Paulo Roberto Vilela Dias
Atualmente existem mais de 20 mil obras paralisadas em todo o País, e sem expectativa de retomar sua execução. Diante deste cenário, é urgente adotar medidas concretas a curto prazo, não apenas para reiniciar essas obras, mas também para pôr fim a essa prática prejudicial à nação.
A solução mais rápida e eficaz, que não exige grandes mudanças conceituais ou legais, é a proposta apresentada neste artigo. Além disso, essa abordagem poderá assegurar aos profissionais da engenharia uma remuneração justa e em conformidade com a lei. Abaixo listamos os principais fatores para os preços baixos encontrados em algumas licitações públicas:
– ausência de visita técnica ao local das obras;
– ausência de planejamento prévio da construção, isto é, na fase de elaboração do orçamento referencial;
– adoção direta das composições de custos unitários dos serviços, segundo os sistemas referenciais, constantes no projeto sem análise de sua efetiva aplicabilidade ao caso;
– ausência de análise comparativa dos preços dos insumos adotados nas composições de custos unitários com a realidade no mercado das obras;
– produtividade da equipe adotada na composição de custo unitário referencial compatível com a obra em questão;
– custos unitários dos serviços de "Mobilização e Desmobilização", "Instalações Provisórias do Canteiro de Obras" e "Administração Local" compatíveis com o contrato a ser cumprido; e
– taxa de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) de acordo com o valor do contrato.
É sabido que alguns prestadores de serviços de engenharia se baseiam nos orçamentos referenciais dos órgãos públicos para definir suas propostas. Por isso, o entendimento da Caixa, responsável pela elaboração do Sistema Nacional de Pesquisas de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), sobre o verdadeiro papel do custo referencial apresentado nas licitações públicas, é o seguinte: “‘O SRC – Sistema Referencial de Custos’, utilizado como base para o cálculo do custo referencial de uma obra pública, tem caráter genérico e abrangente. Por outro lado, o ‘orçamento’ é específico, refere-se a um caso concreto e representa a estimativa dos recursos necessários para a execução de uma obra em um determinado momento."
É preciso mudar rapidamente esse cenário de obras paralisadas no Brasil, então sugerimos adotar algumas medidas, em consonância com a orientação da Caixa, para que as licitações públicas passem a ter preços referenciais justos, isto é, que permitam ao prestador de serviços arcar com todos os seus custos e ainda obter o lucro previsto na proposta de preços.
Abaixo, três medidas urgentes e que visam garantir o preço justo referencial de uma licitação pública:
– adequar as composições de custos unitários dos serviços, adotadas a partir dos Sistemas Referenciais de Custos, de acordo com o disposto no Decreto nº 7.983/2013, no artigo 8º e em seu parágrafo único;
– elaborar as composições de custos unitários dos serviços de "Mobilização e Desmobilização", "Instalações Provisórias do Canteiro de Obras" e "Administração Local" de acordo com a obra a ser executada, bem como exigir do licitante a apresentação de sua composição para esses serviços; e
– revisar o percentual da taxa de BDI atualmente adotado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no Acórdão n° 2.622/2012.
Taxa de BDI
Os órgãos públicos desconhecem os valores das variáveis que compõem o BDI. Assim, é necessário maior empenho e estudos técnicos refinados para embasar a adoção dos percentuais de BDI a serem admitidos nos orçamentos referenciais, inclusive porque as empresas prestadoras de serviços não têm nenhum compromisso em apresentar valores reais das variáveis do BDI em suas propostas de preços. Isso também vale para as composições de preços unitários dos serviços.
A Taxa de BDI a ser aplicada tanto no orçamento referencial quanto na proposta do licitante poderá seguir as seguintes características:
– adotar, em conformidade com os princípios da Engenharia de Custos e da Teoria da Administração, a seguinte fórmula de cálculo, pois assim as variações no valor contratual serão refletidas de maneira apropriada no lucro previsto da proposta de preços:Cumpre lembrar que o lucro previsto na proposta de preços tem que ser preservado no final do contrato.
