Ricardo Noblat*
A formação de um engenheiro constitui-se numa árdua tarefa, que se inicia por um processo de sedução pela profissão, dirigido aos jovens do ensino médio. Por isso, vejo com alguma preocupação o processo de crescimento dos nossos cursos, em que muitas das estruturas curriculares estão bem distantes daquilo que se espera para um profissional qualificado e com as ferramentas necessárias ao enfrentamento dos desafios trazidos pelos continuos avanços da tecnologia. Uma das causas dessas dificuldades vem da qualidade insuficiente do ensino médio.
Também é preciso ter em mente que, nos tempos atuais, o intervalo de tempo decorrido entre uma descoberta nas bancadas dos laboratórios, ou uma inovação, e a sua inevitável obsolescência está sendo cada vez menor.
A educação do engenheiro moderno compreende a geração das culturas da educação continuada, da inovação e do empreendedorismo. As estruturas curriculares devem assegurar inúmeras habilidades, como a argumentação e síntese associada à expressão em língua portuguesa, a assimilação e aplicação de novos conhecimentos, o raciocínio espacial lógico e matemático, o raciocínio crítico, observação, interpretação e análise de dados e informações, a leitura e interpretação de textos técnicos. Todas elas são decisivas para o exercício profissional na sociedade do conhecimento.
Como a inovação depende do ambiente social, das tecnologias em uso num dado momento e do conhecimento cientifico disponível, esta formação necessita ser abrangente e multidisciplinar, garantindo uma sólida preparação nas disciplinas que irão se constituir na base do exercício profissional, como matemática, física e química, e habilitando os novos profissionais a ocupações nas suas áreas, ou mesmo em outras áreas, já que as profissões se transformam e, em alguns casos, desaparecem.
É importante também fazer com que a formação do engenheiro brasileiro se realize por meio de uma forte articulação da universidade com a empresa inovadora, seja pelo estímulo à criação de incubadoras e parques tecnológicos, seja pela realização de projetos conjuntos. Estágios supervisionados são indispensáveis do processo de formação.
Além disso, é igualmente importante atrair talentos de outros países e reconhecidos pela sua capacidade inovadora.
Temos hoje cerca de 600 mil estudantes matriculados em nossos 3 mil cursos de graduação de engenharia, com baixíssimo percentual de conclusão, pois andamos por volta dos 50 mil diplomados anualmente (a Rússia forma mais de 400 mil e o México 115 mil).
O número de matriculados corresponde a menos de 10% do total de estudantes no ensino superior. Outro dado ruim é que apenas 42% trabalham em sua área de formação e desses, só 50% estão na indústria.
A recuperação da economia exige muitas medidas simultâneas aos ajustes econômicos e financeiros, entre elas a formação de quadros técnicos, a capacitação daqueles que já estão no mercado e o aumento da oferta de novos postos de trabalho. Por isso, priorizar os conteúdos locais (proporção dos investimentos nacionais aplicados em bens ou serviços e que representam a parcela de participação da indústria nacional na sua produção) e apoiar efetivamente às micro e pequenas empresas, que certamente permitirão o aumento da demanda por engenheiros e técnicos, reformular os currículos, e incrementar as relações universidade-empresa, são algumas das ações necessárias.
A crise atual, que todos os brasileiros esperam estar sendo superada, não pode e não deve servir de justificativa para o descumprimento dessas tarefas.
Ricardo Noblat, jornalista. Texto publicado, originalmente, no seu blog no jornal "O Globo", de 13/06/2017