Rita Casaro
O consultor político Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho: investir em infraestrutura e valorizar a engenharia são questão prementes da agenda nacional. Foto: Rita CasaroA previsão é do analista político, Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, diretor-presidente da consultoria Consillium, que foi diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) por 35 anos. Para ele, superados em 2025 desafios prementes, como o combate à fome, à inflação e ao desemprego, as eleições gerais deste ano serão oportunidade ao debate de questões transformadoras.
Entre essas, Toninho inclui a proteção ambiental e o enfrentamento da crise climática e o fortalecimento do movimento sindical que foi atingido gravemente pela reforma trabalhista de 2017, além da regulamentação da inteligência artificial como forma de proteção ao emprego e coibição da desinformação. “É preciso haver esse momento de conscientização e acho que 2026 vai cumprir um pouco esse papel, inclusive com as entidades sindicais retomando o protagonismo quanto ao debate dos temas centrais”, defende.
O consultor avalia que os temas ligados ao desenvolvimento também terão destaque na pauta. “Nós temos um país que é a oitava economia do mundo, mas está na 51ª posição em matéria de infraestrutura, quando o correto seria ter equivalência. Estou muito confiante de que haverá muito investimento em ciência e tecnologia, na questão da soberania, na proteção de trabalho digno”, afirma.
Nesse contexto, Toninho também vislumbra espaço para a valorização da engenharia, com atenção do Congresso aos temas pertinentes à profissão. “Os países que se desenvolveram investiram enormemente. A China tem muito mais engenheiros que advogados; no Brasil é o contrário. Então, acho que investir na formação, atualizar a lei, valorizar essa profissão são medidas que vão se impor naturalmente, especialmente nesse mundo em que está havendo uma revolução do ponto de vista tecnológico”, aponta.
Graduado em jornalismo, mestre em Políticas Públicas e Governo e autor dos livros “Para entender o funcionamento do governo e da máquina pública” e “Por dentro do processo decisório: como se fazem as leis”, ele alerta ainda para importância de garantir o funcionamento das instituições e o equilíbrio entre os poderes. Esse aspecto, assevera, é essencial para que em 2026 realmente haja a superação do “debate marcado exclusivamente por emoções, comportamentos e questionamentos que não levam à solução de problema, mas apenas despertam campanha de ódio, de ressentimento e divisão”.
Confira na entrevista ao Jornal do Engenheiro a seguir e no vídeo ao final.
Qual o seu balanço de 2025, ano que foi bastante agitando, registrando até sanções dos Estados Unidos contra o Brasil?
O ano de 2025 foi particularmente importante porque os desafios eram muito grandes. Nós tínhamos um Congresso hostil, um mercado hostil, relações internacionais hostis, e a despeito disso, o governo federal conseguiu fazer com que as instituições continuassem funcionando normalmente. A despeito dos ruídos, conseguiu-se, pela primeira vez, punir um ex-presidente da República e o seu entorno por ataque à democracia, incluindo a alta cúpula das Forças Armadas. O governo do Presidente Lula conseguiu manter a democracia, buscar reconstruir o aparelho de Estado, depois da tentativa de desmonte anterior, com concurso de novos servidores e melhoria salarial desses, com a inauguração de vários programas sociais e a intensificação de outros. Graças a isso, chegou-se ao final do ano com relativa tranquilidade, a inflação sob controle, o câmbio abaixo das expectativas de mercado, portanto equilibrado, os juros ainda um pouco altos, mas com tendência de queda, e o emprego e a renda crescendo de um modo exponencial. A isenção do Imposto de Renda [para ganhos de até R$ 5 mil] foi uma das políticas mais importantes do governo. Foi uma promessa extremamente relevante, e havia enormes dificuldades para cumpri-la porque significava colocar os pobres no orçamento e os ricos no Imposto de Renda. E há ainda a política de aumento real do salário mínimo. Essa questão da crise climática, a COP30 foi um negócio fundamental para projetar o tema e o Brasil nacional e internacionalmente.
Medidas para o fortalecimento do movimento sindical, o que era uma expectativa desde o início do governo, não aconteceram neste último ano também.
