Mark Zuckerberg, fundador e presidente-executivo do Facebook, revelou no início deste ano que seu desafio para 2016 será o de montar um assistente de inteligência artificial (IA) para ajudá-lo a cuidar de sua casa e trabalho. Para isso, vai ensinar o programa a entender sua voz e a reconhecer rostos de amigos que frequentam sua residência para facilitar sua entrada.
“O sistema inteligente precisa adquirir muita informação do ambiente. A possibilidade disso acontecer vai depender de quanto o sistema consegue obter informações relevantes sobre sua vida e seus hábitos”, explica o professor Flavio Tonidandel [foto ao lado], do Departamento de Ciência da Computação do Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana “Pe. Sabóia de Medeiros” (FEI). Porém, ele próprio lembra que tais dados podem ser obtidos a partir de ferramentas como Facebook e Google, que obtêm enorme quantidade de informação a respeito de seus usuários.
De toda forma, na sua avaliação, no curto prazo, Zuckerberg ainda não conseguirá programar ações relevantes. Contudo, realizar buscas por receitas culinárias, alertar para o horário de tomar um medicamento ou avisar que o leite no refrigerador está acabando são ações que já ocorrem com o advento da Internet das coisas – integração de objetos, utensílios domésticos à rede mundial de computadores. “Perceba que não estou dizendo que é impossível. Apenas que essas tecnologias precisam de mais tempo para se aprimorarem. Robôs que participam da competição (internacional) RoboCup @Home realizam tarefas que até pouco tempo muitos achavam impossível, como fazer compras, abrir a geladeira e servir uma cerveja a uma pessoa. Mas esses robôs ainda não são seguros e eficientes para um ambiente real de uma casa ou de um escritório”, esclarece.
Avanços como os descritos pelo professor já fizeram com que a inteligência artificial migrasse das produções de ficção científica para a realidade. Basicamente, trata-se de um ou mais programas (algoritmos) que permitem aos sistemas computacionais presentes em robôs ou máquinas tomarem decisões na solução de um ou mais problemas ou chegarem a conclusões de forma autônoma, simulando a capacidade humana de raciocinar.
Humanidade em risco?
Esse feito também tem trazido para o debate a ameaça de superação do ser humano pela máquina. Na opinião de Tonidandel, o risco até pode ser real, mas é mínimo. “Uma vez que a máquina tome decisões sozinhas e possa ser mais eficiente do que nós, ela pode passar, algum dia, a nos controlar.” Para ele, é mais que provável que as máquinas superem os seres humanos a partir de avanços e cruzamentos entre inteligência artificial e robótica, que permitirão alto desempenho em diversas tarefas cotidianas. “Não tenho dúvida que um robô poderá, no futuro, dirigir um carro, lavar uma louça, cortar a grama, fazer colheita ou mesmo pintar uma casa melhor que os seres humanos. Não vejo isso como algo ruim, apenas precisamos aprender a qualificar a sociedade para trabalhar com esses robôs”, completa o especialista.
Tal segurança, contudo, não é partilhada por toda a comunidade científica. Um grupo de 700 cientistas divulgou uma carta em janeiro de 2015 sobre os benefícios da IA, incluindo um alerta sobre a necessidade de “evitar suas armadilhas”. Stephen Hawking, que fala por meio de um computador devido a uma paralisia causada pela doença de Charcot, declarou, em dezembro de 2014, que esse tipo de tecnologia pode evoluir com muita velocidade e superar a humanidade. “As formas primitivas de inteligência artificial que já temos são muito úteis. Mas acredito que o desenvolvimento de uma inteligência artificial completa poderia acabar com a raça humana”, afirmou.
Para Tonidandel, esse cenário só se confirmaria caso houvesse máquinas capazes de saber tudo sobre economia, política, saúde, segurança etc., não apenas de executar tarefas. “Não faz sentido criarmos um robô que faz tudo. Para cada uma dessas tarefas, teremos um robô específico. Sendo assim, não teriam capacidade de atuar contra a população”, defende.
Mesmo descartando os receios gerados pela IA, o professor da FEI faz companhia aos cientistas que adotam as três leis da robótica, criadas pelo escritor russo e bioquímico Isaac Asimov, na obra “Eu, robô”, de 1950, que reúne nove contos de ficção científica e inspirou o filme de 2004, protagonizado por Will Smith. São elas: 1ª) um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal; 2ª) um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que entrem em conflito com a primeira lei; 3ª) um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira e/ou a segunda lei. “Ainda não conseguimos implementar as três. Assim, acredito, antes de criarmos robôs superinteligentes, teremos que criar formas de implementar as leis da robótica”, reconhece.
Por enquanto, a inteligência humana ainda leva vantagem na disputa com a artificial. A primeira vez que uma máquina superou o homem foi em 11 de maio de 1997, quando Garry Kasparov sentou-se com o supercomputador IBM Deep Blue para uma última partida de xadrez e foi derrotado. Era a segunda vez que os dois se enfrentavam e a máquina só levou a melhor porque foi reprogramada especificamente para derrotar o campeão russo, usando jogadas de diversos mestres enxadristas e uma análise detalhada de jogos anteriores de Kasparov.
* Por Deborah Moreira. Matéria publicada, originalmente, no jornal Engenheiro, da FNE, nº 165, de fevereiro de 2016