É o que defende o economista Marcio Pochmann nesta entrevista ao Jornal do Engenheiro, em contraposição à visão neoliberal que prega o Estado mínimo. À frente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) desde 14 de agosto último, ele assume a entidade federal com o objetivo de fortalecê-la, para que possa contribuir com conhecimento na tomada de decisões dos gestores públicos.
Autor de 27 livros que abordam questões relativas à inclusão social, desenvolvimento e políticas de emprego, professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e ex-secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura Municipal de São Paulo na gestão de Marta Suplicy, Pochmann propugna, assim, por um Ipea autônomo e plural que cumpra sua missão de “pensar o Brasil no médio e longo prazo”.
Em 12 de setembro, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou o índice de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) no segundo trimestre do ano, que aponta que possivelmente vai se alcançar a expansão esperada para este ano, de 5%. Como transformar esse crescimento em desenvolvimento?
Esse sempre foi o nosso desafio no Brasil. Historicamente tivemos um crescimento considerável ao longo do século XX, que, no entanto, não se transformou em desenvolvimento, na medida em que a qualidade de vida do conjunto da população não aumentou no mesmo sentido e ritmo. Basicamente isso se deve à ausência de reformas que pudessem viabilizar a chegada do crescimento para todos. Mantivemos um país com grande concentração fundiária, por exemplo. Simultaneamente, o Brasil não fez reformas tributárias que permitissem que o enriquecimento das pessoas melhor atendidas fosse compartilhado e a tributação terminou onerando mais os mais pobres. Também não constituímos um Estado de bem-estar social.
Como vencer esse desafio e fazer com que haja desenvolvimento com justiça social, como propõe o projeto “Cresce Brasil“, da Federação Nacional dos Engenheiros?
Voltou à agenda a questão do crescimento, praticamente desconsiderada porque desde a instituição do Plano Real, em 1994, a preocupação fundamental era com a estabilidade monetária. E a partir dos anos 2000, 2003, tivemos uma constatação de que o Brasil vinha distanciando-se do ritmo de crescimento de outros países. Esse debate ganhou dimensão especialmente a partir do ano passado, em torno das eleições. Por conta disso, o Governo lançou o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, já que nosso ritmo de expansão é um dos mais baixos da América Latina. Agora, temos que avançar mais do que apenas buscar crescimento econômico, o qual é fundamental, mas precisamos considerar o conjunto dos seus beneficiários.
Para que o PAC realmente funcione, como deve se dar sua gestão?
Temos um problema de coordenação, com uma desconexão, em alguns momentos, entre as decisões do Ministério da Fazenda, do Planejamento, do Banco Central. É preciso que haja convergência nesse sentido. E a questão da gestão é a capacidade de implementação e efetividade do PAC e o seu monitoramento, considerando que são mais de 1.500 operações. Não há problema de recursos, mas certamente de gestão, que está diretamente relacionada à quantidade e, sobretudo, qualidade dos funcionários públicos. Hoje, esses correspondem a apenas 8% da população brasileira ocupada. Em 1980 eram 12%. Nos EUA, são quase 17%, nos países europeus, 25%, e nos escandinavos, praticamente 40%. Temos, por exemplo, no ensino médio apenas 40% dos jovens matriculados na faixa etária de 15 a 17 anos de idade. Para o Brasil ter uma situação próxima do Chile, que tem quase 90%, precisaríamos incorporar cerca de 5 milhões de jovens. Para atender essa quantidade, o País necessitaria construir alguma coisa como 50 mil salas de aula, contratar 500 mil professores. A inclusão social exige médicos, enfermeiros, professores, engenheiros. Precisamos ampliar a capacidade de intervenção do Estado. Nesses últimos 25 anos, o Brasil perdeu 2,5 milhões de funcionários públicos. Quinhentos mil em decorrência da privatização das empresas estatais e 2 milhões na administração pública, por força inclusive da terceirização. Para os ricos no Brasil, o Estado talvez até seja grande demais. Agora, para o conjunto da população, é raquítico, faltam escolas, hospitais, estrutura, transporte coletivo de boa qualidade.
Qual seria o papel do Ipea nessa trajetória rumo ao crescimento e desenvolvimento e quais as suas prioridades junto ao instituto?
Nossa principal preocupação é fortalecer o Ipea, garantir a sua autonomia e a pluralidade da produção científica. Precisamos orientar o instituto para essa missão de pensar o Brasil no médio e longo prazo.
por Soraya Misleh