Reunindo 39 municípios e cerca de 19 milhões de habitantes, o maior conglomerado urbano brasileiro e sul-americano é também farto em problemas. Para dar conta das inúmeras demandas existentes na RMSP (Região Metropolitana de São Paulo), é fundamental gestão e planejamento integrados. É o que apontou o seminário “Cresce Brasil – Região Metropolitana de São Paulo”, realizado em 24 de março último, no Novotel São Paulo Center Norte, na Capital.
Promovido pelo SEESP e FNE (Federação Nacional dos Engenheiros), o debate integra o projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento” – o qual foi lançado pela federação em 2006 e propugna por uma plataforma nacional de desenvolvimento sustentável com inclusão social.
A premência de se encontrarem soluções para a RMSP foi demonstrada pela ampla participação no evento, como observou o presidente do SEESP e da FNE, Murilo Celso de Campos Pinheiro. Aproximadamente 800 pessoas prestigiaram a iniciativa, entre as quais diversas autoridades. Entre elas, o prefeito da Capital paulista, Gilberto Kassab; o vereador Eliseu Gabriel (PSB); o secretário de Estado da Habitação de São Paulo, Lair Krahenbuhl; o secretário adjunto de Saneamento e Energia, Ricardo Toledo Silva, representando o governador José Serra; o secretário adjunto de Esporte, Lazer e Turismo, Flávio Brízida; os deputados federais Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) e Paulo Teixeira (PT-SP); além dos senadores Eduardo Matarazzo Suplicy (PT-SP) e Romeu Tuma (PTB-SP).
Um dos principais problemas é a deficiência no transporte público e conseqüentes congestionamentos monstros, conforme apontaram diversos palestrantes na oportunidade. Na ótica de Jurandir Fernandes, diretor-presidente da Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A), juntamente com políticas públicas para a área, é fundamental pensar no uso e ocupação do solo de forma mais racional. “O grande desafio é investir na infra-estrutura, equipamentos urbanos e na geração de empregos e renda nas periferias e requalificar os centros e subcentros.”
Ele destacou que a RMSP está entre as 20 principais megalópoles do mundo. Concentra 23% do PIB nacional e 77% do estadual, porém sua pujança econômica é ofuscada por 200km de congestionamentos diários. A despeito disso, Fernandes é otimista: “Não é o caos total e tem solução.” E enfatizou que é importante investir pesadamente em sistemas estruturadores, como na ampliação da rede de metrô – hoje de 60km, enquanto a necessidade é de 165km – e na modernização dos trens. No total, seriam 270km de linhas a serviço da população da metrópole, estima. Essa gama seria complementada por corredores de ônibus e, nas pontas, veículos mais leves. Na análise do palestrante, poderia se refletir até mesmo sobre o uso de bicicletas e automóveis públicos em alguns lugares, a exemplo do que ocorre respectivamente em diversas cidades da Europa e nos Estados Unidos. Conforme sua preleção, isso garantiria a retirada do segundo carro da família das ruas e reduziria em 15% a 20% a frota circulante de veículos. Para Fernandes, é necessário ainda pensar a conclusão do rodoanel e ferroanel para a estruturação do transporte de carga. “Mais de 85% fica dentro da região metropolitana, aqui é processada e é agregado valor.”
Convergência política
Radiografia completa da região foi feita por Ubiratan de Paula Santos, pesquisador da USP (Universidade de São Paulo). Ele explicitou como assentaram-se as bases para a desigualdade: “No governo militar, o crescimento girava entre 8% e 10%, mas com exclusão social. O período representou a matriz das periferias. Acrescentamos o componente do alto desemprego, que atingiu 20% da população economicamente ativa no ano de 2002 na Grande São Paulo. Chegamos ao século XXI na região metropolitana com 3 mil favelas. A primeira causa de mortalidade dos 15 aos 49 anos é homicídio e 50% da descarga dos paulistanos vão para os rios e represas.” Para Santos, essas pendências não se resolvem com medidas paliativas. “É preciso avançar na discussão de um novo ente da Federação. As regiões metropolitanas devem passar a sê-lo.”
