Na crista da onda das dispensas que vêm ocorrendo no Brasil desde o segundo semestre de 2008, justificadas pela crise financeira global, devem estar os chamados quadros qualificados. É a conclusão de pesquisa feita pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a qual aponta que os cortes de pessoal atingirão em especial os trabalhadores com salários mais elevados.
Segundo explica o presidente desse órgão, Marcio Pochmann, “o estudo toma por referência resultados verificados no interior do mercado de trabalho em momentos que guardam alguma relação com o que estamos vivendo hoje, nos quais vislumbraram-se situações de ajuste”. Assim, considerou as experiências de 1981-1983, 1990-1992 e, mais recentemente, 1999. “E dadas as ações já tomadas pelo Governo Federal de certo apoio à base da pirâmide social, via elevação do salário mínimo, ampliação do bolsa-família, possivelmente os trabalhadores melhor remunerados sejam os mais afetados do ponto de vista relativo, não absoluto”, destaca. E complementa: “Parte do quadro qualificado que conforma o núcleo duro da empresa não será afetada, a menos que o impacto seja muito intenso. Agora, aqueles que estavam em fase de transição para essa situação provavelmente o serão, pela própria rotatividade, que faz com que a empresa possa demitir trabalhadores que estão com maior remuneração para serem trocados, mantido o posto de trabalho, por outros com menor.” Um dos que se encaixam nesse perfil é engenheiro mecânico, mestre em metalurgia e professor na área. Atuava na Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista) há 23 anos e estava prestes a se aposentar. Preferindo não se identificar, ele foi categórico: “Num mercado em que as empresas preferem pessoas mais jovens, cujo custo é mais baixo, o mais velho se torna descartável.”
Como consequência, tem havido a partir de setembro um incremento da denominada classe média emergente, classificada como C, e redução dos extratos sociais. A avaliação é do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, que justifica, em estudo sobre os efeitos da crise junto à classe média: “Pessoas que estavam mais no topo da distribuição estão caindo ou deixando de crescer, mas o movimento de ascensão à classe C não foi interrompido. O que acontece é uma agregação a esse de pessoas vindas da classe AB (cuja renda domiciliar é a partir de R$ 4.807,00, conforme a própria pesquisa).” Em outras palavras, a situação é mais instável para quem ganha mais, geralmente quadros mais qualificados. Os engenheiros estão nesse rol.
Cortes e desaceleração
Inclusive porque, como atesta Pochmann, até o momento o maior impacto da crise se verifica sobre a atividade industrial. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados em 12 de março confirmam: o emprego nesse setor recuou 1,3% de dezembro de 2008 a janeiro último, acumulando queda de 3,9% desde setembro do ano passado. Recentemente, no Estado de São Paulo, duas gigantes deram sua contribuição para engrossar as estatísticas: Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica) e Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista). Na primeira, 20% do seu efetivo foi colocado na rua, totalizando 4.200 trabalhadores, dos quais 230 engenheiros – de 5 mil de alta qualificação. Na segunda, foram demitidos aproximadamente 400 (cerca de 8% do pessoal), sendo 21 profissionais da categoria – de mais ou menos 350. Em ambas, os sindicatos majoritários conseguiram na Justiça a suspensão temporária dos desligamentos, decisão que, no caso da Embraer, foi objeto de audiências de conciliação no Tribunal Regional do Trabalho de Campinas que terminaram em impasse e sem a garantia de reintegração dos funcionários. Diante disso, as dispensas ficaram suspensas até dia 18 de março, quando ocorrerá o julgamento do dissídio coletivo. Na Cosipa, audiência estava marcada para a véspera, 17.
Destinar a fatura da crise aos trabalhadores é, para Pochmann, a medida mais fácil. Para o SEESP, as demissões, em particular de quadros qualificados, não deveriam ser alternativa a um país que pretende continuar na rota do crescimento. Face aos cortes recentes, Murilo Celso de Campos Pinheiro, presidente do sindicato, pondera: “É inegável que companhias cuja receita provém em sua maior parte do mercado externo são mais impactadas pela situação. No entanto, não é aceitável, até por sua importância, que ponham na rua milhares de trabalhadores de uma hora para outra. É preciso que reflitam sobre seu compromisso com a sociedade e que se discutam as dispensas já anunciadas, buscando-se formas de reverter o quadro que se configura desastroso.”
Na ótica do presidente do Ipea, uma das alternativas para tanto diz respeito ao acesso aos recursos públicos. “Os beneficiários do bolsa-família, por exemplo, têm uma série de condicionalidades para o seu uso. Já as empresas que estão recebendo subsídios fiscais, empréstimos com taxas de juros vantajosas, que são decisões públicas, não têm o mesmo compromisso, responsabilidade que poderiam vir a ter, do ponto de vista do enfrentamento da crise.” Ademais, na sua concepção, é fundamental um grande entendimento nacional entre trabalhadores, empresários, as três esferas de governo, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário para que o País saia dessa melhor do que entrou. O que é bem provável, uma vez que esta é uma das nações que, como reforça Pochmann, talvez tenha melhores condições de enfrentar a crise. “Tanto que nosso debate aqui não é em torno da recessão, mas da redução da atividade econômica.”