Soraya Misleh
Esse pode ser um dos resultados caso mudança apresentada pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) se confirme. A alteração refere-se à transferência de ativos de iluminação pública aos municípios até janeiro de 2014, conforme determina o artigo 218 da Resolução 414, apresentada pelo órgão em 9 de setembro de 2010. Com sua vigência, o serviço – hoje prestado em grande parte dos municípios pelas distribuidoras, sob regulação da Aneel, e com estrutura compartilhada por elas – passaria obrigatoriamente às mãos das prefeituras.
Sem equipes próprias, estrutura adequada ou recursos, muitas o entregariam a terceirizados, que não são fiscalizados pelo órgão. Com isso, estariam à margem princípios como modicidade tarifária. Além disso, o cidadão teria dificuldades em saber a quem recorrer para, por exemplo, reivindicar manutenção num poste de luz em sua rua.
A explicação foi dada por Carlos Augusto Ramos Kirchner, diretor do SEESP, que apontou a preocupação de que esses custos se elevem e venham a ser repassados aos consumidores via CIP ou Cosip (contribuições para custeio da iluminação pública) – hoje cobradas na conta de energia elétrica, sob um desses nomes, a depender da cidade. “Os gastos mensais com manutenção de iluminação pública (10% do total) poderão sofrer acréscimo de até 527% e o gasto no total (fornecimento mais manutenção) sofrer acréscimo de 47%.” A mensuração baseia-se em estudos apresentados pela CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz) em uma das quatro audiências públicas realizadas desde a publicação da Resolução 414. Foi afirmada pela Frente em Defesa dos Consumidores de Energia Elétrica – formada por FNE (Federação Nacional dos Engenheiros), Proteste (Associação Brasileira de Defesa dos Consumidores), Idec (Instituto de Defesa dos Consumidores) e Fundação Procon de São Paulo – em documento encaminhado no último dia 7 de maio ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e ao diretor-geral da Aneel, Nelson Hubner. Diante sobretudo da possibilidade de os consumidores terem que arcar com o ônus dessa mudança, as entidades defenderam na carta que as prefeituras continuem a ter o direito de optar entre prestar o serviço diretamente ou sob concessão. Mais de 20 dias depois, nenhum dos destinatários se manifestou a respeito.
Os riscos apontados por elas são ratificados pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios) em informe jurídico de fevereiro de 2011, constante de seu site. Considerando que a medida terá efeito negativo aos seus representados, essa alerta: “A realidade mostra que a maioria dos municípios, que é de pequeno porte, não possui estrutura, conhecimento técnico e capacidade para suportar tal responsabilidade e efetuar de forma eficiente a manutenção da rede de iluminação pública. Por essa razão é que o serviço sempre foi predominantemente realizado pelas distribuidoras, que possuem equipamentos e funcionários treinados.” Em outro trecho do texto, a confederação evidencia que, diante das dificuldades enfrentadas pelas prefeituras, muitas “terão de instituir ou aumentar o valor do custeio da CIP ou ainda remanejar outras fontes de recursos para arcar com os novos encargos”.
Mesmo em grandes centros urbanos, o repasse da responsabilidade à administração local não é garantia de melhor qualidade. Exemplo é a Capital paulista, que presta o serviço por meio de departamento próprio. “A cidade é muito mal-iluminada”, observa Kirchner. Para ele, depende da atenção que o poder público municipal dá à questão. O diretor do SEESP ilustra que em Bauru, em que o serviço é concedido à CPFL, a companhia “apresentou um planejamento do que deveria ser melhorado, de acordo com critérios técnicos”. O Prefeito bancou a proposta e houve melhora considerável.
Medida inconstitucional
Os parlamentares Ademir Camilo (PDT-MG) e Luiz Fernando Faria (PP-MG), presidente da Comissão de Minas e Energia naquela casa, apresentaram projetos de lei pedindo a sustação da aplicação do artigo 218, relativo ao tema. Na justificativa de sua proposta, ambos apontam que a Aneel – enquanto autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia – extrapolou de seu poder. Cabendo a ela regular e fiscalizar a produção, transmissão e distribuição de energia elétrica, ao querer impor aos municípios a prestação direta do serviço de iluminação pública, choca-se com o que determina a Constituição Federal. Segundo o argumento apresentado por Faria, “não restam dúvidas de que é vedado às agências expedir normas que inovem na ordem jurídica – criando, modificando ou extinguindo direitos e obrigações”.
Ele continua: “A Aneel justifica a necessidade de se efetuar a transferência dos ativos (...) para o poder público municipal por competir a este último a prestação de serviços de iluminação pública.” Contudo, conforme a alegação ao seu projeto de lei – que se alinha ao que propugnam as organizações que integram a Frente em Defesa dos Consumidores de Energia Elétrica –, Faria salienta que o dispositivo constitucional não impôs aos municípios essa obrigatoriedade direta.