Soraya Misleh
Tema fundamental da atualidade, o uso de tecnologias para promover sustentabilidade e geração de riqueza no campo esteve em pauta no dia 18 de setembro último, durante o XII Congresso Nacional dos Engenheiros (Conse), promovido pela Federação Nacional dos Engenheiros (FNE). Os participantes puderam ainda conhecer os impactos devastadores das enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul ao final dos meses de abril e maio deste ano.
O painel temático teve a mediação de Cezar Henrique Ferreira, comentários de Luiz Benedito de Lima Neto e Teodora Ximenes, respectivamente presidentes dos sindicatos dos engenheiros do Rio Grande do Sul, de Mato Grosso e do Ceará.
“Milito na extensão rural há 34 anos e nunca tinha visto algo como o que aconteceu no Rio Grande do Sul.” Assim, o engenheiro agrônomo Flávio Calcanhoto, gerente de planejamento da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (Emater/Ascar), descreveu o que viu no campo após a tragédia recente – lembrando que em menos de um ano já houve “dez eventos climáticos extremos”.
Conforme ele, o órgão em que atua conta atualmente 1.700 funcionários, dos quais 405 engenheiros, que puderam documentar toda a destruição, alcançando lugares onde a própria Defesa Civil local não conseguia chegar. Do total de 497 municípios, segundo informou, 340 ficaram em situação de emergência e 78 de calamidade pública. Dezenove mil famílias rurais, como continuou, foram afetadas. Calcanhoto lembrou que barragem se rompeu pela força das águas, cobrindo pontes, estradas vicinais e cidades, como Encantado, que teve “praticamente um rio” por cima dela.
Desafio à engenharia
As inundações, de acordo com sua descrição, afetaram infraestrutura, abastecimento de água, habitações, cooperativas, povos e comunidades tradicionais, solos, produção agropecuária e familiar, pastagens, plantações e devastaram “florestas inteiras”. Ele revelou ainda o impacto sobre a pesca, por exemplo na Lagoa dos Patos, que “mudou de cor”. “Praticamente parou o estado”, descreveu, apresentando imagens comparativas que mostraram o antes e o depois das enchentes em distintos municípios e regiões. As perdas são estimadas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em R$ 25 bilhões.
O gerente da Emater enfatizou o desafio à engenharia, cujo protagonismo é fundamental na recomposição no estado gaúcho, que deve levar de dez a 15 anos. Calcanhoto foi categórico, ao dizer que essa ação é demandada para garantir “integridade e sobrevivência no campo”. “O Senge-RS fez um documento para apresentar aos candidatos nestas eleições municipais”, pontuou.
Calcanhoto alertou que os impactos em um determinado local extrapolam limites regionais. Como exemplo, ele mencionou 2.200 focos de incêndio num único dia na Amazônia e o desmatamento, que afetam os cursos de água atmosféricos (os chamados “rios voadores”), os quais interferem no clima em todo o Brasil. “Temos o que dizer, onde dizer e o que fazer”, conclamou os engenheiros.
Novas políticas públicas
Paulo Cruvinel, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ratificou a importância da resiliência, adaptação e mitigação em face das mudanças climáticas. Frisou, ainda, a premência de se reduzirem as desigualdades no País e “pensar conexão entre o rural e o urbano”. Sua exposição focou o uso de tecnologias, inclusive inteligência artificial e Internet das Coisas (IoT), para a sustentabilidade e a geração de riqueza no campo.
Na sua visão, riqueza deve ser compreendida como valor ambiental, social, humano e, “certamente, econômico”. Isso demanda novas políticas públicas e inovação.
O pesquisador da Embrapa apresentou gargalos como em relação à logística e à necessidade de o País fazer reforma agrária. Trouxe ainda práticas importantes como ESG (governança ambiental, social e corporativa), em consonância com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Resolver as lacunas é desafio premente: “O planeta tem 8 bilhões de pessoas; em 2050 serão 10 bilhões. E há assimetrias no mundo, onde a população mais cresce é que há menos condições de produção de alimentos.”
Na sua visão, urge continuar a promover o agro nos seus distintos modos de produção, incluindo agricultura familiar. Observando que o setor representa 33% do Produto Interno Bruto (PIB) e é responsável por 1/3 dos empregos efetivos gerados no País, Cruvinel recomendou fortes políticas agrícola, industrial e agroindustrial. Além disso, um olhar sobre o uso dos recursos naturais de forma sustentável. “Propomos um modelo baseado em cadeia de valor com a escolha correta de tecnologias, métodos e processos. Também capacitar pessoas em um programa sistêmico integrado”, completou.
“O ‘Cresce Brasil’ [projeto da FNE] é um documento importante para o segmento do agro, com premissas, estratégias e propostas não só a médio e longo, mas também a curto prazo”, concluiu Cruvinel, que traz essas contribuições como um dos consultores do projeto da FNE.
Assista à íntegra do painel “Tecnologia para promover sustentabilidade e geração de riqueza no campo”: