Dar conta dEssa delicada operação vai exigir competência e coragem do Governo para que se possa atravessar a crise internacional sem comprometer, no longo prazo, o desenvolvimento que o Brasil finalmente retomou. Quem ensina é o professor e economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Segundo ele, para tanto, o Banco Central que já errou ao manter os juros altos e o câmbio valorizado quando o cenário financeiro global era um mar de águas calmas, terá de tomar outras medidas, como conter o crédito ao consumo. Para ele, ainda que o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de junho tenha ficado em 0,74%, abaixo do de maio que atingiu 0,79%, e a inflação esteja dentro da meta anual de 6,5%, será preciso se precaver contra uma escalada de preços. A má notícia, afirma, será a provável desacelaração da expansão do PIB (Produto Interno Bruto) em 2009.
Por que se vive hoje a ameaça da inflação, que chega como um banho de água fria na retomada do crescimento?
Essa inflação é um choque externo e global. É um fenômeno internacional, que decorre de um choque de commodities, gerado por uma seqüência de erros que foram cometidos na política energética e agrícola no mundo inteiro, que o tal do modelo neoliberal só agravou. Abandonou-se o planejamento e se deixou a cargo do mercado manter o equilíbrio. Mas esse é inepto para as questões de longo prazo, ele não dá o sinal correto ou demora muito fazê-lo.
A situação então é grave, mesmo que a inflação tenha arrefecido no último mês?
Eu diria que estamos vivendo um momento muito difícil, mais que todos os que observei nos últimos anos. Isso é uma crise muito grave do estilo americano de desenvolvimento, que é baseado no consumismo insustentável e na pressão absurda sobre os recursos naturais. O final disso coincidiu com uma crise financeira, que tem a ver com a especulação nos mercados de commodities. Usam-se operações de swap ou vendas futuras e explora-se esse gap entre oferta e demanda, multiplicando a diferença de preço. Essa crise já tem quase um ano e pode ser muito longa porque não é possível mias explorar o consumo das famílias americanas ou expandir o déficit comercial dos Estados Unidos.
O Brasil consegue se defender dessa onda e manter o desenvolvimento?
No aspecto global, o Brasil tem um raio de manobra muito pequeno e terá que se proteger de outra maneira. Por outro lado, talvez seja um dos países com maiores condições para tanto, devido ao uso mais intensivo de energia renovável e à maior disponibilidade de recursos naturais para atender à demanda de alimentos. Mas – e aqui vou ser obrigado a dar uma má notícias aos engenheiros – vai ter que reduzir o ritmo de crescimento da demanda, sobretudo de consumo que está muito acelerado para não entrar numa espiral inflacionária. Precisará desacelerar com uma certa competência, reduzir o crescimento do PIB para 3% ou 2,5% em 2009, para, quando passar a crise internacional, voltar a acelerar. Esse crescimento menor, contudo, será sobre o nível de atividade que está alto. Fomos pegos em pleno vôo por esse choque e vamos ter que reagir conforme a partitura da música que está tocando.
Como se faz essa desaceleração competente para não comprometer o futuro?
O que puxa a economia hoje é o crédito ao consumo, que, da maneira como está, é insustentável: 70 meses para comprar um carro não está certo. O BC poderia ter regulado isso com mais cuidado, impor requerimento de capital para cada tipo de empréstimo e tornar mais caros os que são feitos por prazo muito longo. Até porque isso compromete muito a renda das famílias. Os bancos fazem o que a China, por exemplo, está tentando: aumento compulsório para não elevar os juros e não comprometer o investimento, que é o que deve continuar se expandindo para não prejudicar o futuro da economia. Essa gestão de demanda não é fácil de fazer, mas pode ser regulada através do crédito. Não há nenhum segredo, é uma questão de operar com competência. O BC está atrasado nessa discussão, usando a taxa de juros e valorizando o câmbio, o que pode nos trazer um prejuízo grave no futuro. É preciso aliviar um pouco os encargos do Banco Central, aumentar o superávit primário, até porque está havendo um crescimento muito rápido da arrecadação. É preciso usar a política fiscal para não deixar que tudo se concentre na monetária.
Então, a crise está sendo mal administrada?
Tivemos algumas complicações na execução da política econômica nos últimos anos. O Banco Central errou o timing, deixou a taxa de juros muito alta e usou o câmbio, que está muito valorizado, de forma excessiva para derrubar a inflação, que ficou abaixo da meta nos anos passado e retrasado. Não é assim que se executa política de metas de inflação. Naquele momento, em 2005 e 2006, quando a economia estava começando a se recuperar, o BC poderia ter baixado mais rapidamente a taxa de juros. Agora, vai ter que agir para evitar que a inflação se espalhe, que é a pior coisa que se pode ter. Com isso, a economia se reindexa – preços, salários, tarifas etc – e entra outra vez naquela espiral infernal, criando um ambiente que é desesperador. Na verdade, está se brincando à beira no abismo. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
Rita Casaro