Além de as mulheres optarem cada vez mais por profissões antes dominadas por homens, como as engenharias, sua absorção em postos de trabalho tidos no passado como eminentemente masculinos também tem se expandido. Uma das contribuições importantes a essa mudança é o avanço das tecnologias. É o que afirma Maricilia Volpato, mestre em tecnologia pela UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná).
“No próprio chão de fábrica isso é muito perceptível. As atividades que antes eram mecanizadas agora são automatizadas. Então, tem que ter o domínio do processo, mas no sentido de saber manusear a máquina, conhecer uma programação, qual tecla apertar. O setor automotivo reflete bem isso, a eletrônica nos carros vem facilitar bastante”, relata. Thaise Nardelli, mestranda em tecnologia pela mesma instituição, desenvolveu pesquisa no período de 2003 a 2007 junto a esse segmento de atividade e aponta faceta dessa evolução: “Nos cursos de aprendizagem do Senai-PR (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, Regional do Paraná), a diferença aproximada é de 60% de meninos e 40% de meninas, porém elas estão concentradas em áreas de gestão e design gráfico. Em metalmecânica, eletroeletrônica, mecânica automotiva, sua participação gira entre 5% e 12%.” Mas antes era praticamente inexistente e a tendência, como confirma, é de crescimento.
Apesar de em percentual menor, continua Nardelli, as indústrias absorveram tanto um gênero quanto o outro. “E as meninas puderam passar por todas as áreas da fábrica devido a essa automação, desde montagem, pintura, solda, até reparação, qualidade, durante o curso de aprendizes.” Ela acrescenta: “Inclusive quando foi perguntado qual a preferência delas para trabalhar, acabaram citando a área de pintura, que, até pouco tempo atrás, exigia força física ou resistência.”
A maior presença feminina na indústria tem a ver com uma preferência que começa a se consolidar. “Deve-se ao fato de sua delicadeza e atenção peculiares. O retrabalho é bem menor, porque a coordenação motora fina delas é muito mais apurada. Agora, nas oficinas de reparação da área automotiva, em especial, a gente percebe que é por uma demanda de clientes.” Segundo sua análise, as mulheres preferem comprar esses serviços de suas colegas de gênero, dada a crença de que poderiam ser enganadas por homens, por exemplo na troca de uma peça. “Os supervisores de indústrias e concessionárias já estão pensando em adequar suas oficinas mecânicas, seus vestiários e uniformes para recebê-las, porque acreditam que esse é um caminho sem volta.”
Trabalho a distância
Além dos avanços que garantiram a automação de processos e vêm reduzindo a distância de gênero dentro das fábricas, as chamadas tecnologias de informação também têm contribuído para a inclusão feminina no mercado de trabalho como um todo. Afora o maior acesso ao conhecimento, via Internet, como lembra Volpato, o trabalho a distância facilita muito. “Enquanto não houver essa divisão de atividades domésticas que a gente vem lutando há séculos, é uma maneira de a mulher se posicionar inclusive em profissões que demandam alto conhecimento tecnológico.” Estudo da Fundação Perseu Abramo relativo a este início de século dá a medida dessa diferença e joga luz sobre o problema da dupla jornada: aponta que praticamente a totalidade das mulheres (97%) permanece como principal responsável pelas tarefas domésticas e quase metade é também provedora da casa (45%).
A pretendida eqüidade requer, na concepção de Nardelli, mudança cultural importante. Deve, de acordo com ela, começar dentro de casa, passar pela mídia, escola e sociedade. “A diferenciação de gênero é nas pequenas coisas, as grandes, como a menor inserção no mercado, são conseqüência daquilo que a gente já traz desde criança.”
À espera dessa mudança, a conquista de profissionais do “sexo frágil” por espaços predominantemente masculinos tem reflexos no desenvolvimento tecnológico. Na ótica da mestranda da UFTPR, as indústrias automotiva e de eletrodomésticos ilustram muito claramente isso. Nessa última, afirma, “tem exemplos muito claros, como a evolução dos liquidificadores. Antigamente a limpeza era um sofrimento e por muitos anos ninguém perguntou às mulheres, principais usuárias, se aquilo era funcional. Hoje, vêm como menos peças para montar e desmontar, têm sistema de autolimpeza, botões desenvolvidos de forma que não acumulem sujeira nos cantos”. Nos automóveis também se nota esse avanço. “O formato anatômico do banco, a regulagem da altura do volante, a necessidade de travas diferenciadas nas portas traseiras por causa dos filhos, essas adaptações de tecnologia são reflexos da maior inserção das mulheres.”
Soraya Misleh