primeiro chip brasileiro. Até a crise do petróleo o País tinha empresas de semicondutores.”

 

Na sua ótica, a despeito das “políticas erráticas de não continuidade” e da desconsideração quanto ao papel da universidade na questão da indústria de semicondutores, o Brasil pode aproveitar seu potencial. Entre os exemplos que mostram a competência do País e de sua engenharia para tanto, ele cita que o modelo de TV digital desenvolvido nacionalmente foi adotado em 13 nações latino-americanas.

 

O Brasil, ainda conforme Zuffo, no entanto, acaba por enviar matéria-prima para ser beneficiada no exterior e depois recomprar o produto de alto valor tecnológico. Um exemplo citado por ele é o silício metalúrgico, que o País exporta para a China, a qual usa carvão para o processamento de painéis solares, com desoneração de impostos. “Trazemos os painéis sujos para cortar e montar. Não se resolve o problema das emissões globais nem se agrega valor. Temos água, silício, cérebros, demanda, enfim, todas as condições para fazer painéis solares verdes”, pontuou.

Zuffo Israel GilbertoMarcelo Zuffo (à esquerda), Israel Guratti e Gilberto Medeiros Ribeiro. 

Israel Guratti, gerente do Departamento de Tecnologia e Política Industrial da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), ratificou: “O Brasil é um dos três maiores produtores e exportadores de silício em grau metalúrgico. Temos tecnologia aqui para fabricar células fotovoltaicas, mas exportamos insumos e matérias-primas para depois importar sílicio purificado nessas células.” Ele sugere que se mude esse quadro: “A implementação da cadeia produtiva de células fotovoltaicas, além de tornar o País independente do ponto de vista energético, propicia a produção nacional de semicondutores para eletrônica em escala.”

 

O diretor do InovaUSP indica o caminho: “É preciso uma grande aliança, uma penta-hélice, que abranja também o empreendedorismo e o capital privado [somados à chamada ‘hélice tríplice’, que engloba academia, indústria e governo]. As políticas têm que ser de Estado.”

 

Nesse contexto, Gilberto Medeiros Ribeiro, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), frisou: “Nosso papel é gerar recursos humanos e de qualidade.” O docente defende, como parte dessa formação, a capacitação para o empreendedorismo e constata que a participação no número de engenheiros per capita no Brasil é quatro vezes menor que na Europa, Estados Unidos, Ásia.

 

Programa de incentivo

 

Nessa direção, Henrique Miguel, secretário de Ciência e Tecnologia para a Transformação Digital do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (Setad-MCTI), deu ênfase ao Padis. Instituído pela Lei no. 11.484/2007, foi, nas suas palavras, um marco que restabeleceu programas de incentivo para apoiar o setor. “Sem ele não havia redução e isenção de impostos.”

 

Segundo ele, a Organização Mundial do Comércio (OMS), contudo, promoveu mudanças contrárias a essa iniciativa e à Lei de Informática, acompanhadas de uma série de transformações no mercado global, com os Estados Unidos ampliando sua participação, além da Ásia. “Taiwan hoje, além da TSMC, tem outras importantes empresas na área de chip e a maior de package [semicondutores integrados]. Coreia do Sul e Índia têm investido continuamente, assim como Japão. A China prevê aportar US$ 10 bilhões a esse desenvolvimento nos próximos anos. A União Europeia também vem estabelecendo programas específicos. Novos players tentam entrar”, detalhou.

 

O mercado global cresce exponencialmente. É o que informou Adão Villaverde, professor da PUC-RS, segundo o qual a projeção para 2030 é que alcance o montante de R$ 2 trilhões, com “subsídios públicos astronômicos: os Estados Unidos estimam US$ 280 bilhões e a China, US$ 1,4 trilhão em eletroeletrônica. Já o Brasil precisa correr atrás do prejuízo. Hoje o déficit na balança comercial de eletroeletrônicos é de cerca de US$ 40 bilhões. Para tanto, demanda, na sua análise, aproveitar as oportunidades e avançar na “neoindustrialização”. “Sem chip não tem transformação digital. O País tem que estar no seleto grupo mundial que domina e tem expertise sobre o tema”, conclamou.

