Soraya Misleh
Em atividade promovida pela FNE (Federação Nacional dos Engenheiros) e SEESP, o ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), jurista Francisco Rezek, afirmou que tentativa de acabar com o piso não deve prosperar. Referência feita a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental apresentada em 2009 pela governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB-MA) – processo utilizado para se alegar que a Lei 4.950-A/66, relativa ao piso – correspondente a nove salários mínimos para jornada diária de oito horas –, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. E a Justiça do Trabalho, ao aplicar tal norma, estaria descumprindo o que estabelece a Carta Magna. Ministrada no auditório do SEESP, na Capital paulista, em 24 de abril, a palestra reuniu cerca de 200 pessoas, incluindo dirigentes de Senges de diversos estados e assessores jurídicos de tais entidades, além de representantes da área de recursos humanos de empresas nas quais os engenheiros atuam.
Num tom que deixou otimistas os presentes, Rezek frisou que o desfecho relativo ao questionamento por parte do Governo do Maranhão na Justiça sobre o piso não poderá ser outro senão o que “a boa-fé recomenda”. Ele explicou, durante sua preleção, que a alegação de incompatibilidade não deve encontrar eco no STF, que “vem honrando determinadas leis, entre as quais a 4.950”.
Ademais, como havia explicitado em parecer técnico e reiterou, em seu artigo 7º, inciso IV, a Constituição prevê o direito a piso profissional ao trabalhador arcar com necessidades básicas, como habitação, lazer, alimentação, vestuário, saúde. No mesmo artigo, diz que o vencimento mínimo vigente no País não deve servir de indexador a obrigações de natureza “não salarial”. Logo em seguida, no inciso V, determina, como relatou Rezek, que “deverá haver piso para trabalhadores qualificados em função da sua especialidade, da sua formação”. Portanto, não há nenhuma incongruência entre a Lei 4.950-A e a Carta Magna. Ele destacou: “É impossível ler a Constituição, estar de boa-fé, e não entender o que significa. Não obstante, parece que alguns juristas palacianos – e essa é uma categoria muito particular, existente nos mais diversos países, muita ativa no nosso – convenceram alguns governantes de que o inciso IV do artigo 7º, ao dizer que o salário mínimo geral não deve servir de indexador, tampouco o deve para finalidade do inciso seguinte, o qual aliás não mencionam, procedem como se não existisse. É com base nesse tipo de raciocínio e formulando uma equação de exemplar simplicidade que a governadora em questão, descontente possivelmente com a ideia de pagar o piso, deseja que o Supremo derrube a norma editada em 1966.” O ex-ministro ressaltou: “A Constituição tem que ser lida por inteiro, não em parte.”
Assim, em referência à ação, ele foi enfático: “Não creio em absoluto que essa espécie de iniciativa possa ter algum sucesso.” A qual, na sua análise, tem menos a ver com questões jurídicas e mais com a natureza e propostas de governantes, nesse caso demonstrando “olímpico cinismo”. “Independentemente do mau aconselhamento técnico, o que leva alguns em posição de liderança a não quererem pagar algo que não tem nada de suntuoso, seria de grande valia se os melhores padrões de governabilidade local fossem observados como modelo e o eleitorado fosse mais seletivo”, alertou.
Debate com engenheiros
Rezek ouviu as preocupações de representantes de diversos estados quanto ao piso e sanou dúvidas pontuais. Entre elas, a do presidente do Senge-AP, Lincolin Silva Américo, que questionou sobre qual o caminho para fazer cumprir a Lei 4.950-A pela administração pública local. À frente do sindicato no Piauí, Antonio Florentino de Souza Filho, denunciou que no estado somam-se mais de 100 ações por descumprimento do piso. A justificativa recorrente é a proibição de indexação ao salário mínimo vigente no País, com base na Súmula vinculante nº 4. “É impressionante a impreciosidade na edição de súmulas, como esse caso ilustra muito bem”, criticou o ex-ministro, para quem a alternativa nas situações apresentadas é tentar recurso junto ao Tribunal de Justiça. Jonas da Costa Matos, assessor jurídico do SEESP, complementou: “No texto da Súmula 4, consta que ela aplica-se ressalvados os casos previstos na Constituição Federal.” Como pagamento de piso encontra respaldo na Carta Magna, segundo ele, o argumento está invalidado.
Outro dos problemas levantados pela plateia foi quanto à abertura de concurso público exigindo-se a formação de engenheiro, mas para contratação sob a nomenclatura de analista. Com isso, escapar-se-ia do pagamento do piso. “Isso seria visto em qualquer tribunal como uma fraude flagrante”, asseverou Rezek. E ironizou: “É o mesmo que contratar um horticultor ou jardineiro, mas exigir formação de advogado, com registro na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).”
Acalmando os anseios apontados, o ex-ministro concluiu que o sucesso no Maranhão será importante precedente: “É um caso de solução relativamente fácil e não deixará nenhuma pendência ou dúvida sobre a validade do piso. O sono coletivo será tranquilo.”
Assista a palestra de Rezek na íntegra.