Infelizmente, alguns temas ficaram para trás, não foi possível, dadas a dificuldade e as coincidências de episódios desfavoráveis nesse período. O governo tinha o compromisso de rever a questão do financiamento sindical neste mandato, mas a situação indica que isso ficará para um próximo. Essa CPMI do INSS criou um ambiente que, em lugar de avançar desse ponto de vista, significou retrocesso na medida em que foram aprovados projetos impedindo o desconto em folha em favor das entidades de aposentados. Então, [criou-se] um ambiente muito ruim para tratar da questão do financiamento sindical. [Em 2026], a questão do mundo do trabalho vai ter um debate bastante importante. O Supremo, em 2025, em relação à questão sindical, reiterou o direito à contribuição assistencial ou negocial, fixada em Assembleia, permitindo que possa ter a oposição daqueles que não concordaram. Mas, por outro lado, definiu uma regra muito importante, que é o reconhecimento de que o empregador interferir para que o trabalhador se oponha caracteriza prática antissindical. Isso significa que o empregador poderá sofrer sanções penais e civis caso interfira, como fez em alguns momentos, inclusive [contra] o Sindicato dos Engenheiros, estimulando trabalhadores a se opor à contribuição que daria condições do sindicato ampliar o seu trabalho de proteção da categoria. [Outro] tema, o principal na minha avaliação, para o próximo mandato é a redução da jornada sem redução do salário. Ou seja, a mudança da escala 6 x1 para 5x 2. Em relação à Previdência Social, acho que chegou o momento de efetivamente modificar a fonte de financiamento da folha para o faturamento, considerando que hoje tem mais trabalho e menos emprego formal.
O que mais se espera para este ano de 2026, em que haverá eleições gerais?
É um ano de consolidar as conquistas do mandato anterior e trabalhar um programa de alternativo à postura retrógrada e anticivilizatória da extrema-direita no Brasil. Então, é o momento de debater temas relevantes para o futuro do Brasil: defender o meio ambiente, regulamentar o uso exagerado da inteligência artificial sem garantias de proteção quanto ao emprego e quanto ao uso inadequado desses. De modo que é importante, não apenas eleger o Presidente, mas uma grande bancada na Câmara dos Deputados e principalmente no Senado, porque as forças de extrema direita querem ganhar a maioria e contratar uma crise no País. Bloquear a pauta governamental, de um lado, e destituir ou impedir ministros do Supremo, de outro. Será um ano de debater e criar as bases para os próximos quatro. Agora, para isso é preciso que os brasileiros tenham juízo e não retomem aquele projeto obscurantista dos períodos de Temer e Bolsonaro, que estavam preocupados exclusivamente com luta política, com desmonte da indústria nacional e dos direitos sociais. É preciso haver esse momento de conscientização e acho que 2026 vai cumprir um pouco esse papel, inclusive com as entidades sindicais retomando o protagonismo quanto ao debate dos temas centrais. Fugir dessa pauta polarizadora e centrar numa que seja de interesse da sociedade, que traga a inclusão social, que evite esse ataque sistemático às instituições e à democracia, mediante um regramento de que a liberdade de expressão é plena até o limite em que ela se constitua crime ou vá de encontro as garantias fundamentais da população. Por exemplo, fazer campanha contra a vacina é uma coisa absurda. Acho que o governo também vai enfrentar fortemente essa questão da segurança pública. É uma coisa muito grave o que vem acontecendo no Brasil nos últimos anos, com a quantidade enorme de assaltos, feminicídios etc.. E isso vai ser enfrentado como uma prioridade, combinando políticas públicas de proteção, integração, esclarecimento e de repressão àqueles que cometerem crimes dessa natureza. E o Brasil está avançando muito no combate à corrupção. O Supremo Tribunal Federal hoje já tem um diagnóstico preciso do crime organizado no Brasil, que se nutre basicamente através de fintechs e que utiliza muito fortemente as redes sociais para disseminar suas ações. Por exemplo, as transações via fintechs agora terão que ter o mesmo tratamento dos bancos oficiais. Isso permitiu identificar uma ramificação enorme de desvio de conduta, de crime organizado, inclusive via bets e outros mecanismos recentemente criados e que não tinham sido ainda devidamente regulamentados.
Você menciona a regulamentação da IA e o combate à desinformação como prioridades para a agenda de debate em 2026. Num eventual próximo mandato é possível que a pauta da democratização da comunicação, incluindo a regulação das big techs, tenha força?