 

A partir do início de 2023, diz Miguel, foi recriada a Setad e a Coordenação-Geral de Semicondutores, buscando “fortalecer os órgãos que atuam com essas políticas”. O secretário diz que o objetivo é solucionar gargalos, que englobam ainda “promover P&D, formar e capacitar recursos humanos, desenvolver produtos e infraestrutura e atuar intensamente pelo marco regulatório [do setor]”. No momento, conforme ele, o governo está trabalhando junto a organizações empresariais da área na formulação de um conjunto de medidas para melhorar o Padis.

Henrique Adão AugustoDa esquerda para a direita, Henrique Miguel, Adão Villaverde e Augusto Cesar Gadelha Vieira.Guratti, da Abinee, ressaltou a necessidade de se dar centralidade aos investimentos em P&D, com maior atenção às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, de modo a atuar pelo desenvolvimento regional. Segundo pontuou, na contramão disso, houve aumento da importação de tais produtos de 12% em 2022, sendo que semicondutores representaram nesse volume US$ 6 milhões, dos quais 75% provenientes do Sudeste Asiático. “Há forte política de incentivo à importação do bem final, do módulo pronto.” Isso desestimula, como observou, que se produza no Brasil, pois “não compensam os investimentos”. Para reverter esse cenário, ele salientou a importância da elaboração em andamento do que denominou “novo Padis”.

 

Ceitec e projeto estratégico

 

Medeiros, da UFMG, chamou a atenção para a necessidade de um projeto estratégico nacional, como o que foi pensado em Taiwan. O governo investiu pesadamente na TSMC e promete inversões da ordem de US$ 100 bilhões nos próximos três anos. Sob essa base, a empresa passou 16 anos desenvolvendo pesquisa básica e tecnologias, capacitando e formando mão de obra, em parceria com universidades. Somente depois desse período iniciou a exportação de chips.

 

Infelizmente muito diferente do que foi feito em relação ao Ceitec, inaugurado em 2010, como explicitado pelo seu presidente, Augusto Cesar Gadelha Vieira. "Aqui teve muito pouco investimento, não chegou a US$ 1 bilhão. Em 2016 queriam terminar com ele”, lamenta.

 

Segundo Gadelha, o processo de liquidação inaugurado em 2020 só não foi levado a cabo porque foi “muito amador”. Envolveria montantes da ordem de R$ 150 a 200 milhões ao descomissionamento. “Não podiam demitir as pessoas, senão o patrimônio seria desvalorizado.”

 

Não obstante, como informa o presidente do Ceitec, esse processo levou a fuga de cérebros para empresas do exterior, como da Inglaterra e Estados Unidos. Também alguns dos que saíram, formados no Centro Nacional, criaram um ambiente “extremamente produtivo no Rio Grande do Sul”. Dos 180 funcionários antes de iniciado o desmonte, mais de 50% com doutorado, permaneceram apenas cerca de 80 trabalhadores, a maior parte da área administrativa – no TSMC são 73 mil. “Hoje estamos sem recursos humanos e sem condições de produzir em grande quantidade.” O processo de liquidação impactou no desenvolvimento de semicondutores: “Investimos dois anos e fizemos o chip usado no passaporte. Hoje o chip é italiano.”

 

Com a extinção do Ceitec interrompida, Gadelha afirma que o Centro Nacional se prepara para voltar à fabricação de chips. Como já há estrutura montada, ele destaca que custará pouco “fazer algo produtivo a partir daqui”. E asseverou: “Estamos tentando montar um plano de negócios. Precisamos de talentos, precisamos criá-los.”


  

Confira os vídeos do seminário e as apresentações dos palestrantes 

 

 

  

• Antonio Corrêa de Larcerda – PUC-SP

• Nilton Morimoto – Abisemi

• Fernando Momesso Pelai – Fiesp

 

Henrique Miguel – MCTI

Israel Guratti – Abinee

Gilberto Medeiros Ribeiro – UFMG 

Augusto Cesar Gadelha Vieira – Ceitec

Adão Villaverde – PUC-RS

 

Arte da capa: Eliel Almeida 

 

               

                              

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