Jéssica Silva
O ano de 2024 poderá ser datado como o momento em que de fato grandes nações terão que se preocupar com a transição da matriz energética poluente para as fontes limpas. O passo a mais rumo à sustentabilidade do planeta foi dado na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP 28), realizada entre novembro e dezembro último, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Seu relatório final, após 12 dias de negociações entre representantes de 198 países, pontuou, pela primeira vez, a transição para o fim dos combustíveis fósseis, com a meta de se atingir a neutralidade de carbono até 2050. Ainda, propõe que a capacidade de energia renovável, em nível mundial, seja triplicada até 2030. A menção, no entanto, foi aquém do esperado, devido aos impactos das mudanças climáticas que o planeta enfrenta e servem de alerta para a urgência da mitigação dos gases de efeito estufa – oriundos dos combustíveis fósseis.
“A escolha do termo ‘transitioning away’ [no relatório da COP, que pode ser traduzido em ‘transição para o fim’], ao invés de ‘phase out’ [que significaria ‘acabar com’], foi notada. Enquanto para alguns esse foi considerado um passo positivo, para outros, representou uma mera afirmação do que já vinha sendo feito”, revela Karen Louise Mascarenhas, diretora de Recursos Humanos e Comunicação Institucional do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) da Universidade de São Paulo (USP).
Ela participou da delegação da instituição na conferência, juntamente com Suani Teixeira Coelho, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Bioenergia (GBio) da USP, a qual alerta: “Não tem clareza sobre o financiamento [para transição energética] nos países pobres.”
Para Mascarenhas, abordar as questões de modo significativo, com metas específicas e sanções, é imperativo para enfrentar efetivamente as mudanças climáticas. Alguns países, como observa, no entanto, “defendem que anunciar a eliminação gradual dos combustíveis fósseis pode desencorajar o desenvolvimento de tecnologias de redução de emissões, como o CCS (Captura e Armazenamento de Carbono)”.
De acordo com o Centro Climático do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep, na sigla em inglês), as emissões globais em 2022 atingiram 57,4 gigatoneladas de carbono equivalente (GtCO2eq), um aumento de 1,2% em relação a 2021.
É preciso avançar no debate para obter ações concretas, como frisa Mascarenhas: “É importante viabilizar todas as alternativas que possam permitir o atingimento das metas de descarbonização, com suporte de tecnologias, políticas públicas e a mudança de comportamento.”
Acordo de Paris, na COP 21 – e aprovou a criação do Fundo de Perdas e Danos, direcionado às nações mais vulneráveis às mudanças climáticas. Demanda fundamental, não obstante, recebeu doações de países desenvolvidos que somaram valor em torno de US$ 700 milhões – abaixo do presumido.
A COP 28 reforçou o limite do aumento da temperatura média global em 1,5°C – compromisso estipulado pelo
“Essa disparidade ressalta a necessidade de um comprometimento mais robusto para enfrentar os desafios climáticos de maneira eficaz e equitativa”, avalia a diretora do RCGI. Mas reconhece: “Estamos no percurso, na medida em que cada país signatário se compromete em intensificar as ações ao longo desta década crucial, fundamentando-se nas mais recentes evidências científicas, considerando a equidade e o princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, levando em conta as capacidades respectivas, as diversas circunstâncias nacionais, e dentro do contexto do desenvolvimento sustentável.”
A vez do Brasil
Realizada anualmente desde 1995, a COP tem como objetivo analisar a conjuntura, obrigações e soluções às questões do clima por meio do consenso entre as partes, ou seja, as nações. “Delegados governamentais dos países-membros discutem os termos dos acordos, enquanto jornalistas, representantes de ONGs e da sociedade civil participam como observadores, acompanhando as deliberações tomadas”, conta Mascarenhas.
O Brasil é parte da história, já que a COP dá seguimento à primeira grande conferência sobre o meio ambiente, realizada no Rio de Janeiro em 1992, a ECO-92, também conhecida como Cúpula da Terra.
