Um grupo de empresas da cidade encontrou um destino para lá de nobre a um dos grandes vilões do acúmulo de resíduos nos centros urbanos. As embalagens PET (politereftalato de etila) – cuja produção brasileira anual estimada é de 374 mil toneladas e que deixadas no ambiente levam 500 anos para se decompor – agora podem ser transformadas em cartões magnéticos.
Quem atesta é Ferdinando Roberto Carvalho, diretor da Urbanize, especializada em artes gráficas em plástico e que une o elo que tira a garrafa de refrigerante do lixo e a coloca no bolso do usuário de cartão de crédito, lançando mão de uma tecnologia inovadora. “Transformamos o PET em chapa para impressão por meio da extrusão. Basicamente, força-se o PET, já picado ou em forma de flake, dentro do equipamento e, lá na ponta, ele sai no formato que se quer. Tivemos que investir em processos químicos e adaptação de máquinas para atingir o resultado desejado.”
O desafio do cartão magnético foi proposto em 2007 pelo Banco do Brasil, que pretendia lançar o seu em 2008 em comemoração aos 200 anos de sua fundação. Começou-se então um esforço para fazer não só um produto ambientalmente sustentável, mas de alto desempenho e competitivo economicamente, que se equipare ao PVC e até possa substituí-lo, já que esse plástico enfrenta na Europa denúncias de ser venenoso.
Assim, a tecnologia precisou ser aprimorada para dar conta das exigências do cartão magnético, consumindo cerca de R$ 250 mil até se chegar à chapa ideal, com a resistência desejada e as condições de impressão necessárias. “Usa-se apenas garrafa transparente, que não pode ter qualquer contaminação, o que descarta embalagens de óleo ou ketchup, por exemplo. O flake produzido passa por um processo adicional de purificação e recebe o nome de bullet”, afirma Carvalho, sem revelar os “vários segredos” que resultaram na marca registrada, a Recicard. Legalmente impedido de imprimir os cartões, o que exige credenciamento oficial, a Urbanize estabeleceu parceria com a IntelCav, que os comercializa junto aos bancos. “Nós fornecemos a chapa e ganhamos royalty sobre a venda do cartão. Trabalhamos com eles também no desenvolvimento da impressão nas chapas recicladas”, informa.
O primeiro a fechar negócio e prestes a colocar o cartão reciclado no mercado, embora a iniciativa tenha sido do Banco do Brasil, foi o Bradesco. Esse aguarda apenas a homologação internacional do produto, que precisa funcionar em qualquer lugar do mundo. A encomenda inicial, que servirá como teste, ficou em 50 mil unidades, mas pode chegar, segundo Carvalho, a mais de 1 milhão.
Vitrine
Se o cartão magnético de PET reciclado se popularizar, poderá contribuir para retirar dos aterros sanitários, ruas e até rios as embalagens que não encontravam destino. A cada dez cartões, consome-se uma garrafa de refrigerante. Apesar disso, Carvalho aposta na novidade mais como propaganda da reciclagem. “Nós aceitamos esse desafio por vários motivos, entre eles por se tratar de um produto top de linha, que serviria para valorizar os reciclados em geral, ainda não tão bem vistos no mercado. Mas a demanda representada pelo cartão não se compara ao que pode significar uma iniciativa do poder público de optar pelo reciclado”, pondera. Um bom exemplo, na sua opinião, foi dado pela Prefeitura de São Paulo, que fez uma licitação para a fabricação das maletas que serão entregues aos alunos da rede municipal. “Ganhamos a concorrência e estamos fazendo 277 mil. Foram 120 toneladas de flake, o que dá 150 toneladas de garrafas ou 1,5 milhão de embalagens retiradas do lixo”, contabiliza o diretor da Urbanize.
Utilizar o PET como alternativa ao PVC, além de beneficiar o meio ambiente, em Sorocaba também contribui para a inclusão social na cidade, que investe na organização dos catadores. “Essa demanda ajudou muito, o preço era irrisório, ninguém queria pegar, ia tudo para o aterro sanitário”, confirma Dácio Diniz, diretor da EcoEso, uma das cooperativas organizadas na localidade. De acordo com ele, agora o quilo do PET é vendido a R$ 0,85 e o mercado não pára de crescer. “Se tivéssemos 90 toneladas por mês, iria tudo”, comemora.
Rita Casaro