O governo colocou o Guilherme Boulos na Secretaria-Geral da Presidência e vai promover um diálogo com a sociedade, com as comunidades, nos seus territórios, a respeito de vários temas, inclusive esse da democratização das comunicações. A crítica que se faz ao governo é que ele deixou de realizar algumas coisas, mas eram as que poderiam ficar para um segundo momento, considerando que as que foram enfrentadas e resolvidas eram mais urgentes, como o combate à fome, a política de aumento real do salário mínimo, o combate à inflação, a geração de emprego e renda. De modo que 2026 será um ano, na minha avaliação, de transição para essas grandes transformações, especialmente de consciência política, de trazer o debate para as propostas, os programas; aquilo que orienta para a decisão em favor da população, e não um debate marcado exclusivamente por emoções, comportamentos e questionamentos que não levam à solução de problema, mas apenas desperta campanha de ódio, de ressentimento e divisão.
No campo do desenvolvimento nacional, pode-se esperar que a engenharia tenha protagonismo? Haverá iniciativas voltadas aos investimentos produtivos e ao desenvolvimento?
Esse é um dos temas mais interessantes e está com muita ênfase na agenda governamental. No âmbito do Ministério do Planejamento, há um programa chamado “Estratégia Brasil 2050”, então, um planejamento de longo prazo em que a infraestrutura e o desenvolvimento estão no centro. O Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) está trabalhando com outra linha de atuação a mais curto prazo, que é o chamado “Pilares de um projeto de nação”, que também tem um foco muito forte no desenvolvimento sustentável e na retomada forte da infraestrutura. Nós temos um país que é a oitava economia do mundo, mas está na 51ª posição em matéria de infraestrutura, quando o correto seria ter equivalência. De modo que temos aí uma preocupação muito grande, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e todos os órgãos de fomento do governo federal foram retomados com muita força para reestabelecer a engenharia nacional, que foi desmontada pela Lava Jato, e nos governos anteriores não houve qualquer investimento em relação ao desenvolvimento do País. Estou muito confiante de que haverá muito investimento em ciência e tecnologia, na questão da soberania, na proteção de trabalho digno e social. Tem que trabalhar na regulamentação da inteligência artificial, das big techs, das fintechs, desses órgãos que ganham muito, empregam pouco e pagam pouco imposto, e também na questão da infraestrutura para assegurar desenvolvimento, logística para que o Brasil possa escoar a sua produção.
Os projetos de interesse da engenharia que tramitam no Congresso, como a atualização da Lei 5.194/66, que regulamenta a profissão, e a instituição da Carreira de Estado, devem ter avanço?
Eu acho que as diretrizes para atualização da lei que regulamenta a engenharia vai ser prioridade indiscutivelmente. Inclusive vem sendo discutida a ideia de promover uma Conferência Nacional da Engenharia para colocar em foco esse debate. Os países que se desenvolveram investiram enormemente em engenharia. A China tem muito mais engenheiros que advogados; no Brasil é o contrário. Então, acho que investir na formação de engenheiro, atualizar a lei, valorizar essa profissão são medidas que vão se impor naturalmente, especialmente nesse mundo em que está havendo uma revolução do ponto de vista tecnológico. O engenheiro tem relação direta com isso e é quem pode ajudar para que esse desenvolvimento seja sustentável e que inclua a população brasileira. Quanto à lei que trata da carreira pública de Estado, tem uma dificuldade monumental nisso: a responsabilidade por definir se uma carreira é de Estado ou não, compete a cada ente federativo. Então, por exemplo, a União define, os Estados definem, os municípios definem. Não é uma coisa que tem [apenas] uma lei nacional, porque cada situação vai ser examinada separadamente. Mas isso não impede que seja feita uma lei nacional, com diretrizes, para que estados e municípios possam adotá-la. É um tema que o governo federal é a favor, mas tem esse tipo de dificuldade na sua implementação. Agora mesmo no Senado, o relator [do Projeto de Lei 1.269/2023] é o senador Fabiano Contarato, que está à disposição, mas tem esse tipo de oposição dos entes infranacionais que resistem à ideia de implementar na unidade local um parâmetro que saia do governo federal. Até mesmo ao piso salarial, eles resistem porque acham que têm menos condições. Mas o fato é que tem que perseverar nessa pauta, insistir nela e buscar uma solução que contemple a todos. Ainda que no plano estadual e municipal se apliquem os princípios gerais, e a negociação detalhe isso melhor, é importante que se busque a transformação dessa proposição em norma legal para que os engenheiros sejam valorizados e efetivamente reconhecidos como uma carreira de Estado.