Para o economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), “só sairemos das mazelas em que nos encontramos se a opção for crescer e se desenvolver”. E na visão do consultor Carlos Monte, coordenador técnico do projeto “Cresce Brasil”, o País caminha nesse sentido. Ele enumerou uma série de projetos indicados no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do Governo Federal para a RMSP, os quais denotariam a escolha pelo investimento em infra-estrutura como forma de elevar a qualidade de vida nas cidades.
A que o Brasil continue nessa rota, como defendeu Pochmann, é importante haver convergência política, inclusive para dar conta das demandas de emprego e qualificação profissional. Na sua constatação, a manter-se a expansão econômica de 5% ao ano, serão gerados 7,5 milhões de postos de trabalho até 2010, sendo 30% pela indústria. “Daria para absorver a todos os que ingressam anualmente no mercado, num total de 2,3 milhões, e ainda reduzir o estoque de desempregados.” Isso se se resolvesse outra questão, como observou Pochmann: garantir a pluralidade no desenvolvimento para não haver necessidade de deslocamentos. “Hoje 1,4 milhão de pessoas trabalham na cidade de São Paulo, mas não residem na Capital. Gerar empregos tem a ver com uma perspectiva territorial.” Uma das possibilidades aos municípios nesse contexto seria buscarem apoio financeiro junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), tema da palestra de Tibor Greif, chefe do Departamento Regional Sul dessa instituição.
Seria, ainda, crucial dar conta da qualificação da mão-de-obra. De acordo com a preleção de Pochmann, a expansão econômica deverá demandar cerca de 250 mil engenheiros e o déficit seria de 82 mil, descontando-se os 90 mil que poderiam atuar nas áreas de tecnologias da informação. E aí “adensar as cadeias produtivas é questão chave, porque permitiria gerar empregos com mais qualidade”.
É preciso também fazer frente à desigualdade social que impera e é reproduzida no mercado para garantir a qualificação da mão-de-obra. “A expectativa média de vida do brasileiro aumentou e não há hoje razão para se começar a trabalhar tão cedo na sociedade urbana industrial. Mas a perspectiva de ingressar no mercado aos 25, 26 anos de idade é realidade para os filhos dos ricos do País. Os dos pobres começam aos 15, 16 e a ascensão profissional nas empresas está cada vez mais difícil. O prolongamento dessa entrada é medida necessária inclusive para preparar melhor os jovens e construir uma educação para a vida toda, necessária à sociabilidade”, atestou o presidente do Ipea.
Habitação e saneamento
Entre os graves problemas enfrentados pelas cidades, a falta de moradias dignas e carências no saneamento. A maior parte do déficit habitacional nacional – de 8 milhões de moradias – está concentrada na região Sudeste, principalmente na RMSP. Segundo João Crestana, presidente do Secovi-SP (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis de São Paulo), metade é por inadequação. “São pessoas que residem em favelas, palafitas, cortiços, coabitações. E essas ocupações irregulares ocorrem em vazios urbanos, sem supervisão imobiliária, devido, em grande parte, a regulamentação excessiva.” Ele alfinetou: “Prioridade tem que ser a moradia digna, o que requer adensamento responsável, agilidade nas aprovações e um plano estratégico para a região, com menos hipocrisia e mais pragmatismo.” Para o empresário Nelson Nucci, o cerne dessa discussão está na exclusão social. Tanto que, de acordo com sua apresentação, quando a infra-estrutura de saneamento chega, valoriza a terra e o passo seguinte é a expulsão da população carente para áreas em que o Estado está ausente. “Não é possível ofertar e atender a universalização desse setor sem corrigir distorções no processo do uso e ocupação do solo, resultado da perversidade do mercado.”
No saneamento, é preciso haver investimentos para garantir a eficácia em abastecimento de água e coleta de esgotos – serviços assegurados a praticamente 100% da população da RMSP –, bem como dar solução a outras demandas, como drenagem de águas pluviais e controle de enchentes, varrição, coleta, tratamento e disposição de resíduos sólidos. “São necessários R$ 9 bilhões até 2015 para manter a universalização. O PAC prevê cerca de 20% desse total.” E, como comemorou Nucci, pela primeira vez, fala em saneamento integrado, que abrange todos os sistemas. A articulação Estado-município é igualmente importante.
Soraya Misleh