O percentual final da Taxa de BDI só pode ser julgado através da análise dos valores das suas variáveis. Assim, temos:
– a variável representativa da Taxa de BDI é a “administração central” e exige uma pesquisa nacional para se admitir percentuais realistas. Este levantamento de campo deve ser realizado por faixas de preços de obras;
– as variáveis “seguros”, “garantia contratual” (atualmente tornada opcional pela Lei nº 14.133/2021) e “riscos” apresentam valores desprezíveis;
– a variável “custo financeiro” depende do momento da economia nacional, quando também pode ser desprezada;
– os tributos sobre a receita são determinados por leis, basta cumpri-las;
– o “lucro previsto” na proposta de preços é uma variável exclusiva do prestador de serviços e será definida em função do seu interesse na obra;
– a restrição ao percentual da Taxa de BDI só poderá se dar após a entrega da proposta de preços pelo licitante e análise minuciosa do valor das variáveis que o compõem.
Ainda sobre o tema, segundo o TCU, em alguns contratos deve-se adotar, além da taxa de BDI, um BDI reduzido diferenciado para fornecimento de determinados materiais, principalmente quando estes representam um valor significativo da obra.
Porém, do ponto de vista técnico e de acordo com a Engenharia de Custos, não há concordância com a aplicação do BDI reduzido em contratos públicos, especialmente com o uso do termo "Mero Fornecimento" para aquisições de grande valor e com elevados riscos.
A aplicação desse conceito é inadequada, pois em grandes aquisições, variáveis como dificuldade de negociação e de acordo financeiro, seguros, embalagem, carga e descarga, logística, custo financeiro e riscos podem representar percentuais superiores aos do BDI de uma obra. Além disso, a compra de grandes volumes e a logística necessária para transportar esses itens até o local de execução da obra geram custos consideravelmente mais altos em comparação com aquisições de menor porte. A mobilização da equipe de compras também é mais intensa e de custo bastante elevado, dada a complexidade de discussão das especificações técnicas e a negociação envolvidas.
Portanto, a adoção do conceito de “Mero Fornecimento” ou de um BDI reduzido, nas condições atuais, é inviável e não há justificativa técnica para a redução dos percentuais das variáveis da Taxa de BDI Referencial no contrato. Assim, é razoável que em cada orçamento ou contrato exista um único percentual de BDI.
A única variável que exige um estudo minucioso pelo órgão público é a "administração central", em razão de seu elevado percentual na composição da Taxa de BDI (quadro abaixo). Recomenda-se aos órgãos públicos elaborarem uma pesquisa de campo junto às empresas prestadoras de serviços de engenharia para determinar os percentuais médios por faixas de valores de contratos. No mínimo devem ser implantadas três faixas de valores.
Conclusão
Com base nas análises e considerações apresentadas, é fundamental que sejam tornadas obrigatórias nas licitações públicas as seguintes atividades:
- Adaptação das composições de custos unitários conforme o Decreto nº 7.983, de 8 de abril de 2013, que estabelece “regras e critérios para elaboração do orçamento de referência de obras e serviços de engenharia, contratados e executados com recursos dos orçamentos da União, e dá outras providências” (confira aqui, em especial o artigo 8º e seu parágrafo único).
- Abolição do uso do "BDI reduzido" em grandes aquisições;
- Adoção da unidade "mês" para serviços de administração Local.
Essas medidas visam garantir licitações mais justas e transparentes, assegurando a qualidade das obras públicas.
Paulo Roberto Vilela Dias é engenheiro civil, MSc e CRK, presidente do Instituto Brasileiro de Engenharia de Custos Ibec) e da Faculdade Álvares de Azevedo (Faatesp) e diretor do International Cost Engineering Council (Icec)