Nesta última edição, o País teve participação marcada pela redução do desmatamento na Amazônia Legal, com queda de 22,3%, no período de agosto de 2022 a julho de 2023 – evitando a emissão de 133 milhões de toneladas de carbono equivalente, conforme dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes). Ainda, apresentou a proposta de recursos para conservação das florestas tropicais, o Fundo Floresta Tropical para Sempre; e o programa Cidades Verdes e Resilientes, elaborado pelos Ministérios das Cidades, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Apesar disso, recebeu da rede global de Organizações Não Governamentais (ONGs) ambientalistas Climate Action Network (CAN) o antiprêmio “Fóssil do Dia”, pelo anúncio de participação na Organização dos Países Produtores de Petróleo Plus (Opep+).
preside o G20, e no próximo, 2025, quando sediará a COP 30, em Belém (PA).
A dualidade de posições, segundo a diretora do RCGI, revela “a necessidade de uma avaliação crítica das políticas relacionadas ao setor de combustíveis fósseis, à medida que o País busca um equilíbrio entre suas atividades econômicas e o compromisso global de enfrentar as mudanças climáticas”. Tal avaliação é imprescindível, já que a atuação do Brasil ganha destaque neste ano, em que
“O Brasil participou da plenária principal [da COP] pela primeira vez, e pôde palestrar, o que mostra a importância do tema e as ações que vêm sendo desenvolvidas”, conta o secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Adalberto Maluf. Debates como gestão de resíduos e inserção socioprodutiva dos catadores foram protagonizados pela delegação brasileira.
Segundo Maluf, está na ordem do dia para 2024 o desenvolvimento de uma política Nacional de economia circular baseada nas fontes de energia renovável. E, por meio da participação do MMA na Coalizão Clima e Ar Limpo para Reduzir Poluentes Climáticos de Vida Curta (CCAC – no original em inglês Climate and Clean Air Coalition to Reduce Short-Lived Climate Pollutants), o País conseguiu o aporte de US$ 4,5 milhões para “projetos de redução de metano (CH4), de melhoria da qualidade do ar”.
São Paulo no caminho
A cidade de São Paulo marcou presença na COP 28 por meio de delegação de secretários e assessores. “Estreitamos os laços com instituições internacionais importantes, como o Iclei [International Council for Local Environmental Initiatives], a C40, a Fundação Bloomberg, ONU Habitat, além de instituições privadas de financiamento climático”, publicou em seu blog pessoal o então secretário executivo de Mudanças Climáticas, Gilberto Natalini.
Segundo o ele, o município está no caminho certo para cumprir as metas propostas pela COP 28 com o Plano de Ação Climática de São Paulo (PanClima), que estipula a redução de 50% das emissões líquidas até 2030 e de 100% até 2050. “A Secretaria tem previsto para o orçamento de 2024 o valor de R$ 1 milhão, que será distribuído para a execução de todos os projetos coordenados pela Seclima”, afirma Natalini.
Entre estes, estão a implementação e monitoramento do PanClima, atividades do Comitê Municipal de Mudanças Climáticas e Ecoeconomia (CMMCE), a coordenação da Operação Integrada de Defesa das Águas (Oida), o programa das Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais (APRM) em convênio com o Governo do Estado, a elaboração do Plano Preventivo de Chuvas de Verão (PPCV) e ações do Comitê Gestor do Programa de Acompanhamento da Substituição de Frotas por Alternativas Mais Limpas (Comfrota).
Ações de conscientização, engajamento e educação quanto às mudanças climáticas junto à administração e à sociedade paulistana também estão entre as atividades programadas. “São Paulo mostrou sua cara na COP 28, com ações e propostas concretas, e foi correspondida pelos parceiros de outras partes do mundo. Compomos a vanguarda das cidades que estão praticando políticas públicas de ações climáticas”, garante Natalini.
*Texto atualizado em 10/1/2024, às 10h56.
Foto do destaque: Freepik